quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

CORDEIROS

Vendo a reportagem na televisão eu tomei conhecimento de que o carnaval baiano passa por uma dificuldade: recrutar cordeiros. Os cordeiros são aquelas pessoas contratadas pela organização dos blocos para garantir a segurança dos foliões pagantes. Fazendo o trabalho por meio de cordas que criam um espaço exclusivo para os foliões dos blocos, isolando estes dos chamados “pipocas”. Como lidam com cordas são conhecidos por cordeiros. Agora, porque não estão se apresentando para o trabalho desta temporada a explicação parece óbvia. O anúncio de diárias de apenas 20 reais para os cordeiros que estiverem dispostos a encarar o empurra-empurra da avenida.
Mas será que existe mesmo a ocupação de cordeiro?
Uma consulta on line na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) do Ministério do Trabalho e Emprego me mostra que a ocupação existe oficialmente.



Só que os cordeiros da CBO são de outro "rebanho". Pois pertencem ao grupo dos mantenedores de edificações, têm o código 9914-10 e são descritos como conservadores de fachadas. O que significa dizer que dependem de cordas para o trabalho, também.
Aliás, dependem das cordas para a vida.
Original: EM, 19/01/2008

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

MINHA LUTA COM POPÓ

Não sei onde andava com o meu juízo quando resolvi desafiar o grande pugilista baiano para uma luta. Detentor de um cartel inigualável, Popó era (ainda é) um nome respeitadíssimo no mundo do boxe. Uma fortaleza humana com punhos que a tornavam inexpugnável. E, para dificultar as coisas, com um abdome protegido com cinturões de ouro.
Quanto a mim, algumas baratas nocauteadas em meu apartamento (com o chinelo) eram em que se resumia o meu currículo de lutador. E, aí já fora do currículo oficial, algumas “pernas pra que vos quero” de penosa recordação. Porém, por haver feito o tal desafio, resolvi não retroceder mais. As boas idéias não morrem nunca, a menos que estejam em cérebros de gladiadores.
Antes do encontro, numa tentativa de intimidá-lo (os lutadores sempre fazem isso!), deixei escapar algumas informações a meu respeito: idade (59) e os dados antropométricos (160 cm de altura, 70 kg de peso, 150 cm de envergadura). No entanto, astuciosamente, fiz sigilo de algumas morbidades pessoais, como a artrose nos dedos. Um aperto de mãos, antes da luta, poderia já acabar com ela. A luta, claro, já que essa artrose nunca teve jeito.
Acho que não funcionou esse ensaio de intimidação. Pois soube que Popó riu muito, muitíssimo ao receber dos segundos essas informações. E, a seguir, deu férias ao sparring e foi espairecer na Ilha de Comandatuba. Não sem antes comentar para o seu saco de pancadas como já vislumbrava a luta. “Não vai dar tempo para esse cara dizer soteropolitano”.
Devolvi-lhe a gentileza através de uma correspondência. Nela deixando claro que uma lutazinha qualquer não me afetaria nas propriedades silábicas. Eu diria, no calor da futura refrega, palavras até bem maiores. Após essa jactância toda, por via das dúvidas, interrompi o preparo físico para passar mais horas com o Aurélio e o Houaiss.
No íntimo, sabia que teríamos um enfrentamento rápido. Algo do tipo round único com perspectiva de acabar em morte súbita. Popó viria com os seus jabs, uppercuts e hooks. Era assim que ele demolia os adversários. Isso quando não incluía em seu repertório de pugilato alguns humilhantes cascudos. E todo um YouTube com vídeos do Popó passou a freqüentar a minha mente.
Por isso, eu decidi montar uma estratégia bem diferente. Não deixaria o Popó ter o controle da situação. Não deixaria o Popó chegar perto de mim. Pensando bem, não deixaria nenhum soteropolitano (pelo trauma psíquico que esta palavra já me causava) aproximar-se de minha frágil aura. E, o tempo todo, eu buscaria uma luta de resultados.
Pois foi exatamente o que eu fiz, quando levei essa luta para o Googlefight.


