quarta-feira, 30 de abril de 2014

O ESPÍRITO DA ESCADA

Em questão de poucos minutos uma expressão me foi apresentada duas vezes. Ela estivera a vida inteira escondida dos meus sentidos e aí, clique, revelou-se a mim em toda a plenitude.
Trata-se de l'esprit de l'escalier, uma expressão francesa. Aplicável àquelas situações em que alguém, agredido verbalmente, não dá uma resposta à altura. E o que deveria ter sido a boa resposta só lhe vem à mente algum tempo depois... quando já está "descendo a escada". Coisa de l'esprit de l'escalier.
Aston R., em artigo no Crooked.com intitulado The 10 Coolest Foreign Words The English Language Needs, inclui a expressão francesa.
Aí, ao clicar o mouse, torno a encontrá-la numa crônica do Veríssimo: Ah, é, é? A frase que muitas vezes é pronunciada enquanto não chega a resposta devastadora. Pois nem todo mundo é profissional da resposta pronta como os repentistas. Que retrucam não só no ato como também rimado.
E, para Veríssimo, essa "insuficiência na retaliação verbal" inclui os humoristas. Já que eles, zelando pela reputação, têm de revisar e burilar as frases que vão usar em suas respostas. E isso no exíguo tempo de uma ou duas semanas.
Original: EM, 08/06/2009

quarta-feira, 23 de abril de 2014

UM SANTEIRO CEARENSE

O Brasil, com a fama de "maior país cristão do mundo", não tem um cartel de santos à altura deste título. Vai ver que a Igreja marcou mesmo o Brasil. E, por por conta disso, em se tratando de dar reconhecimento a um santo brasileiro, ela tem sido tão profundamente exigente.
No caso do Brasil, o funil da canonização usado pelo Vaticano apresenta o mais estreito dos bicos. Deixa passar muito pouco. O São Frei Galvão, a Santa Madre Paulina (que nem brasileira é e já foi comparada ao tenista Fernando Meligeni) e... quem mais?
Acredito haver pesado nisso o termos sido sempre tão mal contemplados na indicação do Advogado do Diabo. Dentre as autoridades eclesiásticas disponíveis, só velho ranzinza, mal-humorado e neurastênico é que a Cúria designa para apreciar processo de santo brasileiro. O resultado é que logo aparecem as fortíssimas objeções aos milagres do nosso candidato a santo.
Isto posto, devo dizer agora por que admiro o artista plástico Tarcísio Afonso Garcia. Dá-se principalmente quando releio uma antiga reportagem de jornal em que ele aparece descrevendo a sua busca pessoal pelos santos brasileiros. Levado por uma voz exterior (vox populi) que o fazia suspeitar da existência deles - Tarcísio foi encontrando-os, um a um.
É, assim, graças a ele, que o Brasil tem agora uma hagiologia de fazer inveja à Itália.
Ele chegou a essas descobertas por ele mesmo, acumulando as funções de folclorista com a de Advocatus Dei. Depois de ter dispensado os "préstimos" do Advocatus Diaboli. Aliás, quem está a serviço do belzebu, bode-preto, capiroto, maligno, tinhoso et caterva não pode ser lá grande coisa. Camufla-se de um título em latim para cometer os piores crimes de lesa-santidade.
Eis os santos brasileiros que Tarcísio encontrou:
Santo do Pau Oco, São Nunca, Santa Paciência, Santa Ignorância, Santo de Casa, Santo Remédio, Santo Dia, Santo de Barro, Todo Santo e Santa Briguilina das Pernas Finas.
Findo esse importante levantamento hagiológico, o grande desenhista de Otávio Bonfim deu o passo seguinte: criar as imagens para os santos encontrados. Sem elas, o seu trabalho ficaria incompleto e os santos nem sequer seriam venerados pelo povo brasileiro.
Serão mostradas amanhã. Reze para que dê certo.
Original: EM, 19/11/2008
DEZ "SANTOS" BRASILEIROS
Promessa com santo é para ser cumprida. Que dirá com vários?
Original: EM, 20/11/2008

quarta-feira, 16 de abril de 2014

FRASES DO BART E UMA MENSAGEM A ELE

Frases do Bart
No início de cada episódio dos Simpsons, o garoto Bart aparece escrevendo alguma frase repetidamente em uma lousa.
Eis várias das que ele já escreveu, com a tradução para o português:
01. "Bart Bucks" are not legal tender. "Dólares Bart" não têm valor legal.
02. I will not defame New Orleans. Não vou difamar Nova Orleans.
03. I am not authorized to fire substitute teachers. Não estou autorizado a demitir professores substitutos.
04. Organ Transplants are best left to professionals Organ. Transplantes de órgãos são assunto para profissionais.
05. I will not trade pants with others. Não trocarei as calças com os outros.
06. I am not a dentist. Eu não sou um dentista.
07. No one is interested in my underpants. Ninguém está interessado em minhas cuecas.
08. I will not call the Principal "Spud-Head'. Não vou chamar o Diretor de "Cabeça-de-Batata".
09. I will not eat things for money. Não vou comer coisas por dinheiro.
10. A burp is not an answer. Um arroto não é uma resposta.
Eu já havia encerrado a seleção quando Bart escreveu a frase a seguir:

