quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

A CPI DA PIZZA

São tantas as irregularidades relacionadas com o famoso prato que urge a instalação de uma CPI. Para averiguar até onde, no rol das denúncias surgidas, alguma tem fundamento. A começar de que estaria, depois de tantos anos no Brasil, ainda resistindo ao aportuguesamento do nome. Se bem que a grafia "píteça", como alguém já sugeriu, não seja muito de encorajar a mudança. É sensaborona, com risco de transmitir o indesejável atributo ao prato que pretende designar.
Só flancos, atacam a pizza de todos os lados. Ajudados pelo fato de ela já chegar cortada à mesa de refeição. Agora, por que a dividem em pedaços desiguais, se isso só serve para privilegiar os comensais mais rápidos? Bem, aplicar a lei de Gerson é preciso, pode ser a resposta.
Quem come escargot e caviar é gastrônomo, e quem come pizza? Diz-se que não passa de um reles comedor, equiparado ao farofeiro de praia (cujo nível é o do mar, claro). Pois não há sofisticação alguma em se pedir uma quatro-queijos, besuntá-la de mostarda e ketchup e, na sequência, perpetrar o pior: fazê-la descer, goela abaixo, na companhia de uma coca-cola.
A propósito, como explicar também o não aparecimento, até hoje, de uma pizza na versão "diet"?
É lastimável que o Instituto do Peso e Duas Medidas se mantenha omisso em assunto de sua competência. E não tenha dado a palavra final sobre o tamanho dos discos. Sabendo que estes, deixados ao alvedrio dos donos das pizzarias, tendem ao gradual encolhimento. De sorte (?) a acontecer o seguinte: "gigante" virando "brotinho", "brotinho" virando... canapé - sem que se detecte o menor remorso neles! Enquanto nós, os come-pizzas, espichamos o dinheiro.
A entrega domiciliar é um caso (de polícia) à parte. Não poucas vezes, a pizza vem gelada e a cerveja, quente. Se é isso em obediência à lei da compensação, ora, dispensamos o cumprimento da referida lei. Como também pedimos que, haja o que houver, não vá o entregador além da pizza. Significando isto resistir à provocação de mulher que, na ausência do marido, entende de priorizar o sexo sobre o estômago.
Por essa e anteriores, bem que o mafioso prato está a merecer uma CPI. Mas, se possível, que não acabe em pizza.

Crônica publicada, em 05/04/94, na seção Cartas, do jornal Diário do Nordeste e, em 17/04/94, no Jornal do Leitor, de O Povo.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

REI MORTO, REI POSTO - 2

Hoje se escolhemos os governantes pelo voto é aos gregos que devemos tal prática. Se bem que, no caso do Brasil, o ambiente seja convidativo a se aplicar outra opção. Sabem aquele jogo em que as pessoas formam um círculo em torno de uma garrafa? A qual é posta a girar para que, ao final do movimento, aponte alguém na roda? Eureka, eis aí um novo método de como escolher o presidente da República! Com os candidatos ao cargo, divididos em grupos, e se submetendo ao "veredito" da garrafa. Pensando bem, no caso nacional, a garrafa poderia também ser substituída por um abacaxi.
A verdade é que, quando votamos, nós assinamos uma espécie de cheque em branco. O que o portador vai fazer depois com o cheque só Deus sabe. E o governante que, em princípio, deveria governar em função dos interesses da maioria nem sempre o faz. Começam as dificuldades pelas formas divergentes quanto ao momento certo de partir o bolo (PIB). Uns acham que o bolo deve primeiro crescer para depois ser repartido, enquanto outros... que o bolo deve ser repartido já! Para não dar bolo nem bololô. Mas... o que deixa no ar esta pergunta: quem parte e reparte deve ficar com a melhor parte? E, mais, est'outra: quem parte e reparte e não fica com a melhor parte é tolo ou não entende dar arte?
Que votemos, tudo bem. Mas parece que o [X] da questão está em controlar o que acontece depois. Os atenienses sabiam-no como. Ao escreverem em peças de barro cozido, com forma de ostra (daí haver surgido o termo ostracismo), o nome do cidadão a ser desterrado. No entanto, por nos acharmos na era da tecnologia, alguém já sugeriu outro método. Implantar no peito do líder, à maneira de um marca-passo cardíaco, um artefato que pudesse implodi-lo - quando esse fosse o desejo dos liderados. Assim, para tanto, cada cidadão disporia de um botão detonador que, em período de insatisfação com o desempenho do líder, pudesse então ser apertado. Aí, quando a soma desses insatisfações alcançasse os cinquenta por cento mais um, o líder seria mandado para o beleléu.
(Na espera do governante seguinte, veríamos na televisão o Carlinhos do Bom-Bril. A limpar o trono com uma esponja de aço Assolan e a recomendar, através de seus trejeitos, juízo ao povo brasileiro.)
Pois bem, mas até que o IBGE nos informe o verdadeiro número de sádicos que existe no país, convém sobrestarmos o tão engenhoso método.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

