sexta-feira, 18 de maio de 2012

BAIXARIAS

Baixo no tipo físico e, como se isso não fosse bastante, fui um dos baixos do Coral Universitário em 1971.
Sob a regência do maestro Orlando, nos reuníamos aos sábados, à tarde, no Conservatório Alberto Nepomuceno. E ensaiávamos peças folclóricas e do cancioneiro popular, enquanto esperávamos o dia em que iríamos conquistar o público.
Era 1971: o ano do meu internato na Faculdade de Medicina! Atividades nos dois turnos, rodízio nas várias clínica e plantões. Além disso, responsabilidades extracurriculares em dois hospitais da cidade. Parecia improvável que, com tantos compromissos, eu pudesse ainda participar de um coral. Mas... aquelas tardes de sábado eram a oportunidade que eu tinha para espairecer. Ao lado de grandes amigos, como o engenheiro Osternes (irmão do compositor Brandão), o odontólogo Ivan Meira e o veterinário Wilson Ramos.
Antes dos ensaios com o maestro Orlando Leite, éramos separados em grupos. Baixos, tenores, contraltos e sopranos, os chamados quatro naipes do coral. E cada grupo, por sua vez, recebia a orientação de um monitor, em geral um aluno do curso superior de Música. Sabendo ler partitura, o monitor era quem nos passava a nossa parte nos arranjos musicais. E nós a aprendíamos de ouvido.
As vesperais findavam com os naipes do coral reunidos sob a regência do maestro Orlando. Ficava, modéstia à parte, aquela coisa belíssima. Ouvissem, por exemplo, a canção "Eu não existo sem você", de Tom e Vinicius, em que nós, os baixos, cantávamos:: "sei, eu sei, a vida assim, que nada levará de mim". Pronunciávamos apenas as sílabas que correspondiam às notas graves do arranjo. Uma moleza, reconheço.
Era comum algum participante do coral levar um amigo para testes. Os requisitos eram poucos: boa vontade e ser universitário; não era exigido conhecimentos de teoria musical. Uma vez admitido, tinha de ser assíduo. Wilson, por exemplo, foi levado por mim. Alto e espigado, Wilson deu a impressão inicial a Elói de que viera ao mundo para ser tenor. Elói era o monitor encarregado naquele dia de fazer a avaliação. Ele teclou ao piano uma nota bem aguda, que Wilson, a voz gravíssima, tentou reproduzir. Aquela nota, solfejada por Wilson, o bom Elói só foi encontrá-la a oitavas de distância. Apesar do jeitão, o amigo era outro baixo!
Os baixos ensaiávamos numa sala do pavimento superior do Conservatório. Terezinha, nossa monitora, para pegar a afinação do lá, descia até o térreo onde ficavam os pianos. Não tinha o chamado ouvido absoluto, o que não era nenhum desdouro (ouvido absoluto é um dom). Agora, por que não carregava consigo o simplérrimo apito de lá, de modo a evitar tantas e incessantes incursões ao piano, é isso até hoje  um mistério para mim.
Numa ocasião, tentávamos cantar as notas de uma música que já constava de nosso repertório, e nunca a tínhamos achado tão difícil. Até que um dos baixos protestou: "Nesse tom eu só sei roncar". Desconfiada de que algo estava errado, Terezinha correu à sala do piano para conferir a afinação e de onde voltou esbaforida. Pois não é que o "baixinho" tinha razão. Na subida anterior pela escada, "o lá tinha descido um pouco", foi assim que ela se justificou para nós.

Um comentário:

Paulo Gurgel disse...

Ivan Fontenele Meira postou no Facebook:
Quanta saudade, você machucou a banda que me resta do coração. Continuei a praticar canto coral até recentemente no coral do TSI do Sesc Fortaleza e no coral da Academia Cearense de Odontologia. Relembrar nossos passeios com o violão ao lado, do Breno no órgão da igreja e participando do coral da Igreja, ver a casa do Wilson Ramos do mesmo jeito sempre que passo na rua que ainda hoje moram minhas irmãs, tudo isto faz lembrar a juventude que tivemos oportunidade de compartilhar na praça de Otávio Bonfim e o quanto isto nos enriqueceu e a que ponto chegamos. Até um presidente do STM saiu desta vizinhança Brigadeiro Francisco José Parente Camelo 2023_2025. Tenho ainda guardadas muitas pastas com partituras ainda desta rica era. Quando morava em Ipueiras tive a oportunidade de conviver com um outro coralista desta época Padre Eliesio dos Santos , Geógrafo que tornou-se padre na Diocese de Crateus e que foi uma grande surpresa quando nos encontramos. O canto e a música continuam presentes em minha vida.