sexta-feira, 30 de março de 2012

AMIGO E DINHEIRO

Amigo é pra essas coisas
Silvio Silva Júnior/Aldir Blanc

- Salve!
- Como é que vai?
- Amigo, há quanto tempo!
- Um ano ou mais...
- Posso sentar um pouco?
- Faça o favor.
- A vida é um dilema
- Nem sempre vale a pena...
- Pô...
- O que é que há?
- Rosa acabou comigo.
- Meu Deus, por quê?
- Nem Deus sabe o motivo.
- Deus é bom.
- Mas não foi bom pra mim.
- Todo amor um dia chega ao fim.
- Triste...
- É sempre assim.
- Eu desejava um trago.
- Garçom, mais dois.
- Não sei como eu lhe pago.
- Se vê depois.
- Estou desempregado...
- Você está mais velho.
- É...
- Vida ruim.
- Você está bem disposto.
- Também sofri.
- Mas não se vê no rosto.
- Pode ser...
- Você foi mais feliz.
- Dei mais sorte com a Beatriz.
- Pois é..
- Tudo bem.
- Pra frente é que se anda.
- Você se lembra dela?
- Não.
- Lhe apresentei...
- Minha memória é fogo!
- E o l´argent?
- Defendo algum no jogo.
- E amanhã?
- Que bom se eu morresse!
- Pra quê, rapaz?
- Talvez Rosa sofresse.
- Vá atrás!
- Na morte a gente esquece.
- Mas no amor a gente fica em paz.
- Adeus
- Toma mais um.
- Já amolei bastante.
- De jeito algum!
- Muito obrigado, amigo.
- Não tem de quê.
- Por você ter me ouvido.
- Amigo é pra essas coisas.
- Tá...
- Tome um cabral.
- Sua amizade basta.
- Pode faltar.
- O apreço não tem preço, eu vivo ao Deus dará
Dinheiro é pra essas coisas
Paródia: Paulo Gurgel, 1992

- Salve!
- Como é que vai?
- Cruzeiro, há quanto tempo!
- Um ano ou mais...
- Posso sentar um pouco?
- Faça o favor.
- A vida é um sufoco.
- Nem sempre existe troco...
- Pô...
- O que é que há?
- Collor acabou comigo.
- Meu Deus, por quê?
- Nem Deus soube o boato.
- Foi o over.
- Ah, não foi bom pra mim.
- Todo ativo um dia chega ao fim.
- Triste...
- É sempre assim.
- Eu desejava um ajuste.
- Congresso faz.
- Não sei quando é o embuste.
- Ora, rapaz.
- Estou tão bloqueado...
- Você está de volta.
- É...
- Ágio ruim.
- Você está bem enxuto.
- Também sofri.
- Não sobe o dólar um puto.
- Pode ser...
- Você foi mais feliz.
- Dei mais sorte com o tal Eris.
- Pois é...
- Tudo bem.
- Pacote é que manda.
- Se lembra da poupança?
- Não.
- Lhe indiquei...
- A garantia foi-se!
- E o CDB?
- Pior do que um coice.
- E a inflação?
- Ah, se recrudescesse...
- Pra quê, rapaz?
- Talvez Zélia sofresse...
- Vá atrás!
- Cabral não a esquece.
- Mas em casa a gente fica em paz.
- Adeus.
- Tá dois por um.
- Já despenquei bastante.
- Ziriguidum!
- É muito ágio, amigo.
- Compensa não.
- Vou acabar falido.
- Dinheiro é pra essas coisas.
- Peço...
- Vá ao leilão.
- A liquidez não dá.
- Pra liberar.
- Se tudo aumenta o preço, eu saio do colchão.