REI MORTO, REI POSTO - 1

Que o rei não ignore o terrível fato! O que existe, acima de sua cabeça, uma espada - de Dâmocles! - que, sustentada por um mísero fio, mui perigosamente está a pender. Como se fora uma ameaça mortal àquele que está a ocupar o trono. Pois, a qualquer momento, o frágil fio pode romper-se e... fim do ocupante do trono! É claro que, com algum acautelamento por parte dele, pode ir-se a coroa mas ficar a cabeça, o que é razoável. Quando a cabeça coroada tem alguma sensibilidade para identificar o instante imediatamente antes ao de romper o fio.
Com inspeções periódicas das condições em que se encontra o tecido social, eis a astúcia devidamente explicada.
Dizia Napoleão que com uma espada se pode fazer tudo... menos sentar nela. Se o que se busca é conforto, acrescento. Sobre Dâmocles, porém, o que eu tenho a dizer, neste momento, a meus atilados leitores? O seguinte: ele era um cortesão que vivia a bajular um tirano de Siracusa, chamado Dionísio, o Velho. Até que este, certa vez, aborrecido com tanto puxa-saquismo e babação, fez Dâmocles sentar no trono de Siracusa. Depois de haver colocado, acima do mesmo, uma espada nas condições descritas no parágrafo inicial. A fim de que o bajulador, expondo-se ao risco de morrer, entendesse de uma vez por todas o que eram as incertezas e as inquietações do poder.
De saída, por ser impossível agradar a todos os súditos. A exemplo, lembremo-nos do caso da garotinha que, depois de ter o pai, a mãe e os irmãos comidos pelo tigre, ainda assim se recusava a abandonar a aldeia natal. Porque "na cidade, lá está o rei...". Pois é, ser governante (sustentado a imposto etecétera e tal) está cada vez mais em baixa no conceito que lhe dão os governados. E, por isso, o rei que é esperto evita se desgastar com os comezinhos assuntos que os súditos lhe trazem. Ele simplesmente cede o assento real a um dos ministros (a fim de que este fique se maçando) e vai caçar raposa. Embora diga que vai caçar tigre.
Com um olho na caça(da) e outro no poder, é evidente. Para não chorar os dissabores por que passou Ricardo Coração-de-Leão.
Está nisso a esperteza: o rei deve reinar sem governar. Ser como o pássaro que não tem de bater as asas para provar ao reino animal a sua capacidade de voar.
Nos períodos sombrios, saber o rei que ainda poderá abrir três envelopes. Com três estratégicas instruções:
  1. onde se manda culpar o antecessor pela situação;
  2. onde se manda demitir um, vários ou todos os ministros;
  3. onde se manda renunciar após preparar três novos envelopes para o sucessor.
É tolo o soberano que, ao primeiro sinal de crise política, abre logo os três envelopes. Para que os problemas se confraternizem com as soluções é preciso levar algum tempo nessa empreitada. Nunca ser açodado. Porque, uma vez anunciada a renúncia, o passo seguinte será o ostracismo. Outrossim, tolo é o soberano do tipo protelador porque apresenta um grande apego ao poder. Pois a ele, além do destronamento, o destino pode-lhe estar reservando um fim trágico. Simplesmente por ele, em tempo hábil, não ter escolhido ir roçar nas ostras.