Original: EM, 30/11/2007

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

INVENTOS BRASILEIROS

O que deveria ser o maior de todos os nossos inventos, o avião, encontra-se sub judice. Devido a uma torpe ação movida pelos norte-americanos que, com a sua máquina publicitária invencível, “vendem” ao mundo a pipa dos Wright Bros. Anunciando-a como “o primeiro avião do mundo”.
Ah, é? Mas, no relógio de pulso, eles não tascam. Foi este relógio uma ideia que Santos Dumont, em boa hora, deu a Louis Cartier. E que coube ao relojoeiro francês a tarefa de transformá-la num objeto (dos mais úteis).
Sobre essa tradição brasileira de voar: não começou com o Pai da Aviação. Remonta a Bartolomeu de Gusmão, um padre jesuíta nascido em Santos, que projetou a Passarola. Um aeróstato aquecido a ar quente, com o qual o "padre voador" antecedeu os Montgolfier com seus balões.
Já a invenção do radio é creditada ao padre Landell de Moura, com as suas experiências de transmissão da voz humana a distância, feitas no final do século 19. Embora obtivesse as patentes, no Brasil e nos Estados Unidos, o padre não conseguiu o reconhecimento que merecia. Nem o financiamento necessário para produzir em escala industrial os seus equipamentos. Aliás, acusado de pacto com o diabo, o padre teve o dissabor de vê-los destruídos.
E esta nossa lista, recheada de padres-cientistas, ainda prossegue. Com o padre Azevedo, que inventou a máquina de escrever. É verdade que, com o surgimento das impressoras a jato de tinta, a máquina de escrever foi mais adiante desinventada. Como também desinventado foi o aparelho de abreugrafia, do médico Manuel de Abreu, após décadas de grande popularidade do invento.
Na área da moda, contribuímos com várias peças. O fio dental, por exemplo. Só que algumas delas aumentamos, mas não inventamos. Como os tais sapatos-plataforma, que a pequena Carmen Miranda criou para se tornar, sobre eles, ainda mais notável.
E, no futebol, registremos a jogada de Charles, a folha seca do Didi, os múltiplos disfarces para o jogador fugir da concentração, as placas luminosas (que anunciam as substituições dos atletas nas partidas) e o Hino Nacional cantado a cappella, digo, a stadium. Pois bem, até quando metemos as mãos pelos pés somos criativos, como fomos ao criar o futevôlei.
Além de tudo, quantos gadgets foram inventados aqui no Brasil! Aí estão o bina, o walkman e a urna eletrônica que não nos deixam mentir. O escorredor de arroz, o orelhão do telefone e o lacre de segurança de plástico. Também aí estão a caipirinha que, segundo o historiador português Alexandre Borges, foi a única contribuição positiva de Dona Carlota Joaquina ao Brasil e o trio elétrico, atrás do qual "só não vai quem já morreu".
E, last but not least, o cheque pré-datado.
Original: EM, 16/11/2007

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

COMEDORES DE CARANGUEJOS

Hoje é quinta-feira. À noite, chova ou faça lua, milhares de fortalezenses invadirão as barracas da Praia do Futuro com um propósito firme: comer caranguejos. Juntar-se-ão aos invasores locais um grande número de turistas, ansiosos por participarem deste arraigado costume da terra.
Nesses restaurantes, os caranguejos cozidos em leite de coco vêm servidos em bacias, acompanhados por uma porção de farofa. E, para romper a blindagem natural dos crustáceos (já que a fervura no panelão não consegue isso), nossos crabs’ eaters (comedores de caranguejos) recebem uns pauzinhos roliços. Com os quais se põem a quebrar as patas dos crustáceos em busca de suas tenras carnes.
Não há como os caranguejos possam lutar contra essa maré humana. Que tem dia certo da semana para acontecer, em Fortaleza. É a quinta-feira, como já disse. Pois, neste dia, a sanha para comê-los é tanta que muitos dos crabs’ eaters não conseguem esperar até a noite chegar. Em seus locais de trabalho, com o que têm à mão, e já começam furiosamente a martelar no juízo dos caranguejos.


- Que entrem os caranguejos!
Original: EM, 25/10/2007