sexta-feira, 23 de março de 2012

FAMÍLIAS

Ter família é uma tendência que se observa nos seres em geral. Uma tendência da qual não escapam nem mesmo os seres inanimados. Como os gases nobres, a Coca-Cola e as pizzas.
Já ser família é outra coisa. É excludente. Exige-se que a pessoa seja honesta, recatada e de boa índole. A menos que queira ser a ovelha negra da família.
Em número de membros, a maior família do Brasil é, ao que tudo indica, a dos Silvas. Num artigo, A Convenção da Família Silva, eu já me preocupei com a impossibilidade desta "megafamília", à qual inclusive pertenço, um dia fazer a sua convenção.
Mas há outras famílias também interessantes. Senão, vejamos:
A família Júnior - Reúne o Fábio Júnior, o Blota Júnior, o Teragram Júnior, o Chevette Júnior e o jogador Júnior, entre outros. Seus membros abreviaram o nome para Jr., adaptando-se ao internetês.
A família Di - Seus principais expoentes foram o pintor di Cavalcanti, o Didi "Folha Seca" e a Lady Di (apesar da pronúncia anglicana de seu nome). Atualmente, há o Didi dos Trapalhões.
A família Maravilha - Tem a Elke, a Mara e o Fio (de quem todos nós gostamos).
A família Tutu - Tem o Desmond Tutu, Prêmio Nobel da Paz, a ex-deputada Tutu Quadros e, que não venha mais cá, o Tutu Marambá.
Nome de família dá muita confusão. Numa apresentação, não ouvindo bem a pronúncia de um sobrenome, eu pedi que a pessoa me confirmasse, se era Espínola ou Espíndola. Era Espínola, ele não tinha o "D" feito, OK, ficou então explicado.
Mas pior foi o que o mesário de uma sessão eleitoral certa vez aprontou. Durante a chamada dos votantes da sessão, trocou o nome de um certo Quintino Reis da Costa por... Quinhentos Réis da Bosta.
Além disso, a numerologia tem feito seus estragos. A cantora Sandra Sá, que mudou o nome para Sandra de Sá, e Jorge Ben, para Jorge Benjor, pioraram artisticamente com as mudanças. Mas a facção do PCB, que mudou para PC do B, não. A que continuou PCB, e que depois virou o nauseante PPS, foi a que piorou.
O apego pelo nome da família é algo muito relativo. Nem todo mundo inclui no cartão de visita os nomes de todas as famílias que contribuíram para a formação de seu genoma. Eu, por exemplo, sou Amaral, Lacerda, Coelho, Noronha e muito mais, mas não porto estes nomes comigo.
Alguns vultos históricos, porém, conservaram os sobrenomes de quase todos os antepassados. Como Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bibiano Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga de Bragança, o Dom Pedro II, que tinha um ajudante de ordens só para lembrar a sequência. E como Pablo Diego José Francisco de Paulo Juan Nepomuceno Maria de los Remedios Cipriano de la Santíssima Trinidad Ruiz y Picasso, que, para evitar o cansaço, subscrevia-se Pablo Picasso.
Melhor assim do que, no meio desse cipoal de nomes, cometer alguma distração. Do tipo que o trovista Ayrton Christovam um dia relatou:
O escrivão, veja você
Ao registrar o Carvalho
Esqueceu de pôr o "V"
E até hoje ainda dá galho.

sexta-feira, 16 de março de 2012

É A LÍNGUA IMEXÍVEL?

Nos últimos tempos, nossos políticos e tecnocratas têm andado às voltas com a tarefa de criar novas palavras para a língua falada no Brasil. Que, dizem uns, se tratar de português, e outros, de brasileiro mesmo. Não entrando no mérito de tal discussão, já que não tenho uma opinião formada sobre o assunto, uma coisa, porém, eu afirmo. A língua que Arraes chorou no exílio está sendo, como nunca, invadida por neologismos.
Resta ver com qual finalidade. Muitas vezes, os neologismos são criados para preencher necessidades da comunicação, isso é fato. E o idioma precisa deles para o seu rejuvenescimento, assim como se descarta de outras vocábulos que vão virar arcaísmos. Feito uma árvore que todo dia estreia novas folhas, desfazendo-se de outras já sem viço. E, queiram ou não, a mais corriqueira das palavras um dia já foi neologismo.
O insuperável Guimarães Rosa a três por quatro inventava palavras. Novos modos de arrumá-las, concatená-las, tal e coisa. São exemplos de composições tipicamente rosianas: "maquiavelhaco" (maquiavélico+velhaco), "enormonho" (enorme+medonho). No conto "Uns Inhos Engenheiros", em que ele descreve a construção de um ninho por um casal de passarinhos, há um brotar tamanho de palavras que o espetáculo apresenta um frescor, um encanto nunca vistos. Como se fosse a vez primeira em que isso acontecesse na Natureza e, ao ocorrer lá estivesse o olhar divertido de um homem que, paralelamente, criasse uma linguagem só para lhes celebrar a façanha.
O gênio de Cordisburgo, no dizer da scholar norte-americana Mary L. Daniel, parecia querer a língua que se falava antes de Babel. E, por isso, ele amalgamava, forçava, torcia e a submetia a experiências as mais audazes. Muitas vezes encontrando inéditos sentidos para as frases e palavras, mas... estou a falar de um artista no ato da criação. Nossos homens públicos, ao que se sabe, não chegam a tanto.
A atual temporada iniciou-se com o famoso "imexível" do ministro Magri (por sinal, o mais mexível dos ministros do Governo Collor). A que se seguiu o "dessazonalizar" do Kandir, com o aparente significado de que se deve subtrair os produtos sazonais (roupas de inverno, por exemplo) do cálculo dos índices de inflação. E, mais recentemente, o "orfanizado" do José Inácio, o líder do governo no Senado Federal, para caracterizar que há categorias necessitadas de uma lei que as proteja numa livre negociação.
O assunto com vistas a Houaiss, que nos promete um grande dicionário. Já que o Aurélio, autor do "Novo Dicionário da Língua Portuguesa", não mais se acha entre nós (foram suas últimas palavras "zwinglianismo" e "zingliano"). Então, meu bom Houaiss, que tal incluir em sua obra os verbetes "apoiamento" e "propositura"? Tão apreciados por nossos homens públicos, destinam-se a substituir "apoio" e "proposta".
Sei não, mas se a língua existe para ocultar o pensamento, como alguém já disse, tudo começa a fazer sentido. Uma língua em processo de expansão só pode é ocultar muito mais, exatamente o que esses senhores gostam de fazer.

