sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

E SILVIO SANTOS NÃO VEIO AÍ...

No início do ano, quando ventos favoráveis impulsionavam sua candidatura Silvio Santos a retirou. Disfonia, o motivo alegado. No entanto, a duas semanas do pleito presidencial, o acionista majoritário do SBT, com a voz bem empostada, anunciou o interesse de de reapresentá-la. Aduzindo que agora contava com um time de assessores de primeira, o que não acontecia antes. Essa importância de ter uma boa assessoria, como Silvio Santos inclusive reconheceu, seria para compensar a sua inexperiência em política, administração pública, coisa e tal.
Nesse afã, o apresentador de TV se cercou de alguns pefelistas notoriamente ligados ao Planalto. Lobão, Hugo Napoleão, Gadelha e outros que viram em Silvio Santos uma oportunidade de ouro, quer dizer, uma tábua de salvação. Já que o barco Aureliano Chaves fazia água por todos os lados. E Silvio e os pefelistas, com estes posando de assessores políticos, se lançaram à tarefa de criar uma candidatura de última hora. Contando, numa avaliação inicial, com a desistência do ex-transatlântico Aureliano.
Mas, isto não ocorrendo, foram à cata de uma sigla de aluguel. Encontraram uma boa acolhida no PMB, o balcão de negócios do pastor Armando Corrêa, que renunciou em favor de Silvio Santos, depois de acertados os detalhes da operação. O apresentador voltou então a aparecer nas pesquisas de intenção de votos, embora já houvesse apresentado desempenho melhor. Em verdade, o seu nome não aprecia: o eleitor assinalaria Armando Corrêa para votar em Silvio Santos, aliás, Senor Abravanel (o Senor é meu pastor, nada me faltará), aliás...
O que Silvio não esperava: o PMB de Armando Corrêa não passava de uma autêntica arapuca evangélico-partidária. Por isso, em uma sessão memorável do TSE, o pequeno partido foi julgado em situação irregular, e assim inviabilizou a candidatura do apresentador. E a paz relativa voltou à campanha política. Com a vantagem de que o eleitorado, nos dias seguintes, andou livre do feioso microcandidato, sua ego trip e seus projetos de salvação nacional.
Mas, como Silvio Santos não veio aí, perdemos a chance de ver o Brasil sob sua presidência. A seu jeito, algo mais ou menos assim:
Tudo por dinheiro - O slogan do governo SS, bem diferente do farisaismo e da hipocrisia do "tudo pelo social" do governo anterior.
Cidade x cidade - A acirrada disputa de 4.500 municípios para aumentar a fatia de participação nas verbas federais.
Namoro na TV - Entre o capital e o trabalho.
Roletrando - Um programa de erradicação dos fanhos pela terapia de choque.
Quanto a Porta da esperança, Show de calouros, Isto é incrível e Qual é a música?... bem, deixo à imaginação dos leitores.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

A POESIA É NECESSÁRIA

É-me necessária (preciso particularizar).
Em pequeno, ouvi a mãe cantar uma balada metafísica. O começo, talvez.
Ou foi quando o pai compôs uns versos de pé-quebrado?
Ele ainda tem aquele calo ósseo, mas como dói.
Minha estreia: "Ode a 29 de Fevereiro".
Todo poeta é bissexto até que prove o contrário.
E como é fácil prová-lo!
De herói infante a hierofante. Todo mundo é bom, todo mundo evolui.
Aprendi que para poetar existe o sublime e o prosaico.
O sublime, ah, o sublime, é supimpa!
Enquanto o prosaico às vezes pede uma limpa.
E um epigrama vale o quanto pesa?
Um dia, fiquei sem fôlego para recitar um alexandrino. Fui - solução lógica - a um otorrino.
"Fosse ao campo das lobélias", ele foi peremptório.
Um récipe é um récipe é um récipe, e pronto!
Os poetas não se dão bem, dizem, mas eu já morei com um espécime.
De paredes-meias, graças a Deus.
Ele era alvar, refinado como o açúcar e praticava a vivissecção.
Ensinou-me a fazer albas para o anoitecer.
Porém, era um derruído. E, felizmente, sua casa também ruiu.
E daquele cone de sombra restou o meu gosto pelos eclipses.
Lua, lua moondana.
Por ocasião do lançamento de minha "Ode a 13 de Agosto", recebi a tão aguardada carteira de poeta oficial.
E resguardei-me da crítica insensata numa gaiola de Faraday.
Poeta federal, hein, com direito a tirar ouro do nariz.
Em caso de distanásia, asseguro uma imorredoura pensão a Paulo Gurgel Sênior, meu pai.
De um discurso sobre o método: o contrasenso é sempre mal d/ivid/id/o.
Não sou frequentado por pesadelos, não sou K.fk.
Eu sou (danem-se, irmãozinhos) a um só tempo crispação e serenidade.
E viva a poesia-imprecação porque fere os tíímpanos.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

ERA

... uma mulher tão ciumenta que obrigou o marido a dispensar a secretária eletrônica.
... um gajo (não confundir com gago) tão repetitivo que só presenteava a namorada com rosas rosas.
... um futurólogo tão desatualizado que só predizia fatos passados.
... um tipo tão expansivo que se regia pela Lei dos Gases.
... uma moça tão econômica que não usava perfume quando a "tchurma" estava gripada.
... um cidadão tão desastrado que vivia tropeçando no anjo da guarda.
... um polemista tão radical que tudo quanto escrevia começava a partir da tréplica.
... um cara tão saudosista que seu relógio só marcava outr'ora.
... um empresário com tantos títulos que mais um protestado nem fazia diferença.
... uma dona tão infiel, supercheio de amantes o seu guarda-roupas.
... um homenzinho tão feio que não dava trabalho ao maquiador para representar o Corcunda de Notre Dame.
... um milionário tão mesquinho que ao morrer deixou toda a sua fortuna para as obras misantrópicas.
... um sujeito tão bronco do qual se dizia: analfabeto de pai, mãe e ama-seca.

Publicado no Informativo A Ferragista n.º 86, de outubro de 1986

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

PIADAS DE CRUZAMENTOS

Ainda valem as piadas de cruzamentos tais como: "Cruzou um periscópio com uma cabra e conseguiu um bode expiatório"?
Então, tá.
  • Cruzou um espanador com um balão meteorológico e obteve um condor.
  • Cruzou o vento fresco com a mata virgem e nasceu essa bichinha aí.
  • Cruzou um + com um x e obteve um asterisco.
  • Cruzou uma fita cassete com uma caneta esferográfica e criou uma fita que rebobina sozinha. (*)
  • Cruzou um papagaio com uma paca e obteve um pássaro que fala paca.
  • Cruzou um elefante com uma anta e conseguiu uma elefanta com a tromba "M".
  • Cruzou a Ipiranga com a Avenida São João e alguma coisa aconteceu em seu coração.
(*) Resultado compreensível para os leitores de minha geração.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

PILEQUES E PILHÉRIAS

Quando o hollywoodiano Humphrey Bogart disse que "a humanidade estava duas doses abaixo do normal", consideraram o assunto encerrado em matéria de tiradas. Não mesmo: alguém, na maior cearensidade, tempos depois levantou o copo, dizendo: o trago é o que tira o travo da vida.
Esse alguém foi Pingaleão, um tipo inesquecível como um logotipo que, se não houvesse sido despejado deste mundo, capacidade de sobra teria para entornar o Proálcool. Ah, como o ar, era-lhe essencial o bar!...
Um recuo à infância. Diferente das outras crianças, Pingaleão não tinha o hábito de comer barro. Preferia lamber cortiças de tampinhas, notadamente as que trescalavam algum odor etílico. E, delas para as espirituosas, foram apenas dois passos, digamos, cambaleantes.
Dentre seus hábitos mais bebe-e-comezinhos constavam: dar preferência aos postes totalmente parados "para fazer água"; dormir com o pé direito plantado no chão "para fazer terra"; e tantos outros, embora de menor lucidez.
Já no plano cultural, sua grande ambição - nunca escamoteou! - era avistar-se com o sociólogo Gilberto Freyre a fim de extorquir do autor de "Casa Grande e Sem Sala" a secreta receita do licor de pitanga. Nunca teve a sorte, o órfão de anjo da guarda!
Uma vez, quando dormia em praça pública, à moda de Noé sob a videira, furtaram-lhe a Cremilda, sua dentadura de estimação avaliada em seis milhões de dólares ugandenses. Outra, foi expulso de um bar por um garçom que não concordou, o carola, com ser Genésio o autor do Sermão da Montanha Russa. Pingaleão e o gênero humano: que decepção recíproca!
Ainda havia o chefe. Além dos diabinhos do delirium tremens, havia o chefe do emprego, fosse qual fosse, sempre o perseguindo. Como o da meteorologia, por exemplo, que o despediu só porque ele redigiu um boletim que começava com "o dia hoje será colonial".
Que o fígado faz mal ao álcool (apud Millôr) todo mundo sabe, mas não foi por isso que morreu Pingaleão. Homem nunca de meias doses, numa terça-feira de carnaval, ao ouvir um "talvez" de uma colombina, ele resolveu se matar. E enforcou-se numa serpentina de salão.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