Data de publicação: 29/05/94

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

PALANQUE

Finalmente surgiu uma tese que absolve os políticos de uma das acusações que lhe são feitas. A de que prometem, numa campanha eleitoral, coisas que eles não vão cumprir após eleitos. Pois a tese em questão simplesmente lhes tira a responsabilidade sobre as coisas em vão prometidas e, no lugar deles, põe a culpa em algo "novo". Algo que, até há pouco tempo, ninguém sabia que tivesse essa propriedade de desnaturar os homens públicos. A ponto de torná-los levianos da palavra.
Este causador de tudo é o palanque.
Quando um candidato a um cargo eletivo estiver a prometer mundos e fundos seja tolerante com ele. É o palanque que o leva a tanto compromisso. Rede de água, calçamento, escola, hospital, linha de ônibus, creche... Ah, é o palanque. Tanto que bastar retirar o prometedor de cima do estrado para ver como ele se transforma. Fica incapaz de assumir um compromisso que, a seguir, não venha a honrá-lo, mesmo que isso seja inédito. Em suma, fica um Catão o nosso homem (epa!).
Há essa relação, de causa e efeito, entre o palanque e o que sai da boca do homem para só se concretizar no dia de... São Nunca! Se bem que a tese não explicite como o fenômeno exatamente ocorre. Apenas sugira que possa estar relacionado com a perda de contato, por parte do político, com a a mãe Terra - ainda que temporariamente. E que, por via de consequência, ficaria ele - à maneira do que um dia aconteceu a Anteu - grogue e enfraquecido. Quando nada, em seus princípios morais. E como daí para o falatório inconsequente a distância é quase nenhuma...
A propósito, Anteu era um personagem mitológico considerado invencível por conta da energia (epa!) que ele, através dos pés, absorvia da Terra. Até que, pugnando com ele, Hércules o suspendeu do chão, para "desligá-lo" de sua inesgotável fonte de energia, e assim o matou. Outro modo de ação não tem o palanque. Quando deixa o político, ainda que pelo curto tempo de um comício, distanciado do chão da realidade, a prometer o céu na Terra e o seu amor também. E, nesse tresvario todo, também não se ignore a influência a cargo da claque, da música e do foguetório.
É tão avassaladora essa ação do palanque sobre o ser humano que não se tem notícia de resistência natural ou adquirida. Tem mais: mesmo ao pouco imponente caixote de cerveja o homem é também muito sensível, caso suba num... Que ele então fica: palrador, verborrágico e discursivo. Enfim, um utópico de carteirinha! E sabem por qual razão? O afastamento do chão da realidade, embora menos do que quando é o palanque. Nada a ver, portanto, com a cerveja que o homem tenha consumido antes de subir no caixote.
Um (e)leitor arguto pode lembrar que os políticos se comportam do mesmo modo quando estão na rádio e na televisão. O que, por sinal, poderia comprometer a tese vertente. No entanto, convém explicar que um estúdio de rádio ou de televisão assemelha-se a uma gaiola de Faraday. Por isso, isola tão bem quanto um palanque (excetuando-se o caso do palanque do Partido da Juventude que, aqui em Fortaleza, uma vez chocou muita gente, os mais velhos devem estar lembrados). Daí, ao contrário de sofrer qualquer abalo com esse questionamento, a tese sai ainda mais fortalecida.
Vêm aí eleições. Desde já, fiquem todos sabendo que os políticos não terão culpa pelo Canaã que o Brasil não vai ser. Que tem de ser responsabilizado é o palanque, esse (c)réu inconfesso. E, num grau menor, o caixote de cerveja.

Agosto/1994 - Publicada no "JORNAL DO LEITOR"
30/07/94 - Publicada no "DN - CARTAS"
Dezembro/1989 - Publicada no "JAMB"
15/07/89 - Publicada no "POVO CULTURA".

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

ANIVERSÁRIO

Hoje recebo o meu salário, o meu exíguo salário com o qual eu tento não ser defenestrado da classe média. E saio a ver as vitrines em busca de um presente que reafirme o meu amor por ti. É que hoje, minha querida, é o dia de teu aniversário. Mas... está tudo tão caro, tão inacessível a meu bolso, tão... E não dá mesmo para comprar no crediário, os juros estão escorchantes, proibitivos.
Sabes de uma coisa? Presentes são futilidades! Muitas vezes, são eles dados em total desacordo com a personalidade de quem os recebe. Noutras, apenas para preencher uma falsa necessidade que a sociedade de consumo criou. Então, ao invés de te oferecer um mimo cujo desfrute logo acaba, eis-me a te presentear com dinheiro. Sim, com dinheiro que é o modo de não me equivocar jamais.
O fato é que outra vez aniversarias, minha cara. Para a minha indizível felicidade (pois o que é a felicidade senão a soma desses momentos em que te procuro?). Ah, acima do bem e do mal, está o teu regaço amigo, onde encontro proteção contra a dissipação e a esbórnia. Sem que eu, na grande conta em que te tenho, haja um instante sequer chegado a teus limites.
Em ti deposito todas as minhas expectativas. Porque sei que serão depois confirmadas no saldo de nossa amizade. E tudo que te modifica me interessa. És leve, gentil, intimorata. És frasco - ouso fazer a presente comparação - a encerrar o mais ambicionado dos extratos. E, ainda, louvo a tua lealdade e correção, ó aplicada companheira destes tempos difíceis!
Feliz aniversário, minha caderneta de poupança.

Publicado no Diário do Nordeste em 08/03/90