sexta-feira, 9 de março de 2012

TURMAS

Quando era moleque, algumas vezes acompanhei a turma do bairro numa insensata missão. Circular em bando pelas ruas de outro bairro - por pura provocação! Iniciando (ou revidando)  o que eles faziam com a gente quando vinham a nosso bairro. Havia troca de palavrões, mostrar de músculos e, ao final, uma correria da turma visitante, o que geralmente impedia de o conflito assumir maiores proporções.
Vivermos em bairros diferentes era o único fato que alimentava essa rivalidade. A sociologia, a que cabe elucidar essa forma de comportamento grupal, deve ter alguma explicação. Do tipo: um grupo hostiliza outro grupo por que aquele vê neste como que uma ameaça à sobrevivência. E, transportando isso para a relação entre as nações, entende-se por que as guerras são um nunca acabar.
Na história contemporânea a gente vê o quanto o povo de um país pode ser induzido ao estado de beligerância. Se lhe oferecem uma liturgia de signos, paradas, hinos, oratória marcial, culto à raça e uma arquitetura monumental e triunfalista. Se lhe incentivam a se organizar em legiões e milícias juvenis. Goebbles, Hitler, Mussolini, Stalin, Peron, Mao, Franco e Salazar foram grandes manipuladores desse universo kitsch.
Meu lugar era na retaguarda. Que é onde deve ficar o serviço de saúde de uma tropa.

DE UM TRATADO DE GUERRA PUERIL
  1. Toda e qualquer desavença poderá ser a causa do estado de beligerância. (1)
  2. As armas permitidas serão as atiradeiras. (2) O uso de outros instrumentos de combate será considerado um procedimento aético.
  3. A munição necessária para a refrega será suprida pelas carrapateiras que existem nos terrenos baldios do bairro.
  4. No calor da contenda serão toleradas as referências desabonadoras às mães dos combatentes.
  5. Não existirá a figura do prisioneiro de guerra. Todos terão que lutar até o fim.
  6. As partes beligerantes acordam suspender o combate um pouco antes da hora do jantar. (3)T
(1) Inspirado no Tratado de Guerra dos Adultos
(2) Sinônimos: bodoques, estilingues, baladeiras.
(3) Para recomeçar tudo no dia seguinte.

A vantagem era que "ninguém matava, ninguém morria".

sexta-feira, 2 de março de 2012

CAPICUAS

A capicua (palavra de origem catalã: "cap i cua", cabeça e cauda) é um conjunto de números cujo reverso é ele próprio. É um tipo de palíndromo numérico ou palíndromo da matemática. Alguns exemplos: 11, 123, 23432 e 3456543.
Uma técnica de obtenção de um capicua é pegar-se um determinado número, inverter a ordem de seus dígitos e somar o número obtido ao número original, obtendo-se um novo número e repetindo-se este processo até chegar a um número capicua. Exemplo: tendo-se 84, invertendo-se, obtém-se 48; 84+48=132; e 132+231=363.
Os palíndromos numéricos com datas são mais interessantes. Em 11/02/2011, ocorreu um destes. E hoje, 21/02/2012, está ocorrendo outro.
No entanto, encontrar uma simetria  que inclua horas e minutos em uma data é bem mais difícil. No milênio passado, ocorreu uma às 11h11 de 11 de Novembro do ano 1111, formando a sequência 11h11 11/11/1111. Outra ocorreu às 20h02 no dia 20 de fevereiro de 2002, formando a sequência 20h02 20/02/2002. E a próxima vez será somente às 21h12 de 21 de dezembro de 2112, que formará a sequência 21h12 21/12/2112.
No dominó, a pedra que pode finalizar o jogo, de um lado ou de outro, é também chamada de capicua (segundo o Aurélio).

"Capicuas" integra com "Anagramas" e "Palíndromos" uma espécie de trilogia de textos correlacionados, que foram iniciados na década de 1980 e só agora concluídos. A estes, pode se acrescentar um quarto texto, "Escrevendo com números", já publicado na mídia impressa ("A Ferragista" e "Opinião do Leitor") e no Preblog.