PC FUJÃO

Não há dúvida de que existe um clamor nacional para colocar o PC Fujão atrás das grades. E uma grande corrente tem-se formado com a intenção de vê-lo... acorrentado, digamos assim. No entanto, o famigerado PC (que de politicamente correto apresenta só as iniciais) continua solto em algum lugar do território nacional. A dormir o sono dos injustos, porém... sem roncar! Sim, depois daquele tratamento que ele fez na Espanha, sem roncar!
Quando afirmo que o PC se acha no Brasil, digo isso com convicção. Dez entre dez escroques, depois de praticados seus golpes, escolhem o nosso país para aqui viver à tripa forra. É o que a gente vê nos filmes e o PC não vai ser uma exceção à regra. O Brasil, para quem deve (e teme), reúne condições insuperáveis. Aqui, como alguém já disse, apenas as mulheres perdidas são facilmente achadas.
Todos os esforços da Polícia Federal têm sido até o momento infrutíferos. Acho que está na hora de entrar mais gente na jogada. Li algures que um cidadão comum, desprovido da estrela de xerife, pode dar voz de prisão a um maior infrator e conduzi-lo à delegacia mais próxima. É o meu caso (o de cidadão comum) mas, como não tenho formação jurídica, posso estar enganado.
Agora, se for verdade essa prerrogativa, a novela do PC Fujão pode se considerar encerrada. O meu "teje preso" para ele é só uma questão de tempo. O diabo é que esse tempo pode consumir séculos porque eu também não sei onde está o PC.
Brincadeira. Face à dificuldade de trancafiar na cela alguém da dimensão de um PC, eu me pergunto se não é hora de o braço da Lei melhorar o muque. Praticando em cima de corruptos mais fracos. Como o Caldo Magri, por exemplo, que só levou 30 mil dólares.
* * * * *
Toca o telefone no Ministério da Justiça. Alguém atende, diz "espere um pouco" e transfere a ligação para o ramal privativo do ministro. Antes, com a voz em surdina, avisa:
- É o PC outra vez.
Para se mostrar importante o ministro demora um pouco para atender. Organiza seus pensamentos. No íntimo, ele está preocupado com os detalhes da cela que abrigará o inimigo público nº. 1. Telefone, fax, TV em cores, videocassete, chuveiro elétrico... Nada pode faltar... Enfim, atende:
- É o ministro.
- Bom dia, ministro. Aqui é o Dr. Paulo César. Estou querendo saber se as minhas exigências vão ser atendidas.
- Sim, todas. Pode vir se entregar...
- Ainda não, ministro. Antes eu preciso saber se a cela tem vista para o mar?
- Em Brasília não é possível. Podemos providenciar uma no Rio...
- Ouça. Não discuto mais a cidade onde vou ficar. No contato anterior, chegamos a um acordo de que eu ficaria em Brasília, lembra?
- Claro. Mas é que construir um edifício por aqui com vista para o mar...
- Sim, qual é o problema?
- Leva tempo. Até lá os seus crimes podem estar prescritos...
- E daí?
- Como fica o clamor público?
- Ah, isso não é problema meu! Tchau.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

APANHEI-TE, DEPUTADO

Como gosto de um piano em Nazareth! Por isso, na expressão em epígrafe, estou a parodiar o título de um de seus famosos chorinhos, o "Apanhei-te, cavaquinho". Há quem afirme que Nazareth, com esse chorinho, pretendeu provar que o piano - o instrumento que tocava - batia em velocidade interpretativa o cavaquinho, um instrumento de grande aceitação pelos músicos da época. E há quem afirme que não. Baseado nas circunstâncias de que o chorinho, originariamente um polca, apresentava um andamento menos rápido e, também, porque fora composto em homenagem a Mário "Cavaquinho", grande amigo de Nazareth.
O meu "Apanhei-te...", porém, não é dedicado a um amigo em particular. Vai para os "deputados-pianistas", assim apelidados pela sem-cerimônia com que tocam os botões dos colegas ausentes em plenário. Tudo bem, se os botões acionados não fossem os tais que originam votos no painel eletrônico da Câmara. Eles, os tocadores, podem dar o maior cavaco diante do que vou dizer, mas Poder Legislativo, com "deputados-pianistas" ao contraponto, não cria leis harmoniosas. Fabrica, sim, leis mixes (questão de mixagem?) que ferem os ouvidos da maioria silenciosa (mas até quando?).
Os "deputados-pianistas", pelo menos os mais destacados, já eram conhecidos de outros recitais na Câmara. Por parte dos colegas não pianistas que, todavia, nunca o apontavam (contém-te, dedo!) à execração pública. Mas, um dia, acabou-se a ocultação. Indiscretas máquinas fotográficas deram este "flagra": sete parlamentares pilhados em botões alheios. Na maior volúpia, sete deputados foram vistos em botões alheios (e isto entendido fora do contexto ainda fica mais feio). Aí, diante do "Apanhei-te...", vieram as desculpas dos apanhados. Um deles, o Homero "Rubinstein", saiu-se com "estou cansado do samba de um botão só"; outro, o Fernando "Paderevski", com "o botão do vizinho é melhor do que o meu"; et caterva, com etc. Todos, enfim, tinham desculpas para os modos dúplice, tríplice... com que acionavam os botões e, por conseguinte, votavam.


Mas, a melhor justificativa foi a do deputado Albino "Pogolerich". Flagrado por um chargista, em voto quíntuplo (duas mãos, dois pés e o nariz em cinco botões), declarou ele que estava apenas praticando uma posição do Kama-sutra. Ora, o cara querer mostrar que é bom de Kama, em pleno plenário, é no mínimo faltar com o decoro que a Casa exige. Não, minha senhora, a Câmara Baixa nunca esteve tão. Nem em 1984, quando o "Gallup" mostrou o Congresso, do qual a Casa é parte integrante, em último lugar no ranking da incredibilidade nacional.
Credite-se apenas, em favor da Câmara, que sua Mesa Diretora tomou alguma providência. Fez aos "deputados-pianistas" uma advertência formal do tipo "e-nada-é-a-mesma-coisa". E debite-se, contra, que a Mesa, após ouvir a Comissão de Constituição (?) e Justiça (??), decidiu não anular a fraudulosa votação que aprovou um projeto de lei. "Ó tempora! O mores!" Bata, minha senhora, na madeira (da Mesa) três vezes. Quatro, não! Que a madeira é frágil, parece de aglomerado.
Eleitor, em 1986, ano de Assembleia Nacional Constituinte (ou do Congresso com poder constituinte, o que não é a mesma coisa), tomarei lá minhas providências. Votarei em candidato que jure fidelidade a seu botão e, mesmo assim, ficarei de olho neles (candidato e botão). A dúvida: conseguirá o olho humano ser mais rápido do que o dedo? Ciscos riscos sempre existirão. Dentre os quais o de surgir, em 1986 e adjacências, uma Constituição que... não tem nada a ver.
Ainda sobre os "deputados-pianistas". O país inteiro vê "Amadeus", e os "pianistas" estão em evidência. "Amadeus" é filme premiadíssimo, mostra a vida e a obra do gênio Mozart, enquanto os "pianistas" dão um filmeco, digno do pior circuito. E tomara que curto, o circuito. Aliás, o simples chamá-los de "pianistas" já soa fortíssimo, imerecido até. Tocadores de harmônica, com o perdão do pouco dotado instrumento, é o que eles são. E de harmônica de botão.

Publicado no "DN - Cartas" de 11 de julho de 1985
 e no "JAMB" de agosto de 1985.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

FANTASMAS

Antigamente, os fantasmas viviam assombrando as residências. Gemiam, arrastavam correntes e faziam uma sonoplastia infernal, tudo com a finalidade de atemorizar os moradores. E estes, por sua vez, passavam as noites em claro. Claro. Principalmente, quando os fantasmas - serem luminosos, proteiformes e avoaçantes - se davam à mostra para contatos imediatos do terceiro grau, como que coroando as suas sessões de assombração.
Feio costume, esse. Digamos que fosse da natureza de um fantasma atemorizar os viventes. Como é da índole do escorpião ferroar as baratas. Tem que fazer isso e pronto! Embora se possa identificar nesse comportamento de um fantasma os ressentimentos de uma vida humana pregressa. Do tempo em que flanava num corpinho de 20, quando foi inesperadamente jubilado por bala, facada ou porretada.
Uma lógica fácil de compreender. Agora, o que não dá para entender é o que vem acontecendo ultimamente. Numa espécie de perversão dos instintos, alguns fantasmas pararam de assustar as pessoas. E não apenas isso. Como trazem os jornais, passaram ao exercício de uma filantropia desbragada. Imagine você que dois deles, da escuderia do PC Farias, acabam de bancar a reforma e a decoração da casa da Zélia, no Morumbi, em São Paulo.
Com quanto esses fantasmas "morreram" para tocar essas obras na casa da Zélia? A troco de quê? E a cama da Zélia entrou no rol das coisas reformadas?
São perguntas que permanecem sem respostas.
E a cama foi aquela que a czarina da Economia botou na rua para o Bernardo sentar a pua?
* * * * *
Ao deixar o importante cargo que ocupava, Zélia manifestou um desejo: ter um filho no próximo ano. O que, salvo melhor juízo, não se consegue na espécie sem passar pela interessante experiência de uma gravidez.
Dei tratos à bola (nome sugestivo em se tratando do assunto) para imaginar como poderia ser essa gravidez de Zélia.
Antes de tudo, ela não aceitaria aplicações na poupança: são improdutivas. O aplicador, no caso, teria de fazer um investimento de risco. Para começar, um depósito de uns duzentos milhões de, digamos, ativos espermatozóides. Os quais seriam, pelo caráter inflacionário, logo bloqueados. Menos um que, após um período de nove meses, seria devolvido sob a forma de um filhote.
Sentir uma contração no meio circulante seria o primeiro sinal. Zélia se dirigiria a uma maternidade, onde uma ultrassonografia mostraria perda de liquidez. Então, os médicos realizariam uma cesariana na czarina...
* * * * *
Ele aprendeu o ofício de fazer rir; ela, de fazer chorar.
Ela administrou um orçamento de trilhões; ele, como professor de uma escolinha, tinha um salário, ó...
Ele, cabeça chata; ela, chata da cabeça aos pés, principalmente quando usa o "economês".
Ele, nordestino; ela, sem norte magnético e... sem destino.
Tiveram um filho - que, evidentemente, não se chamou Bernardo - e foram felizes para sempre. Se bem que estas últimas palavras, para o humorista de Maranguape, tenham o significado de um... vapt-vupt.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

GURGELZIM, HETERÓCLITO E JORGE

Não é um segredo trancado a sete chaves. Qualquer um que venha lendo os textos publicados no Preblog já se deparou com este trio: Gurgelzim, Heteróclito e Jorge. Eles não interagem, estão sempre em histórias exclusivas. Mas adotam padrões de comportamento que fazem suspeitar de que os três sejam um só personagem.
Se assim pensou, o leitor está certo.
Gurgelzim, Heteróclito e Jorge seriam também o próprio escritor, quando este quer tirar o foco de si mesmo?
Bem, fica difícil de negar essa possibilidade diante do nome com que foi batizado o primeiro.
Gurgelzim surgiu nos tempos do "Informativo a Ferragista". Apareceu em A RUA GURGELZIM, com a ideia fixa de virar nome de rua em Fortaleza. SOL, PRAIA E... AÇÃO, GURGELZIM E A ARTE DO DESENCONTRO, GURGELZIM E O COMETA HALLEY e GURGELZIM DA VIOLA foram as histórias seguintes com ele como protagonista.
Heteróclito (Clitinho) foi o nome com que ele ressurgiu em dois contos - HETERÓCLITO, SUAS CASAS DE PASTO e HETERÓCLITO, SEUS INIMIGOS - publicados em "MultiContos", uma antologia de contos premiados pelo BNB Clube.
Finalmente, reapareceu como Jorge George Bizarria. Em O LAR SINGULAR DE JORGE GEORGE, que foi publicado (sob outro título) num breve retorno do "Informativo A Ferragista" (1986), e, em JORGE, UM CEARENSE, uma "entrevista" que ele concedeu ao livro "Outras Criações" (1992). Já JORGE GEORGE EM RITMO DE DESVENTURA, em duas partes, e A FESTA DOS SÓSIAS são as conclusões de antigos rascunhos. Estão apenas no Preblog.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

