sábado, 28 de novembro de 2009

SANTA LEITURA

Érico e Paulo Gurgel (1)

Eis uma cena do início de minha vida, que se repetia todos os dias e da qual estou hoje a me lembrar: meu pai, sentado no sofá principal da sala, a ler com grande interesse o jornal. Perto dele, este que lhes fala entretido com algum brinquedo, embora de quando em quando desviasse a atenção para o velho (2). E ele, tão absorto em seu ato de ler, que nem atinava com ser o motivo da minha intermitente admiração. Naqueles fugidios instantes em que eu relaxava na atenção ao brinquedo, obviamente.
Sempre que possível eu evitava interrompê-lo em sua santa leitura (3). Ao contrário do que fazia minha mãe, a matraquear um assunto atrás do outro, sem ao menos se tocar para a inconveniência da hora. E bem feito porque ele sempre a desouvia!
Ainda pouco me entendia por gente, mas recordo também que aquilo me perturbava. Meu pai dedicar parte de seu tempo a um punhado de folhas impressas, ainda por cima capazes de manchar o sofá novo, como se queixava minha mãe. E, mais: ao fazer aquilo ele se comportava, para os meus tenros olhos, feito um estranho. Um ser sob alguma ação hipnótica porque, naquelas horas, podia o teto vir abaixo. Que o velho, certamente, não ia levantar a vista do seu jornal. Nem para apreciar o novo teto solar com que a casa acabara de ser contemplada.
Intrigava-me saber que força misteriosa possuía o jornal. A ponto de um ser humano, muita vez de forte personalidade, entregar-se a ele como um escravo. Com o tempo, porém, identifiquei existir no ser humano uma especial fragilidade, que é a carência orgânica de informação. Exatamente o que o jornal tem de sobra. E que, para que aconteça a consentida dominação jornal-leitor, não hesita em nos passar diariamente. O seu produto informação, sob as suas mais diversas apresentações: editorial, reportagens, colunismo social, charges, publicidade etc.
Uma vez sonhei com papai sendo levado, contra a vontade, a uma redação de jornal. E o desfecho dessa experiência onírica, se alguém quer saber, foi a redação ficar só escombros. Porque papai, qual um bíblico Sansão (4), no fim derrubou as colunas (5).
No entanto, nem tudo acontece como a gente sonha. E, sem haver sofrido arranhões nesse meu sonhar, papai continuou... vida boa não quer pressa. A ler o seu jornalzinho no sofá (por vezes, à mesa da sala de jantar), apenas lhe faltando um cachimbo na boca para compor a cena clássica. E, quando me formei em "doutor do ABC", papai me deu a ler um suplemento infantil do jornal. Que eu li com grande satisfação, bem na frente de um muito enciumado aparelho de televisão.
Pronto, naquele momento estava inaugurado o meu novo hábito!
É um hábito que me abre diariamente as fronteiras do conhecimento. Graças a ele, não mais permanecem sem respostas as minhas inúmeras perguntas. Exceto estas: quem somos? de onde viemos? o que aqui fazemos? aonde vamos? Por mais que eu me esbalde nessas difíceis perguntas, Sísifo é testemunha! Talvez porque, nas chamadas questões existenciais, não baste a gente só extrapolar os limites do suplemento infantil, daí o insucesso verificado. No mais, jornal é massa. Enquanto o dinheiro do velho não se manifesta, colecioná-lo com afinco vale uma enciclopédia.
Brincadeira! O fato é que, na aurora da minha vida, ao me tornar um leitor assíduo de jornal, posso ambicionar a ser, quando adulto, um grande escritor. Com um estilo apurado e desenvolto (em que "aurora da minha vida" e expressões que tais não tenham vez). E uma menção honrosa que agora me deem, eu saberei que estou no caminho certo. Ah, imaginem então se eu ganho esse prêmio maior (6) que está em jogo!... Aos oito anos de idade e já haver obtido o que papai não conseguiu nunca! Com todos esses anos de cupões recortados dos jornais e por ele enviados para sorteios que não lhe sorriem jamais!...

(1) filho e pai, respectivamente, reunidos na primeira psicografia intervivos do mundo; (2) tratamento carinhoso, porém em desacordo com a idade paterna; (3) apesar do que possa parecer o título não foi escolhido por Robin, que faz dupla dinâmica com Batman; (4) sem Dalila; (5) as colunas do prédio, bem entendido; (6) viagem a Disney, com direito a levar acompanhante, oferecido pela Associação Nacional de Jornais.