Original: EM, 03/10/2008
Mensagem ao Bart
Dear Bart,
Confesso que me senti lisonjeado em saber de seu desejo de aprender português para ler o Blog do PG.
Porque sei que você poderia usar um desses tradutores automáticos à solta na internet. No entanto, não o faz. E assegura que vai beber do meu blog no olho d'água original.
Traduzir é trair, como diz uma máxima, por sinal traduzida.
Assim, seguindo os passos do Brazilianist Mangabeira Unger, você tomou a decisão de aprender português. E não a tomou de uma forma irrefletida. Haja vista que a escreveu, com a sua letra inconfundível, em sua lousa aí em Springfield - e bem repetidamente!
Pois, garoto Bart, se continua firme nesse tão digno propósito, a hora é esta! O português, aqui no Brasil, acaba de aderir a uma reforma ortográfica que o deixa mais simples. Escoimado, graças a ela, em muitos de seus hífens e acentos. E, no caso do trema, simplesmente foi passado o apagador.
Além disso, a inculta e bela não vai mais exigir que algumas letras estrangeiras apresentem seus passaportes. O K, o W e o Y, o que, imagino eu, deve ser do seu inteiro agrado.
Lembro-me agora do falecido professor Kyw, que me ensinou português no ciclo ginasial. Purista ao extremo, ele não aprovaria uma reforma ortográfica com tal abrangência. Que se dane, pois, o ranzinza do Kyw! Remexer-se na tumba é que ele não vai mesmo. A essas horas, e não tendo mais um músculo para alavancar o velho esqueleto...
Por isso, fiquemos tranqüilos, Bart. Aliás, tranquilos
Yours,
Dr. Paulo
Original: EM, 04/10/2008

quarta-feira, 9 de abril de 2014

MICROLITERATURA

A chamada microliteratura vem ganhando espaço (apesar de usá-lo tão pouco) nesses tempos tecnológicos. Associada, muitas vezes, às idéias do minimalismo.
Nela estão o microconto, o micropoema, o haikai e outras produções literárias assemelhadas.
No caso do microconto, costuma-se limitá-lo a um teto de 150 caracteres. A concisão, no entanto, não é a única característica do microconto. Este, mais do que mostrar, deve sugerir. Cabendo ao leitor a tarefa de preencher - com a imaginação - as "elipses narrativas" do microconto.
Estabelecer um limite de 150 caracteres permite, por exemplo, o microconto ser enviado como "torpedo" por um telefone celular, o que em si já evidencia a sua ligação com as novas tecnologias de informação e comunicação.
Um variante do microconto é o nanoconto, do qual se exige um máximo de 50 letras. Como este, a seguir, escrito pelo guatelmateco Augusto Monterroso, que tem apenas 37 letras:


Quando acordou o dinossauro ainda estava lá.

Publico-o acompanhado de minha microcrítica: gostei.

Desenho de Murilo Silva
Original: EM, 29/09/2008

quarta-feira, 2 de abril de 2014

O VIRUNDUM

O compositor Belchior, em sua última apresentação no programa do Jô Soares, andou muito cauteloso. Ao pronunciar as palavras "um analista amigo meu", quando "dava uma palinha" de sua música "Divina Comédia Humana", foi aquele esmero de empostação. A ponto de receber do apresentador do "Onze e Meia" os mais rasgados elogios (entre risos).
Ao apurar a sua pronúncia em “um analista amigo meu”, Belchior tentava evitar a ocorrência de um virundum. Um certo mal entendido (você sabe de qual estou falando) que esta expressão costuma suscitar. À maneira do que também acontece com a expressão "mas você que ama o passado (MAL-PASSADO)", em "Como nossos pais", que é outra música dele.
O virundum é um neologismo para palavras, expressões ou frases que, escutadas numa música, induzem os ouvintes a entender coisas diferentes (muitas vezes, jocosas). Aliás, o termo nem é tão "neo" assim, pois dizem que foi criado pelo jornalista Paulo Francis, na época do Pasquim. Inspirado que foi no primeiro verso (O VIRUNDUM Ipiranga) do Hino Nacional, cuja letra é hors-concours nisso (do que terra MARGARIDA, verás que um FILISTEU não foge à luta etc).
O Hino da Independência, com o seu JAPONÊS TEM QUATRO FILHOS, é outro que apresenta o seu virundum.
Mas o melhor deles, a meu ver, está numa canção popular que faz referência a B.B. King, o lendário cantor e instrumentista de blues. Na passagem em que a citação de uma vitrola “tocando B. B. King sem parar” é confundida (por quem nunca ouviu falar no rei do blues) com... TROCANDO DE BIQUINI SEM PARAR.
Original: EM, 27/09/2008

A Espanha não quer o virundum
A notória dificuldade que o brasileiro tem de memorizar a letra do Hino Nacional poderia ter uma solução definitiva. Se tirássemos algum proveito daquilo que foi a experiência espanhola.
Com origem na "Marcha Granadera", de 1770 e cujo autor é desconhecido, El Himno Nacional de España jamais deixou o espanhol em situação vexatória.Não tem letra.
Nos 240 anos de existência desse hino, súditos que foram tomados de ardor cívico até tentaram pôr letras nele. Em vão escreveram. Nenhuma delas teve aceitação popular, nenhuma foi oficializada pelo governo espanhol.
porquenohoy.blogspot.com
E a Espanha não é atualmente o único país com... hino-sem-letra. Tem a companhia de San Marino e da Bosnia-Herzegovina nessa questão.
Original: EM: 21/02/2011