A FESTA DOS SÓSIAS

Há algum tempo Jorge George vinha identificando pessoas que lembrassem fisicamente celebridades da política, do esporte e do "showbiz". Se, por exemplo, ele conhecia alguém parecido com o lutador Madzilla, tornava-se amigo do conhecido, de longa data, oferecendo-se inclusive para ser sparring - em troca de saber o endereço e o número do telefone.
Estes detalhes tinham a ver com uma festa de arromba que ele estava planejando. Uma festa à base de sósias, que colocaria Fortaleza no mapa dos grandes acontecimentos.
Nessa festa, cada sósia teria de atuar, falar, vestir-se etecétera e tal como se fosse o original. Para isso, ia receber cachê - além de participar de uma grande boca livre. O que, aliás, ficaria mais em conta para o anfitrião do que trazer o popstar propriamente dito, que, além de cobrar um cachê mais alto, resultaria em gastos adicionais com passagens aéreas, hotel e carro com motorista.
Daqui em diante, vou me referir aos sósias como se eles fossem as pessoas representadas. Fica mais objetiva a descrição dessa festa que, por sinal, não terminou bem.
Os convidados não cumpriram os termos pactuados. A começar por Jorginho Guincho que devia chegar de limusine, fazendo um ar blasé... O ar blasé até que ele fez, mas, pasmem, ele chegou de carona num caminhão limpa-fossa. Foi o primeiro sinal de que a coisa ia dar em m...
Nas rodas que se formaram, Robalo Certos dizia repetidamente que ia transformar o iate Lady Di numa baleeira. Loola, com o português para lá de escorreito, não deixou escapar um único "menas". E Armário Covas, se tivesse bebido água quente de torneira como foi aconselhado, pelo menos podia ter disfarçado aquela voz de castrato.
Rushdie, cercado de amigos xiitas... Supla, ninguém sabia se era o pai ou o filho...
Só Jucas Chave, com seu repertório de velhas piadas, parecia autêntico.
A citação de tantos nomes masculinos deixa a impressão de que foi uma festa only for men. Não, não foi. Kássia Elle esteve por lá representando o mulherio.
Como toda festa que se preza tem bicão, a Cover in Fort teve o seu. E, para ter certeza de que o penetra não faltaria, Jorge George cercou o acontecimento de sigilo, impedindo que filtrasse qualquer informação. Foi assim que Bigorrilho (o original) deu o ar de sua desgraça.
Também vieram as tietes do Agreste e da Zona da Mata.
Tô lhe contando que é pra lhe dar água na boca, como diz o Chico. Aliás, o sogro do Carlinhos Marrom só falava em levar a experiência da UDR para Cuba.
Apesar de amestrados, os colunistas saíram indignados com a farsa. Prometendo que só estariam na próxima edição da festa se o anfitrião estalasse os dedos para eles. E o vexame só não foi maior porque Jorge George não estava lá. Quem estava era um sósia dele, claro.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

JORGE GEORGE EM RITMO DE DESVENTURA - 2.ª PARTE

E prosseguiram a viagem. Com o taxista chupando uma ponta de cigarro vitalícia, um sufoco. Até que... a fumaça começou a mudar o odor para melhor, haviam chegado à churrascaria. Desceram. Pensando na etapa seguinte, Jorge não dispensou o táxi.
E comeram e beberam e conversaram. Ao fim de uma picanha, e também querendo ser picante, Jorge falou de sua doença. "Priapismo. Em Marrocos me curaram em excesso." Embevecida, Petúnia abriu as pupilas que um dia fizeram a desgraça do Sr. Reitor. Com isso, ele sacou logo: a fêmea topava ir a um motel de classe; mais: queria suíte com hidromassagem e cascata. Era um desejo tão evidente que, vamos mas não venhamos, seria grossura da parte dele pedir uma confirmação no plano verbal.
Jorge foi apresentado à conta. "Quinhentos cruzados, senhor, com o frete já incluído." Na nova profissão o garçom vinha passando por um período de adaptação. E Jorge George autografou um cheque de quinhentos cruzados de frente, mas sem fundos. Até o dono da casa veio pessoalmente agradecer. "Compraremos uma carne de moita de referência para o caso de o senhor voltar aqui."
- Ótimo. Mas troquem também o óleo de fritar batatas, sugeriu Jorge.
Agora, era sair dali conduzindo a mulher. Mas Petúnia pediu tempo. "Preciso retocar o batom."
Meio nervoso, Jorge a viu desaparecer no rumo do toalete.
"Meu Deus, como ela demora. Depois do batom vem o rímel? E depois do rímel?..." Petúnia remanchava...
- Ei, amigo...
Era o garçom que interrompia o benemérito Jotagê em suas divagações. Umas divagações que terminavam sempre no saguão do Banco Central.
"Bem, pelo tratamento amistoso que ainda me dispensa, não deve estar pondo meu cheque... em idem", pensou Jorge.
O garçom prosseguiu:
- A moça se mandou.
- Mas como?
- Arrodeou a churrascaria pelos fundos e pediu carona a um motoqueiro.
Desgraçou geral. Foi ele se fiar na fidelização de Petúnia, e viram só no que deu. Ainda bem que o táxi o esperava para levá-lo de volta.
Deu o toque de retirar:
- Pela Mister Rau, motorista. E não precisa respeitar as motocicletas, não.
Ninguém julgue a madrugada pela boca da noite. Por essa desfeita, ele passou o metazoário, isto é, a esponja. Enquanto espera o dia em que vai penetrar o coração de Petúnia, nem que seja usando uma chave mestra.

Espero que tenham gostado deste conto em duas capitulações. Não haverá para ele uma versão cinematográfica de que venham a gostar mais. PGCS

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

JORGE GEORGE EM RITMO DE DESVENTURA - 1.ª PARTE

Amor louco - ele muito e ela pouco. 
Provérbio
Jorge checou a si próprio (não dizem que o primeiro ego é o ego corporal?) para ver se a imagem estava ótimo. Estava: dos pés às cabeça. Faltava só retocar a mecha de cabelo que caía sobre a testa, vulgo pega-rapaz, pronto, para que ele agora tocasse a campainha do apartamento de Petúnia. Oito, cinco, sete, dois, três, um, seis, quatro... triiim. Ah, Jorge George está nervoso. Por isso, não reparem na contagem regressiva que ele acabou de fazer.
Jorge e Petúnia: de algum tempo se conheciam, mas ainda não eram íntimos. Perita em artes venusianas, a moça já havia despachado três anginosos para o além, Jorge não sabia disso. E mesmo que soubesse, ele não pularia fora. Logo mais, o tão aguardado programa a dois deveria acontecer e, benza deus, que outros depois acontecessem. Anginoso? Não, não era. E para matá-lo só mesmo com o recurso do fio desencapado na banheira.
O olho mágico do apartamento de Petúnia fora instalado ao contrário. Através dele Jorge espiou a voluptuosa moradora. Ela vinha vindo bela como nunca, como se fosse Vênus, a Calipígia, para lhe abrir a porta. Enquanto ele, lá fora, era um fauno que mal se continha nos cascos, perdendo até a noção comercial do tempo. Quem já deixou táxi parado marcando hora sabe o que estou a dizer.
Aberta a porta, Jorge a desarmou de uma tramela e abraçou-a com uma sofreguidão - sem retorno! Em seguida, houve uma espécie de interlúdio, que consistiu de uma sequência de corridas que eles fizeram, em torno de uma mesinha de centro, no sentido dos ponteiros do relógio. Até que a fêmea se deu por capturada. E, como sempre faz quando quer mostrar que é senhor de uma situação, ele rasgou (já na primeira tentativa) a lista telefônica de Barroquinha.
Notou também que ela estava mais baixa que de costume.
- Por que não está de sapatos altos?
- Não consegui subir neles.
- OK, então vamos.
À saída, ainda foi preciso desarmá-la de uma faca de furar porco.
Lá fora, o táxi em que ele viera aguardava o casal. Marcando hora parado. Por um problema na pinceleta da grampola, o carro de Jorge se achava numa oficina e ele esquecera o endereço.
Mergulharam no táxi, não tinham tempo a perder. Jorge George deu o nome de uma churrascaria da zona oeste da cidade, muito conhecida pelas promoções de espetinhos.
O motorista tinha a barba amanhecida (embora fosse noite) e os ombros resolutos. Ele sopesou o primeiro detalhe; ela, o segundo.
Na Míster Rau, por pouco, não atropelaram um motoqueiro.
Jorge cutucou o taxidermista (este nome é ótimo):
- Ei, você não viu?!
O outro preferiu apontar para um adesivo colocado no para-brisa do táxi. Onde ele leu: EU RESPEITO JAMANTA. Sem discussão.
(a continuar)