Publicado em 26/06/94 no Jornal do Leitor de O Povo.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

TUDO SE TRANSFORMA

Sr Editor:
Numa de suas crônicas, andou Luis Fernando Veríssimo preocupado com o que os adesivos de para-brisas dizem, bem como com as situações esquisitas que eles criam para os donos dos automóveis. Como no caso de um cidadão que foi visto a dirigir um carro, em cujo vidro traseiro se lia: "Fofinho". Entretanto, não condizendo o teor do adesivo com a aparência de quem estava ao volante. Um cidadão grave, obviamente não fofo. E que se sujeitava ao vexame apenas para não desagradar algum filho que gostava da curtição. Para, no remate de sua crônica, concluir que... "as cidades estavam cheias deles. Os falsos fofinhos."
"Veja" acertou ao tomar o mestre Luis Fernando como colaborador da revista. Só que - para o azar de seu alunado de humor - o superlativo Veríssimo tem uma pena, dessas de esgotar o assunto. E apenado seja o que o retome depois que o insuperável mestre gracejou! A não ser... a não ser que um fato interessante surja, adubando o assunto para novas reflexões. A exemplo do que aconteceu em Fortaleza, nos meses de outubro e novembro de 88: um ano que terminou (para o olvido da Diaethria meridionalis, a borboleta-propaganda da Mesbla). Veículos veiculando (epa!) através de adesivos nos para-brisas este comunicado: "Cambeba, não!".
O tipo de mensagem que me deixou encucado e os leitores saberão o porquê.
É que eu jamais vira uma manifestação organizada de repúdio a um bairro! E, agravando, repudiavam o bairro em que, há alguns meses, vinha eu morando. "Cambeba, não!". Como se eles pudessem fazer, por ser uma parte ruim, a excisão do bairro do resto da cidade. E não era bairrismo deslavado, não. Mas bem que o antigo Parque Iracema estava a merecer um melhor tratamento da parte desses senhores. Ainda mais que, longe da Aldeota, o rechaçado Cambeba não passava de um bairro em via de desenvolvimento.
Súbito, residir no lugar em questão tinha virado uma rebordosa. Cá se amargava a má administração municipal, como no restante da cidade, e cá se tornava o alvo da indignação coletiva. Ah, me pareceu uma sorte cruel, das que se inscrevem no figurino queda - coice... Por isso, num primeiro instante, me revoltei. Mas, a ter de ficar na "problemática", eu logo busquei a "solucionática" (de que falou Dadá Maravilha). Quando apreciei a ideia de sugerir, a cada cidadão que por mim passasse (cujo sentimento anti-Cambeba estivesse explicitado no para-brisa do carro), um outra opção de protesto. Mudar para "Camberra, não!", "Camboja, não!" ou mesmo para "Camboriú, não!". Nomes de cidades distantes, países longínquos... que não possuíam colônias expressivas em Fortaleza.
Depois, imaginei trocar o Cambeba da expressão por cambará, cambuci, camboatã ou por qualquer outro nome de árvore, as opções eram tantas... Mas, diabos, o que tinha a ver a maltratada flora nacional com esse corrosivo sentimento anti-Cambeba? E também imaginei que mudassem para cambaxirra (ave), cambaleão (variante de camaleão), cambucu (peixe)... Quer dizer, qualquer uma dessas palavras mais o indefectível "não!". No entanto, por depreciar a nossa fauna, seriam providências desacertadas. Nesses tempos em que avulta o ambientalismo...
A propósito, cambeba (ou cambeva) é palavra oriunda do tupi e designa várias espécies de peixes teleósteos.
Pois bem, descartada a possibilidade de empregar os topônimos, os nomes de árvores e animais (pelos motivos já expostos), com o que mais eu poderia contar? Com o que mais... no sentido de ganhar o manifestante anti-Cambeba para a causa do bairro ou, quando nada, de lograr o empate com um "então, esquece"? Algo arrasador, que convencesse, era do que eu precisava. E foi que me brotou esta expressão alternativa: "Cambalacho, não!". A ser usada pelo homem de virtudes, o que é contra a toda e qualquer tramoia. Pelos cambalacheiros, não! Nisso, vi passar um carro com uma vistosa tira de "Cambada, não!".
E outro carro, outro, outro e... outro. Eram os "cambebistas" dando o troco aos, digamos, "cambadistas", coisas de uma refrega eleitoral.
X X X X X
No fim, venceu o candidato apoiado pelo Cambeba, entendendo-se aqui o governo estadual e não o bairro que o sedia. Mesmo porque o bairro votou muito dividido, mas não fazendo, certamente, no nome apresentado pela senhora prefeita. Como fez toda a mui leal e heroica cidade de Fortaleza, e que assim julgou a sua desastrada administração. Quanto a mim, para não voltar à vaca fria que foi para o brejo, evito me alongar em comentários que tais. Agora que a nossa cidade tem novo alcaide e a hora é de reconstrução, pois. Fala mais alto o nome desta cidade, e que cada fortalezense colabore no que for possível.
Um "cambadista" mais renitente, porém, poderá levantar uma questão. "Mas, o que faço com o meu adesivo de 'Cambeba, não!'?" Ora, será bem simples a solução. Lei de Lavoisier nele! O "cambadista" salve da tira a parte ainda útil e que estivera eclipsada pelo calor das paixões políticas. Reduzindo-a, assim, para... "beba, não!". Recoloque-a, em seguida, no para-brisa do automóvel. E passe a circular com o carro perfeitamente integrado na campanha em prol da sobriedade.