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

O LAR SINGULAR DE JORGE GEORGE

No ano fiscal de 1972, Jorge George morou no Rio. Mais precisamente: Jorge George morou no elevador social de um edifício na Prado Júnior, nas proximidades do Beco da Fome. Um elevador espaçoso (aliás, sobejamente espaçoso se atentarmos para o fato de que não botavam forro de proteção em dia de mudança), com a capacidade máxima para oito pessoas e que contava com uma razoável assistência técnica. Jorge George sonhava ser cidadão de Copacabana e sucedia que, àquela freguesia, só havia aquele elevador cabível no orçamento. Era pegar ou... usar as escadas de um prédio. Ah, os bons tempos bicudos...
A princípio, Jorge George enfrentou a incompreensão dos moradores do edifício. Um deles, por sinal o mais iracundo, era Severino, do 403. Ele, mulher e filhos totalizavam oito "paraíbas", a capacidade máxima do elevador como já vimos; mas, com Jorge George dentro... Por isso, antes que alguém fosse ao fundo do poço, Jotagê, o nosso cuidoso Jorge George, se prontificou a sair do ascensor, sim, toda vez que a ponderável família Severino do utiliário precisasse. E se alguém mais falava contra sua permanência no elevador, sem tardamento Jotagê o punha cativo. Não com palavras, mas com atos. Como, por exemplo, o de pagar rigorosamente em dia a taxa de condomínio.
Vá lá que ele fosse considerado um habitante atípico de Copacabana. Mas... se existia "entonces" tanta gente vivendo na corda bamba por que, à vista disso, um que outro não podia morar num elevador? E, não preciso ir muito longe, em seu habitáculo Jorge George foi o precursor do palatável apartamento-cápsula, hoje moda no Japão. Também não me perguntem a razão da moda do apartamento-cápsula pegar justo no Japão, um país sem problema de espaço (tenho um mapa do Japão nos tempos do almirante Yamamoto que prova isto).
No diuturno sobe-e-desce do elevador, Jorge George presenciava todos os colóquios. Os que falavam na alta dos gêneros de primeira necessidade (DESCE), os que comentavam sobre a penúltima queda do cruzeiro (SOBE) - os papos de antanho, enfim, batidos sempre na tecla do otimismo. E ia conhecendo, pouco a pouco, a alma de cada inquilino do edifício, inserindo-se nesse hetero-conhecimento a do Sr. Poucafé, residente no 601. O reservado Sr. Poucafé, julgado pelas vezes em que pegou o elevador sobraçando melões, era, podia-se apostar neste juízo, um melômano incurável. Mas, diabos, quantas estórias ficavam com o desfecho ignorado - para Jotagê - pois, no melhor delas, o raio do elevador tinha chegado ao rés-do-chão.
Não esqueçamos, porém, as desvantagens do "lar-singu-lar" de Jorge George Bizarria. Uma delas, o diminuto espaço-tempo para suas privacidades. O que fez com que, certa ocasião, fosse flagrado com uma loura da boca pintada em coração que trabalhava com prendas da rua. Deu a maior "confa", o semostrador terminou nos braços da polícia, pois leguleio nesse mundo-de-meu-deus é que nunca faltou. Como circunstância atenuante Jotagê alegou não ter passado de 1/4 de ereção. Contudo, não se livrou de uma comprida temporada na prisão, cumprida (felizmente) num posto policial móvel.

Conto publicado em O POVO, de 27/05/84, 
e em A FERRAGISTA, de agosto de 1986.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

A PRIMEIRA CIRURGIA DO MUNDO

Eu não entendo os criacionistas. Eles não compreendem o conceito de um macaco evoluir para um homem, mas não têm nenhum problema para admitir o de uma costela se transformar em uma mulher. Jonco Stl

Estava Deus posto em sossego num penhasco cheio de musgos, apreciando o seu trabalho ecológico de seis dias, quando percebeu a aproximação de alguém. Um ser bastante diferente dos outros criados por Ele - era bípede, quase pelado - que reconheceu de pronto: (1) Adão.
O jeito dele, meio malandro, era de quem vinha pedir alguma coisa, sacou logo Deus.
Acontece que Adão, apesar do desembaraço com que circulava no soçaite animal, (2) na frente do Todo-Poderoso tinha lá sua inibição: ficava um sujeito sem verbo. A saída, nessa situação, era que o Sujeito, também chamado Verbo, tinha o Predicado de ser um bom puxador de diálogo:
"Que cara é essa, rapaz?"
(Adão começava aqui...
"Que cara é essa, rapaz? Não está gostando do Paraíso?"
... e aqui terminava de susPIRAR.)
"Sabe, Deus, é que eu tenho notado que todo bicho por aqui têm uma companheira... Menos eu que, para ser sincero, já ando farto desse tal prazer solitário!" (3)
Deus não se abalou com a objetividade do recém-chegado. Recordou-se de que, ao fazer Adão, (4) considerara um empreendimento perigoso e de resultado incerto. Preferiu, entretanto, não mencionar isso pois, certamente, o bicho-homem ficaria magoado. Afinal, ele estava vivo, sadio e chutando por aí...
"Não houve esquecimento de minha parte, mentiu Deus. (5) Apenas me reservei o direito de criar sua companheira em outra oportunidade."
"E quando vai ser?"
"Até agora... desde que você me fale de suas preferências."
Enquanto Adão sentava-se ao lado, o Criador fez surgir prancheta, papel A4 e tirou do bolso uma lapiseira. (6) E pôs-se a desenhar em conformidade com o que Adão ia imaginando... gesticulando curvas e mais curvas no ar. (7)
Terminado o croqui da Mulher, Deus passou-o às mãos de Adão para que este desse o grau. (8) O celibatário homem, ao ver o que iria levar para o seu leito de folhas, experimentou uma onda de entusiasmo tão intensa que logo ficou ereto. (9)
"Gostou?", perguntou Deus, com obviedade.
"Se gostei?!"
"Bem, ainda há um problema. Esta delicada criatura, se moldada em barro, diretamente, não vai combinar com você."
"Como?"
"Você, como tem uma mente assaz irrequieta, só harmoniza com alguém que venha de você. Daí, uma costectomia ser indispensável..."
"Costectomia?"
"Uma operaçãozinha. Retiro-lhe uma das costelas (10) e, partindo dela, faço artesanalmente a Mulher."
"Não vai doer?"
"Não, se eu chamar o Espírito Santo para dar a anestesia geral."
O Espírito Santo veio voando. (11). Adão foi posto a "dormir" e Deus Pai realizou a primeira cirurgia do mundo. (12) Em seguida, foi o que se sabe: pós-operatório e lua-de-mel a um só tempo.
O que se sabe... quase tudo. Pois ainda consta que, a caminho do Céu, Deus Pai e Espírito Santo tenham travado o seguinte diálogo:
"Pai, não é desfazendo de sua meticulosidade criadora, mas tenho cá dúvidas de que a harmonia conjugal deles seja para sempre."
"Ora, Santo, (13) não reparou você que, durante a intervenção, eu poupei o periósteo da costela?"
"Sim."
"Com isso, a costela se recompõe. E, a qualquer tempo, eu posso fazer a Outra."

(1) Sem olhar o Catálogo da Criação.
(2) Animal Society no jargão dos colunistas.
(3) Não precisava ser tão radical.
(4) Projeto Bellum.
(5) Absolvendo-se ex officio.
(6) Presente do Dr. Sérgio Gomes de Matos.
(7) O primeiro retrato falado de que se tem notícia.
(8) Nota 10 com louvor.
(9) O corpo inteiro, entenda-se.
(10) A porção-mulher do primeiro Homem.
(11) Convocado pelo "bip".
(12) Com êxito de 200 %.
(13) Intimidade divina.

Informativo "Mandacaru", ano III, jul 81, n° 13

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

EM BIBLIOTECA TUDO SE SABE

Leitor amigo,
Deixe cronificar em você o gosto pelos livros - eles que são os mais desenvoltos agentes do entretenimento e da cultura. Ler e coçar é questão de começar! - já disse o velho letrado. Assim: desenvolva o hábito de frequentar as livrarias da cidade, de espiar seus mostruários, de inteirar-se das obras recém-lançadas, para depois - quem sabe? - virar um adquirente regular de livros.
Adote o costume da leitura (se já não o tem). Da leitura sistemática nas filas do ônibus, do banco, da farmácia e da previdência; no escritório e na lanchonete; na sala do televisor (desligado) e na cama. Olho vivo, portanto, que esta é a maneira de você entrar para o rol dos que sabem das coisas, na categoria sênior.
Mais: existe uma coisa que se chama envolvimento leitor-livro. Ele não deve acabar quando se vira a última página de um exemplar que foi lido. O livro requer ser guardado facilmente alcançável, a fim de que, em uma dúvida, você possa rever uma frase, um tópico ou a obra inteira.
O livro não pede, mas justo é que você retribua os seus ganhos de cultura livresca, oferecendo-lhe certo conforto "pessoal". Como conforto se traduza mantê-lo protegido das traças, mofos e poeiras, e colocá-lo de modo conveniente na biblioteca.
Aqui, onde eu queria chegar: o colecionamento dos livros, o qual só fica bem feito quando efetuado com arte e artimanha. Os livros, assim como as pessoas, têm ideias, gosto e temperamentos;  excetuando-se os poucos momentos que passam nas mãos do dono, coabitarão um espaço comum. Por isso, bem ou mal, interrelacionar-se-ão.
Considere então as tais afinidades inter-livros quando for ordená-los, objetivando que prevaleça a harmonia em sua biblioteca. Um pouco da minha casuística para que o leitor entenda plenamente o que busco dizer:
O livro "O Feijão e o Sonho", de Orígenes Lessa, por exemplo, a arrumação ideal será a que coloque o "Supermercado", de Paulo Mendes Campos, e o "Escolha seu Sonho", de Cecília Meireles, à esquerda e à direita dele, respectivamente.
Nesta linha de raciocínio, o "Cuca Fundida", de Woody Allen, e o "Doente Imaginário", de Molière, se mantidos na proximidade do "Pequena Psiquiatria", de Van den Berg, sentir-se-ão menos grilados.
Já pensou que despautério se eu deixasse o "Fumando Espero", de Francisco Rodrigues, ao lado do "É Melhor Não Fumar", de Jorge Pachá? Ou, então, o "Macunaíma", de Mário de Andrade, capaz de tantas inconveniências, ao lado do circunspecto "Ulisses", de James Joyce?
Coisa parecida se eu deixasse o "A Grande Bofetada", de Jorge Hachaus, de meia-parede com o "Com as Mãos Sujas de Sangue", de Marcos Faerman, sabendo que são ambos rixentos e temperamentais?
Certas sutilidades, entretanto, o leitor só aprenderá com o tempo, ao entrosar com os livros. Quer ver? O "Textos Revolucionários", de Che Guevara, conhecidamente um asmático, se beneficiará com a vizinhança do "Medicina para Milhões", do camarada J. S. Horn.
Já o "Sexualidade & Criação Literária", entrevistas do Gay Sunshine, ficará mais à vontade na companhia do "Sexo nas Prisões", de Jorge Rizzini. Sem falar que será também uma prova de tolerância para com as minorias.
Mas, leitor, mesmo me fazendo de criterioso, eu nem sempre sustento a paz no mundo dos livros. Certa feita, encontrei em minha biblioteca o "A Técnica e o Riso", do economista Roberto Campos, atirado ao chão com várias páginas arrancadas. Colocado num canto de prateleira, ele incriminou num relato que me pareceu inverídico, o "Dicionário dos Marginais", de Ariel Tacca. Veio com uma história mal alinhavrada, testemunhada em falso pelo "É Mentira, Terta?", do Chico Anísio, e logo para cima de moi que sei do quanto ele é capaz de inventar para manter uma imagem vendável (quer fazer carreira de best seller).Não demorou, "Juvenal Ouriço Repórter", de Carlos Novaes, desvendou o acontecido trazendo à minha presença o "Onde Estivestes de Noite", de Clarice Lispector. E este entregou o serviço, fora tudo na verdade um ataque de ciumeira por parte de uma brochura. O nome da cuja? "Bonitinha mas Ordinária", de Nelson Rodrigues.

Informativo "Mandacaru", ano III, ago/set 81, n° 14

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

A SOLUÇÃO DO PROBLEMA "ANIVERSÁRIOS"

Finalmente encontrei a solução do problema.
Através de uma fórmula por mim criada em que as datas de estimação da mulher são somadas e divididas, disso resultando uma quinta data, que, por sua vez, é multiplicada por um fator de correção, o qual produz uma sexta data que, por sinal, coincide com a data do meu aniversário natalício.
Não poderia chegar a um resultado diferente, uma vez que eu uso na última operação o chamado fator egocêntrico de correção. C.Q.D.

Aniversário
"Comemoração que sempre fazemos com menos um ano de entusiasmo." Leon Eliachar

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

O PERIGO DAS DEFINIÇÕES

Omnis definitio periculosa est.

Tese é uma hipótese que não caiu do cavalo.

O mundo é uma orquestra. Uns carregam o piano para que outros levem a vida na flauta.

A ordem dos fatores altera o produto. É por isso que José Maria não é Maria José.

A toda primeira intenção corresponde uma segunda de maior intensidade.

De tanto ver triunfar as nulidades botei uns zeros à minha esquerda.

Não importa a cor do rato contanto que ele não seja apanhado pelo gato.

Esse tal espírito corporativo - também chamado de espírito de corpo - só serve para encobrir os espíritos de porco.

O amor é a parte burocrática da genética.

Hiperinflação é quando você quer trocar uma cédula e o outro diz: "Sim, mas só se você passar o seu dinheiro primeiro".

Agiota é uma palavra que já diz tudo: um ágil de um lado e um idiota do outro.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

IN ILLO TEMPORE

Naquele tempo, disse eu a meu botões: "Vou me candidatar a acólito da Igreja de Nossa Senhora das Dores".
No RH do templo, em Otávio Bonfim, levaram a sério a minha pretensão e me deram para ler em casa uma espécie de "Manual do Acólito", que continha as orientações necessárias a um coroinha de primeira missa. Trazia o rito completo da missa celebrada em latim e posso dizer que foi o meu primeiro contato com essa língua tão cheia de palavras e construções incompreensíveis. Como, por exemplo, entender que tanto saecula quanto saeculorum podiam ser traduzidas por "séculos"? Dúvidas, dúvidas, dúvidas que só seriam solucionadas adiante com meus estudos de latim no Colégio Cearense.
Além do rito e do latinório, o acólito tinha de conhecer bem o nome das coisas sacras: missal, patena, turíbulo, cálice e, finis coronat opus, o sacrário.
Quanto ao esforço para me levantar de madrugada e, ainda sonolento, ir balançar o turíbulo na igreja, tinha lá umas compensações a posteriori. Um desjejum de café com leite, servido numa grande caneca de ágata, acompanhado de pão (dos pobres?) com bastante manteiga e... um ingresso para assistir ao filme de sábado no Cine Familiar! Este último era o braço propositivo de um patrulhamento que Frei Teodoro fazia para que não frequentássemos o Cine Nazaré. Não que ele quisesse nocautear a concorrência, não, era somente para defender os bons costumes do bairro.
O sacerdote rezava a maior parte da missa de costas para os fiéis. No rito, havia o momento em que um dos acólitos transportava o pesado missal de um lado para outro do altar. Com o detalhe de uma rápida genuflexão feita pelo meio do caminho. Pois bem, numa missa das cinco, o missal desequilibrou-se de minhas mãos e rolou escadaria abaixo. Todo vexado, apanhei o livro santo para colocá-lo onde devia. E Frei Oto levou um tempão para achar o evangelho do dia, o qual tinha sido desmarcado pela queda do missal.
Por vezes, aparecia no convento dos franciscanos frades um tal "Frei Cosquinha". Assim apelidado pelo costume de agarrar os meninos pelos corredores do convento. Não o prejulguem, era apenas pelo divertimento de lhes fazer cócegas.
Uma ocasião, tio Edson, que vinha se preparando para o concurso de um banco oficial, me veio com uma proposta indecente decente. Eu devia ir à igreja, expressamente para rezar um certo número de padres-nossos e aves-marias, intercalados com pedidos especiais em favor de sua aprovação no concurso. É que meu tio defendia a teoria de que as súplicas, quando partidas de um coração infantil, eram prioritárias para o Criador. Chamem isso de tráfico de influência, de atitude religiosamente incorreta, enfim, da forma como quiserem.
Quem era eu para contestar uma teoria que, além de defendida por um ex-seminarista, prometia aumentar o meu pé de meia, e como de fato aconteceu?
Caprichei. Naquele tempo a fé não costumava falhar.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

MOTEL, HOTEL E FLOTEL

Chamava o seu motel de escola. E, quando fazia alguma obra para ampliá-lo, dizia que estava construindo novas salas de aula. Assim era Zé Galinha, um destaque do ramo da motelaria.
Certa vez uma moça se deu mal. Achando que o moteleiro agia com hipocrisia, meteu-se a censurá-lo:
- Deixa de besteira, Zé. Por que não chama o seu negócio logo de motel?
A resposta veio de fuscão preto:
- Ora, minha filha. Para não deixar em má situação uma moça como você...

A cidadezinha, além da estação ferroviária, tinha dois hotéis.
Quando alguém, recém-chegado à cidade, perguntava ao chefe da estação em qual deles deveria se hospedar, a recomendação já estava na ponta da língua:
- Tanto faz. Onde ficar vai se arrepender de não ter escolhido o outro.

Flotel é um hotel flutuante. Não sei de piadas sobre flotéis. Enquanto isso, deixe navegar em sua imaginação essa autêntica joia do Nilo Mamoré. É o boliviano "Reina de Enin", montado num catamarã e que tem doze camarotes climatizados.


sexta-feira, 19 de agosto de 2011

O HOMEM DOS 7 ESPORTES

Falta alguém tranquilizar a Dona Lêda Collor de que seu filho não corre perigo. Quando, todo fim de semana que Deus dá, ele aparece praticando alguma peripécia esportiva. Como pilotar em alta velocidade uma possante moto, deslizar sobre as águas do Paranoá num jet-ski, dirigir numa estrada movimentada uma carreta de dezoito pneus. E, ainda, a correr, a nadar, a pedalar etc.
Uma sequência de proezas a que se juntam outras, de natureza marcial. Se o mar é de almirante, a terra, de general, e o céu de brigadeiro, dirigir submarino, Urutu e avião de caça, respectivamente.
Mas não te surpreendas, ó leitor, com o que eu vou dizer agora. Sobre um segredo - que vazou - relacionado ao marketing promocional do presidente. É que existem sete sósias do Collor na Casa da Dinda. E cada um é bamba em algum tipo de esporte. Chega o fim de semana, um deles se exibe para brasileiro ver. E o brasileiro, ignorando esse detalhe, fica pensando que há um superpresidente no comando da nação. O primeiro (Menem é o segundo) do ranking mundial!
Não é novidade a estratégia em questão. A Cofap, por exemplo, para fazer a atual campanha do Turbogas (um amor de amortecedor), usou quatro cachorros da raça bassê. Dando a impressão de existir, pela soma das habilidades dos quatro, um super-ator canino. O Rin Tin Tin do seriado da televisão, idem. Em vez de um único cão, oito contracenam com a cavalaria norte-americana. Se isso é anti-ético não sei dizer, mas são as liberdades do mundo do espetáculo.
O presidente por pouco não está na novela Pantanal, também vazou. Em seu lugar, Sérgio Reis, um noviço na arte de representar, foi colocado no cast da novela (para explorar a semelhança física do cantor com o presidente). Mas, assessores do presidente, temendo que a manobra não fosse bem recebida pelo público, roeram as cordas da viola e não deram caráter oficial à substituição. Bem, se collar, collou... foi a orientação que a Manchete deu, daí para frente.
Na única aparição esportiva do presidente - em carne e osso - ele não convenceu. Foi quando jogou num treino da seleção brasileira de futebol. Mesmo assim ele criou uma enorme dificuldade para o Tafarel. Eu não gostaria de estar, naquele hora, sob a pele do grande goleiro. Imagina o sujeito ter de adivinhar para que lado a bola vai ser chutada e aí, num fechar dos olhos, saltar para o lado oposto. Ah, não estivesse ali o Tafarel aquela bola não teria entrado!
Aliás, todo goleiro de escol sabe muito bem a principal lição de Nenem Prancha. Pênalti cobrado pelo diretor do clube não é de se pegar. Cobrado pelo presidente da República, a bola então já parte completamente indefensável.
A bem da verdade, ato arriscado até hoje o filho de Dona Lêda só praticou um. Foi quando, de forma resoluta, destemida e impávida, ele adentrou uma casa bancária e... abriu uma caderneta de poupança.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