Publicado em 22/02/89, na seção "Cartas", do jornal "Diário do Nordeste".

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

RESSONÂNCIAS LITERÁRIAS

Antologia de prosa e poesia publicada em 2009 por SOBRAMES, Regional do Ceará.
Autores: Airton Fontenele Sampaio Xavier, Airton Ferro Marinho, Antero Coelho Neto, Antônio Sílvio de Araújo, Antonio Vicente de Alencar (convidado), Celina Côrte Pinheiro, Christiane Araujo Chaves Leite, Dalgimar Beserra de Menezes, Dimas Macedo (convidado), Emanuel de Carvalho Melo, Fernando Antônio Siqueira Pinheiro, Francisco Antônio Tomaz Ribeiro Ramos, Francisco das Chagas Dias Monteiro (Chico Passeata), Francisco Flávio Leitão de Carvalho, Francisco José Pessoa de Andrade Reis, Geraldo Beserra da Silva, Maria Ilnah Soares e Silva, Jesus Irajacy Fernandes da Costa, João de Deus Pereira da Silva, José Luciano Sidney Marques, José Maria Bonfim, José Maria Chaves, José Teúnes Ferreira de Andrade Filho, Josué Viana de Castro Filho, Luciano Nunes Maia (convidado), Luiz de Araujo Barbosa, Luiz Gonzaga de Moura Júnior, Luiz Luciano Menezes de Arruda, Luiz Teixeira Neto, Marcelo Gurgel Carlos da Silva, Martinho Rodrigues Fernando, Nilson de Moura Fé, Paulo Gurgel Carlos da Silva, Sebastião Diógenes Pinheiro, Vladimir Távora Fontoura Cruz, Walter Gomes de Miranda Filho, Wellington Alves e William Moffitt Harris
Apresentação: José Maria Chaves
Prefácio: Giselda de Medeiros Albuquerque (da Academia Cearense de Letras)
Dedicatória: "À memória do Prof. Eilson: saudades sobramistas" por Marcelo Gurgel
Projeto Gráfico e Arte Final: Júlio Amadeu
Coordenação: Marcelo Gurgel
Organização e Revisão: Marcelo Gurgel e Walter Miranda
Imagem da Capa: Glauco Sobreira
Editoração e Impressão: Expressão Gráfica e Editora Ltda
Tiragem: 1.000 exemplares
Livro com 224 páginas.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

JAMB (1986-1990)

Abaixo relaciono minhas colaborações ao Jornal da Associação Médica Brasileira (JAMB) durante o período de 1986 a 1990:
  1. COMO EU VEJO - Fev/86
  2. AOS QUE RONCAM - Fev/87
  3. (À PROCURA DE) FÓSFOROS - Abr/87
  4. O SEGUNDO - Jun/87
  5. EM CARTAZ (I) - Ago/87
  6. SALVE A INFLAÇÃO BRASILEIRA! - Nov/87
  7. DOMURU E EU - Jan/89
  8. BRASIL, MOSTRA TUA TARA - Mai/89
  9. ESTAMOS GRÁVIDOS! - Abr/90
  10. O CAMINHO DO MEIO - Mai/90
  11. A SENHORITA E. - NI
  12. ESCOLA DE SAMBA? DEIXA EU FALAR... - NI
Todos esses textos já estão publicados no Preblog.