O PÁSSARO QUE PERDEU O AMIGO

Um pássaro descrevia com entusiasmo um milharal que existia nas redondezas. Convidando outro para que ambos fossem lá para um amplo, geral e irrestrito banquete.
Mas o outro se mostrou temeroso:
- Costuma haver caçadores naquele milharal.
- Ora, dividiremos o risco.
- Qual! Você é pequenino e eu sou grande...
Ficava entendido que o pássaro de porte avantajado, no caso de ambos serem vistos por um caçador, seria o alvo preferencial. E o pequenino, assim, é que teria maior chance de escapar.
E isso não era tudo. O pássaro graúdo lembrou um detalhe que tornava a aventura arriscadíssima:
- Você pia sem parar. Vai certamente chamar a atenção para nós.
- Fico em silêncio. No milharal eu só vou abrir o bico para comer grão.
- Bem, sendo assim...
E voaram os dois para a desejada lambança. Só que o pequenino, mal se viu entre as espigas, esqueceu-se do trato. E pôs-se a piar incessantemente, o que atraiu para o local uns caçadores.
Bastou um tiro para acertar... logo quem? O passarão, como era previsível.
Quanto ao pequenino, este voou para longe sem maiores dificuldades. E sem uma ponta de arrependimento, acrescente-se ainda. Tanto que ele escapou comentando:
- Perco um amigo mas não perco o piado.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

CARTA A ALCENI

Exmo. Sr.:

Extraído de um livro técnico, envio-lhe a gravura de um médico italiano paramentado para combater uma das pestilências da Idade Média. De efeito protetor duvidoso, o uniforme - veja se concorda comigo - conferia a seu usuário o aspecto de um homem-pássaro. Ou, melhor, de um maestro-pássaro, se atentarmos para o fato de que ele, com certa desenvoltura, em uma das mãos carrega uma batuta.
Vamos, porém, ao que agora interessa: adequar o medieval uniforme ao Brasil de hoje. Pois bem, para se chegar a um "modelito" atualizado, eu observo que o mesmo está a precisar do seguinte: primeiro, uma mochila "dorso-transportável"; segundo, uma moringa pendente à cintura; terceiro, um guarda-chuva que ocupe o lugar da batuta, pois quem sai à chuva não é para se molhar; e, quarto (entrando como "opcional obrigatório"), uma bicicleta.
Não esquecendo, ainda, da inscrição que deve existir no novo uniforme: SUPERFATURAMENTO É A MÃE!

PGCS

sexta-feira, 29 de julho de 2011

A COMPETIÇÃO PELA APARÊNCIA

As mulheres com polegadas a menos numa parte do corpo - sobre a qual recai a preferência nacional - têm agora o problema resolvido. Com a invenção do bumbum postiço, uma peça de vestuário que confere à usuária a ilusão de possuir um traseiro carnudo. Ora, mas isto apenas vem a se juntar ao já vasto arsenal das mistificações femininas, dentre as quais já se encontram: os cílios postiços, as lentes de contato coloridas, a cinta etc. Além de algo que está sendo prometido para breve, o sutiã "vamp", o qual, ao nível ilusório, deverá resolver o problema dos seios mirrados.
E ficaremos os homens de fora dessa competição pela aparência? Pois, salvo o caso do calvo que se defende com uma peruquinha, com o cuidado de que ela não seja óbvia, pouco lançamos mão de tais artifícios? Inclusive os rotulamos de "coisas de mulher", quando sobejam as provas de que a vaidade não é um apanágio feminino. Então, por que o escrúpulo de não participar desse jogo?
Guerra é guerra.
Podemos reeditar a moda dos poulaines, sapatos compridos que foram muito populares na Idade Média. Havendo-os até com o formato de pênis. Na Batalha de Nicópolis, em 1396, cruzados franceses foram obrigados a cortar as pontas de seus poulaines... para que pudessem fugir. Mas não é certo de que foi isso o que levou um papa a proibi-los.
Como também podemos trazer de volta o codpiece, que foi moda no século 18. Consistindo este em uma parte saliente da calça onde o homem podia aninhar o órgão sexual. Com bastante enchimento, claro, para dar a impressão de que teria um órgão em permanente ereção. Além disso, com cores berrantes, fitas vistosas, ouro e pedraria. Tudo o que pudesse chamar a atenção para o ponto em questão.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

EM CIMA DO MURO

Tem um conhecido político cearense que, em se tratando de viver em cima do muro, ganha longe do calango. Por isso, não me perguntem as artimanhas que eu usei para que a enigmática figura me concedesse esta entrevista, obtida no melhor estilo pinga-fogo.
Leiam-na. Foi um autêntico muro... er, furo de reportagem.
- Um lugar que conhece?
- Wall Street?
- Lugares que gostaria de conhecer?
- China (Muralha da China) e Israel (Muro das Lamentações).
- Como viu a queda do Muro de Berlim?
- Pela televisão.
- Não vale. Tem que dizer como se sentiu ao ver?
- Consternado. E botei o meu muro de arrimo no seguro.
- Gosta de Fortaleza?
- Assim, assim. Ô terra de muro baixo!
- Música favorita?
- Daqui não saio...
- O que levaria para uma ilha deserta?
- Tijolo, cimento e areia grossa.
- O que não dá certo?
- Duro com duro. Não faz bom muro.
- Animal de estimação?
- Pela sadia convivência, o gato.
- Coisas que detesta?
- Cerca elétrica e pega-ladrão.
- Uma qualidade que possui?
- O equilíbrio.
- Agora, sobre essas frases aí ...
- Eu não picharia o meu próprio muro.
- E quando vai sair dele?
- Não resolvi. O chão me dá vertigem.
- Obrigado pela entrevista.
- De nada.Vai sair no "Fantástico"?
- Não. É para a TV Muro.

Sobre a TV Muro
É uma pequena organização produtora de televisão localizada na cidade de Sabará, em Minas Gerais, a 17 quilômetros da capital Belo Horizonte, considerada a menor rede de televisão do mundo.
De cunho comunitário e sem nenhum registro na Anatel, opera como uma emissora de TV de baixissima potência, cobrindo apenas a rua Costa Rodrigues, do perímetro da igreja a no máximo uma quadra.
Criada por Francisco Dário dos Santos, o Chiquinho, está no ar desde 1997 com um programação totalmente própria. WIKIPÉDIA

sexta-feira, 15 de julho de 2011

DR. ASDRÚBAL E A DICOTOMIA NA MEDICINA

O refinado Dr. Asdrúbal, em se tratando de erguer o moral de um paciente, tem uma técnica infalível. Costuma aplicá-la em quem, receoso de estar apresentando uma grave patologia, ameaça entrar em estado de pânico.
Ele, simplesmente, convida o paciente a acompanhá-lo em um raciocínio de clareza solar.
- Ainda não formei o diagnóstico, quanto a isto vou recorrer a exames complementares. Mas já se vê que estamos diante de duas possibilidades: higidez ou doença. Se for a primeira, ótimo, você não tem nada, mas se for a segunda possibilidade, nem assim haverá motivo para se desesperar. Porque poderá ter uma doença simples, auto-limitada, para a qual nem sequer prescreverei medicamentos. Como também poderá ter a alternativa, qual seja, estar você portando uma doença realmente séria. Calma aí. A medicina hodierna já consegue curar muita doença com esse rótulo, o que poderá acontecer perfeitamente no seu caso. Ou não, caso esteja a apresentar uma doença considerada atualmente incurável. E daí?!  Se, aliviado dos sintomas por conta de um tratamento paliativo, você ainda poderá ter, daqui para frente, uma qualidade de vida razoável. Se bem que eu não possa descartar a outra opção que aqui se coloca: estarmos lidando com uma moléstia que, além de grave e incurável, é inteiramente refratária a qualquer medida de alívio. Bem, você tem religião? Ah, é cristão!... Porque agora vai ser das duas, uma: você, logo que morrer, irá para o Céu ou... para o Inferno. Ir para o Céu será ótimo, já que é a suprema aspiração de quem se diz cristão.
Segundo sei, Dr. Asdrúbal sempre para neste ponto. Por considerar uma redundância mandar para o Inferno quem já apresenta uma doença grave, incurável e de grande padecimento.
O Barão de Itararé não racionalizaria melhor.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

DR. ASDRÚBAL E O CLIENTE COM "AQUILO ROXO"

Já está fora de moda falar atualmente em "aquilo roxo". A expressão entre aspas remonta aos tempos da República das Alagoas, quando o presidente Collor, em momento de destempero verbal, usou-a para designar os seus "países baixos".
No entanto, em sua pujante vida profissional, Dr. Asdrúbal chegou a assistir um paciente que tinha "aquilo roxo". Literalmente falando.
Era um cidadão, aí pelos cinquenta anos, que compareceu em seu consultório acompanhado da esposa. Ele veio muito preocupado... por estar apresentando a genitália com a cor modificada. Roxa, sem que o cidadão estivesse a apresentar sintomas e outros sinais que fizessem suspeitar de alguma doença conhecida.
O Dr. Asdrúbal examinou-o, num primeiro momento considerando se achar diante de um grande desafio diagnóstico. Pois essas situações de desconforto, mais do que as grandes doenças, costumam ter uma elucidação diagnóstica mais difícil.
Após examinar o paciente, verificou, porém, que... um pouco da coloração arroxeada tinha passado às suas mãos! Dr. Asdrúbal valorizou esse detalhe. E, virando-se para a esposa do paciente, fez uma série de perguntas que mostraram toda a sua percuciência.
- A senhora vem usando algum método contraceptivo?
- Sim, doutor. O diafragma.
- Somente isso?
- Acrescento uma geleia espermicida.
- Sabor uva, não é?

sexta-feira, 1 de julho de 2011

FALAR FINO É UMA DESGRAÇA

Em princípio, falar fino é um desgraça. Quando o dono da voz é homem e, por motivo profissional, muito depende dela em seu relacionamento público. O caso de Valdemar, que é um político.
De sua adolescência, guardava uma triste recordação: o bullying que sofrera. Ninguém da turma se dirigia a ele que, por pura gozação, não fizesse a voz em falsete.
Para agravar a situação, Valdemar fora batizado com o nome do protagonista do "Boi da cara preta". Uma marchinha composta por Paquito e cantada por Jackson do Pandeiro, que teve enorme sucesso em 1959 e nos anos seguintes.
Mas o que dizia a tal marchinha de carnaval? Isto:
"Coitado do Valdemar,
Tá dando o que falar,
Comeu carne de boi, falou fino
E deu pra se rebolar.
Mas que azar!"
Mas que azar mesmo! O político Valdemar, qual o xará da marchinha, era uma finura de voz. Podia fácil, fácil entrar para um coro de castrasti - sem necessidade de sofrer mutilação. Quanto a rebolar, é que não!
Ah, bem que ele tentara - inutilmente - a solução de sua deficiência vocal! Numa peregrinação que durou anos por consultórios de badalados otorrinos e fonoaudiólogos de sua cidade. Já tomara inclusive umas aulas de empostação com a Glorinha Beutenmüller, sem que, como se prognosticava, conseguisse pegar o famoso timbre "global".
E Valdemar continuou a falar fino por esse mundo afora. Num palanque, então, sua voz era um estorvo. Logo aparecia um engraçadinho para gritar:
- Fala grosso senão eu te janto!
Intervenções jocosas desse tipo vinham acontecendo cada vez mais em suas aparições públicas. Provocando zombaria na plateia e, por via de consequência, comprometendo o seu projeto político.
Foi um cabo eleitoral que resolveu o problema: "Dr. Valdemar, de tarde coloque um copo d'água ao sol pegando o mormaço. Aí, beba que isso dá uma laringite danada, garanto que engrossa a voz. Para o caso de passar da conta, o senhor chupa umas sementes de romã."
Graças a esse macete, é que a voz de Valdemar tem ficado mais encorpada. Há momentos até em que ele se sente o próprio Estentor.
Mas... como tudo tem limites: Valdemar já sabe que nunca vai ter aquela voz de Noriel Vilela, o baixo dos Cantores de Ébano.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

BOATOS

Os boatos são vistos como crimes cometidos por terceiros. São crimes perfeitos, não deixam o menor vestígio e não precisam de qualquer tipo de arma - a defesa fica sem pernas para andar. Jean-Noël Kapferer

Em Paris (59, rue des Petits Champs) existe uma instituição única no mundo: a Fundação para o Estudo e a Informação sobre os Boatos. Criada pelo psicólogo Jean-Noël Kapferer, essa fundação se dedica a estudar o mecanismo de formação dos boatos bem como o incrível poder de comunicação que eles apresentam.
Nos telefones da Fundação, as secretárias eletrônicas registram os boatos que são transmitidos pelo público. A partir dessa coleta de dados, cada boato é dissecado. Para receber o foro de boato é preciso que haja de 100 a 150 chamadas sobre o assunto.
Os franceses se ligam principalmente nos boatos da área da saúde pública, enquanto os norte-americanos têm uma especial predileção por boatos que falem de sexo.
Bush, quando foi visitado por Collor, pediu a este que levasse uma carta para o Japão (aproveitando a continuação da viagem do presidente brasileiro). Bastou isso para circular o boato que a Casa Branca não tinha mais dinheiro para comprar selos.
No Brasil boato é diversificado. Ora é um pacote econômico que vai sair, ora é um ministro que vai para a frigideira... O país ficou tão sensível a congelamentos que, ao menor zumzum de que haverá um, já começa uma remarcação de preços preventiva. Ah, seu Funaro...
E esses boatos, quer na área financeira quer na área política, elegem as quintas-feiras para semear algum tipo de pânico. O mais recente deles dava conta de um feriado bancário para carimbar as cédulas, de modo a tirar de circulação aquelas que estivessem guardadas em casa. Como se isso fizesse o menor sentido e, do ponto de vista operacional, fosse possível realizar!
Dizem que um incorrigível boateiro foi preso. Para assustá-lo, colocaram-no diante de um pelotão de fuzilamento. Mas era só uma simulação e o homem a seguir foi solto. De volta à prática, a sua primeira ação foi anunciar:
- Não espalhem, mas o exército está sem munição.
Há boatos quando há segredos. Há boatos porque as pessoas precisam fantasiar a realidade. E há pessoas que são propensas a certos boatos porque estes vão ao encontro de seus interesses. Os boatos são encontrados sempre que as circunstâncias são ambíguas, as questões são importantes e a capacidade crítica é baixa.
E como neutralizar um boato quando se sabe que o ato de desmenti-lo pode reforçá-lo?
Não passem adiante, mas há uma falação de que a fundação de Kapferer está para fechar as portas...

sexta-feira, 17 de junho de 2011

MEDO, MEDO, MEDO...

... de algumas coisas que podem acontecer à minha mulher. Ela enviuvar, por exemplo.
O que eu apresento é um instinto de sobrevivência hipertrofiado, não passa disso.
Como fazem os jornais e as revistas, poderei prosseguir numa versão digital?
Recomendo distribuir a bordo dos aviões:
terços para os que creem em Deus
e
para-quedas para os que são ateus.

FRASES PARA ENFRENTAR O MEDO
Pernas para que vos quero.
Deus é grande mas o mato é maior.
O medo é tão saudável para o espírito como o banho para o corpo. Máximo Gorki
Não há cemitério de covardes.
O medo é um tipo de frio difícil de desgrudar-se dos ossos. Dom Camilo
Para os mortos... sepultura. Para os vivos... escapula!
Quien tiene culo tiene miedo.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

OS INÚTEIS

Fortaleza, 5 de setembro de 1991

Caro Neno,
Aí vai uma sugestão: você, através de sua coluna, promover o concurso que vai escolher a categoria mais socialmente inútil. Aproveito, desde já, para inscrever o pastorador de carro, o pichador, a carpideira, o tarólogo, o espelho-sem-luz, o pescador de águas turvas, a alcoviteira, o peru do jogo de cartas, o aspone e o vice-presidente da República.
Sem essa de achar que quem costuma escrever carta para jornal deve também participar.
Um abraço Fortaleza-Aurora.

Paulo Gurgel
Água Fria

(...)

Está aí um concurso que eu gostaria de ver. O concurso para a escolha da categoria mais socialmente inútil neste país.
A arraia miúda teria lá os seus concorrentes. Este que chupa parafuso até que vire prego, aquele que enxuga gelo com toalha quente, aquele outro que escova urubu até que fique branco. Etc. Toda uma galeria de tipos exóticos que ainda não aprenderam que, para vencer na vida, o sujeito tem que suar a camisa.
Deus disse comerás o pão com o suor de teu rosto. Suavizou a pena, não foi? Na prática, é com o suor do corpo inteiro - para a alegria dos que apostam nisso, os fabricantes de desodorantes.
Nem todo trabalho é socialmente útil. Traz a mitologia grega o exemplo de Sísifo, com seu interminável trabalho de fazer subir uma pedra ladeira acima. Mas Sísifo era um condenado pelos deuses. Por livre opção, ele não enfiaria um prego numa barra de sabão.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

CARTA A CARLOS AUGUSTO VIANA

Fortaleza, 5 de julho de 1991

Carlos Augusto Viana,

Inicialmente, felicito-o por sua nova ocupação jornalística no "DN", redator interino da coluna "É...". A garantia para o leitorado de que dias risíveis virão. Sempre que chegarmos à última página do "Caderno 3" e... olhem lá, olhem lá. Você, intimorato a brandir, na língua que Gabeira chorou e crepusculou no exílio, a coceguenta pena da galhofa. E essa pena, ao que se diz por aí arrancada de uma avestruz (que tem aversão à realidade), como faz um bem danado. Transcende a Sunab, o ombudsman, o Muro das Lamentações, o divã do psicanalista e até o confessionário do Senhor Bispo.
Em frente, pois. Que atrás vem poeira e zoeira vem.
Viana, como amigo é pr'essas coisas e loisas, tomei a liberdade de lhe enviar uma matéria de ajuda. São 10 pensamentos inéditos intitulados: 10 pensamentos inéditos. Que sonham em cair de preto na alvura de seu jornal. E há outros que depois seguirão...
Um abraço com validade infinita, ou quase. Do:::

Paulo Gurgel

1. Constatação
O sol nasce para todos. Nasce quadrado para alguns.
2. Meio-ambiente
O fato de ser meio, eis o erro. Quando deveria se assumir por inteiro.
3. Responda, contribuinte
Depois de aplicado num elefante branco, qual é a cor do seu dinheiro?
4. Sobre o álcool
Não só encurta a vida como faz com que ela passe mais depressa.
5. Palavras que significam confusão
Bafafá, bololô, rififi, sururu e... lulalá.
6. No cassino
Todos fumam, bebem, cheiram e... a roleta é que é viciada!
7. Não tem desculpa
O Brasil ter sido o último país a acabar com a escravidão. Falta de Patrocínio?... Ah, corta essa!
8. Regra de ouro
Não ligar para o próximo. Começa que o telefone dele só anda ocupado.
9. Leitura homeopática
Ler selos.
10. Se o povo é uma hipótese
Então, o governo é uma tese terrível!

sexta-feira, 27 de maio de 2011

CARTA AO JÔ - 4

Meu caro Jô,

O tão falado mutismo do Rubinho não passa de uma balela. E vou dizer desde quando eu cheguei a essa conclusão.
Eu assistia a você a entrevistar uma tal Dra. Santinha (do Pau Oco?), líder feminista e promotora de uma campanha do tipo "Coma Menos Mulher", logo após a entrevista do Chico. O autor de "Estorvo", um gênio como sempre, e a líder feminista, com suas diatribes de mulher mal resolvida, outro estorvo.
Foi quando o seu programa, com altos e baixos naquela noite, oscilando dos píncaros de um Chico à rasteirice de uma Santinha, promoveu em mim um choque de realidade. Aumentando-me a perspicácia e o senso crítico a ponto de eu me tornar um contestador das verdades estabelecidas. Desde então passei a observar melhor o Rubinho, em suas aparições na telinha, e chegar à conclusão citada.
Daí poder lhe garantir que o guitarrista do quinteto Onze e Meia não é um filho da Lacônia. Ele fala - e muito!   É um refinado ventríloquo com a imensa barba só para escamotear os movimentos labiais. E aquela possante gargalhada (que a gente ouve a todo instante) não é do Bira, é dele também. Agora, porque o conhecimento desse fato vem sendo oculto aos telespectadores é que eu não sei dizer. Lembra, a uma certa distância, a questão da NASA com os UFOs.
O pior cego, Jô, é o que não sabe ver... TV inclusive. Aí fica vendo... Rubinho, mentiras e videoteipe.

Paulo Gurgel

sexta-feira, 20 de maio de 2011

EM MIÚDOS

Diz que o presidente Sarney, numa rara ocasião em que ele "não" se achava viajando pelo exterior, esteve em Roma. Com um propósito todo especial: conhecer a Fonte dos Desejos.
Lá chegando, o presidente, como acontece com toda pessoa que visita aquele logradouro famoso, jogou uma moeda na fonte e formulou um pedido. Verdade que ele pensou, num primeiro momento, em quão bom seria se o "Marimbondos de Fogo" caísse nas graças de um editor italiano... Mas, porque existia coisa que o ferroava mais forte, acabou se fixando em outro pedido. Que a fonte, enquanto ainda havia tempo, fizesse com que ele tivesse um final honroso de governo, só isso.
Quando o inesperado aconteceu. Com aquela que, ali representando o nosso meio circulante, por nenhum ato humilhante deveria ser atingida.
Em miúdos: a moeda foi cuspida de volta pela fonte. De saída, um desacato à Casa da Moeda que com tanto zelo a cunhara.
Meio sem jeito, o presidente abaixou-se para recolher a vilipendiada moeda. Desagravá-la do ocorrido passava a ser o seu plano, naquele exato momento. Quanto à estratégia do plano... bem, ele não podia obrigar  a bica a pagar na mesma moeda. Ele só podia botar a pobre da "cunhada" na primeira máquina de vender jujuba que avistasse e... Espere aí, antes de tal expediente, se alguém ali presente tivesse uma ideia melhor, olhe, pode se manifestar...
Logo, um mais esperto falou:
- Presidente, jogue uma moeda forte.
Mas Sarney estava sem... Então, puxa daqui, puxa de acolá, um puxa-saco de sua comitiva arranjou uma lira - uma moeda forte ma non troppo. Que foi incontinenti atirada na fonte pelo Clark Gable do Maranhão, acompanhada de um "repeteco" do pedido.
Pois bem, não houve desta vez rejeição. E, vindo da fonte, se fez ouvir um som grave, muito grave, que eu diria situado na faixa de eructação de um ogro. Ou na faixa da fala do Mário Covas, quando ele começa o dia.. Uma ou outra coisa que evocasse, o fato é que, com a manifestação vocal da bica, Sarney ficou todo eufórico:
- A fonte está a falar, chamem o cicerone.
E veio o cicerone, um homem versado em línguas indo-europeias, o qual, depois de ouvir um pouco os rumorejos da fonte, informou ao aturdido presidente:
- É... toscano do século doze. Dá para traduzir.
- Pois avexe, homem.
- Excelentíssimo senhor: Pouca saúde e muita saúva os males do Brasil são...
O presidente deu evidência de que se impacientava. Como político, vá lá que ele ignorasse o tal fraseado, porém, na qualidade de homem lido (em dois sentidos) e viajado, livre estava do apedeutismo em questão. Macunaíma, por sinal, era de fonte brasileira e...
(Queimam-se aqui algumas etapas da parola da fonte. A fim de que ela possa chegar ao ponto reclamado pelo presidente, apreensivo como se encontrava para melhorar a biografia.)
- Nesta altura do mandato, excelentíssimo senhor, com a escolha do seu sucessor já acontecendo, via eleições, não existe mais como mudar o quadro. Apenas recomendo se comportar como um magistrado durante o processo eleitoral, que é por aí.
- Ah, isso eu já faço! Só não me conformo com os nomes que estão aí disputando o cargo presidencial, entre os quais não se vê um Ermírio de Morais, um Sílvio Santos, um... Nesse sentido, o secretário Marzagão, aqui comigo, está para atirar uma moeda com outro pedido que eu endosso...
Nisso, a fonte outra vez rumorejou. Mas não houve, apesar da insistência de Sarney, como fazer o homem indo-e-voltando em língua de fonte dar, em seguida, a tradução. Aparentemente, por se tratar de uma ofensa pessoal, a qual, revelada ao presidente do Brasil, iniciaria algum imbroglio.
Porém, estou sabendo - de fonte fidedigna - qual foi (em meio a alguns palavrões toscanos) a resposta da aborrecida fonte. Aquilo que recém lhe pedira o presidente, através do fiel secretário Marzagão, vinha a ser da competência de outro buraco.
Buraco de urna no Brasil, logo, logo.

Publicado em 02/12/89

sexta-feira, 13 de maio de 2011

DR. ASDRÚBAL, O CLIENTE E O AMIGO DO CLIENTE

Um adolescente - que marcara consulta pedindo urgência - estava sendo atendido pelo Dr. Asdrúbal. E o médico já intrigado porque, naqueles minutos iniciais da consulta, o rapaz se mostrava ora reticente, ora evasivo, o que dá no mesmo.
Com que, então, alguém toma o tempo de um profissional para um assunto de nonada? Pois nada até ali deixava a entrever que o rapaz tivesse algum problema importante.
Do cimo de sua experiência, Dr. Asdrúbal não podia ser requisitados para banalidades, achaques mínimos e pseudo-doenças. Tão-somente quando houvesse a evidência de uma enfermidade com substrato orgânico... aí, sim, é que seu atendimento faria sentido. O mundo reconhecia a sua competência. Fora ele o inventor da consulta campal e do sacolão da medicina, instrumentos de democratização da profissão médica. No sacolão, por exemplo, gastando o mesmo dinheiro, o cliente podia tirar uma unha encravada ou tomar um clister.
Aquele rapaz, no máximo, estava na parte desfavorável do seu biorritmo, só isso. Era levar em consideração o que dizia o aforismo primum non nocere e mandá-lo para casa. Ou, quando muito, pedir alguns exames como check-up (e como desencargo de consciência), já antevendo os mais inocentes resultados para eles.
Nisso, o rapaz falou:
- Doutor, eu sei que o senhor não receita a quem não está presente. Mas, eu tenho um amigo que acha que está com uma doença venérea...
Não precisou se alongar. Pois, interrompendo-o, o arguto Dr. Asdrúbal já foi lhe dizendo:
- Então, abra a sua braguilha e mostre o seu amigo para que eu possa medicá-lo.
Tirocínio clínico é isso aí.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

O PLURAL DO PLURAL

Chegara ao fim o conclave dos professores de Português. Durante três dias, puristas do idioma pátrio, atilados defensores do vernáculo, pacientes investigadores de etimologias, latinistas de nomeada, adeptos da linguagem castiça e administradores de mesóclises haviam discutido à exaustão todos os problemas da "última flor do Lácio, inculta e bela".
Repudiados tinham sido os barbarismos, os vícios de linguagem, os erros de concordância e a má regência.
A bem dizer, o conclave já se concluíra. Os seus participantes estavam apenas reunidos em um restaurante para a confraternização de encerramento do encontro. Depois, cada um tomaria o rumo de sua cidade de origem e todos só se reencontrariam no congresso do ano seguinte.
Enquanto isso, conversavam descontraidos, entre drinques e tira-gostos, tendo como fundo a música ao vivo que a casa oferecia a seus clientes.
Quando um dos convivas, o Professor Kyw, que era conhecido pela intransigência com que defendia o alfabeto com 23 letras, resolveu fazer um pedido musical:
- Copacabana.
Kyw era um grande fã de Dick Farney (a ponto de não se incomodar com as letras alienígenas existentes no nome artístico do cantor Farnésio Dutra). E a canção Copacabana, que o professor pedira, figurava no repertório de Nilo Ney, o cantor da casa, o qual não se fez de rogado:
- Existens praias tão lindas...
A confraternização acabou ali. Aliás, foi transformada em uma reunião extraordinária, na qual se produziu uma candente nota de protesto, assinada por todos, e que foi deixada na gerência do restaurante, protocolizada (protocolada foi voto vencido) e tudo mais.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

ANIVERSÁRIOS

Eu nunca tive uma boa memória para guardar os dias de aniversários das pessoas. A começar pela data do meu próprio aniversário, a qual somente a custo consegui gravá-la na memória. Recordo que meus pais, no dia certo do ano, promoviam uma festa em que eu recebia presentes e apagava as velas de um bolo confeitado, enquanto todos cantavam o "répi bírdei tuiú"... E assim, mediante o emprego desse recurso pedagógico, eles iam paulatinamente me incutindo a noção do tal dia. Que era meu, porém não exclusivamente.
Na quadra ginasiana, transcorrida no Colégio Cearense, descobri que o dividia com o Padre Champagnat. E, por martelão que eu fosse, a descoberta do fato deve ter sido um beato remédio para a memória. Porque aí parei de amnesiar a data.
Mas, começou a complicar quando a família foi crescendo, um monte de irmãos "pelaí" com datas a serem guardadas na memória... Afora pais, avós, tios e agregados cujas datas natalícias não podim ser por mim esquecidas, sob a pena de receber um bem dosado puxão de orelhas. Em virtude (bote virtude nisso!) de que eles jamais esqueciam a minha data magna. E, por conseguinte, cada um se fazia merecedor em sua "folhinha" dos... cumprimentos de estilo!... Mas deixe que o destaque ficava para a Tia Rita que, contrastando comigo, tinha uma memória prodigiosa para as datas em geral (de quando o abacateiro foi plantado no quintal, de quando a gata amarela teve os gatinhos etc.).
Muita vez, uma irmã havida como dileta se chegava a mim e o seguinte diálogo acontecia. Sabe que dia é hoje? sei lá, eu faço anos, ah é?... Uma rebordosa, ô meu irmão (que não é de sangue)! E eu, para não grilar com essas frequentes falh( )s da memória, fui ficando cínico no pior sentido da palavra. Embora com a cisma de que um caldo de cabeça de peixe, tomado na véspera, pudesse ajudar (mas, diabos, quando era a véspera?). Então, na prática, não ajudava. E, com outros assuntos prioritários para cuidar, lá ia eu esfalfar os meus neurônios! Pois deles, por sinal, muitíssimo já estava precisando para a decoreba escolar.
Um dia casei. E introduzi em minha vida uma mulher que tem quatro datas, a saber: o dia em que nos conhecemos, o dia em que nos casamos no civil, o dia em que nos conhecemos no religioso e, é claro, o aniversário dela! Tirando o casamento religioso, que aconteceu no Dia do Médico (ambos somos isso!), nenhum outro dia coincide com algo marcante do calendário oficial de eventos. E o conjunto dessas datas, com a exceção já apontada, vem a ser uma carga mnemônica excessiva para quem é desligado no assunto em questão.
E repare que eu não toquei no Dia dos Namorados que, lato sensu, não é apenas relativo aos seres que andam pelo mundo em requestos e galanteios. O dia consta que é também para ser comemorado pelos que já fizeram, ao pé do altar, a jura de semper fidelis. Apesar de que, para mim, a lembrança desta data não é jamais um problema. O comércio, através de todos os meios de comunicação existentes, encarrega-se de me avisar. Não esquecendo, porém, o comércio de espicaçar a fera consumista que me habita o imo profundo, ser humano que sou.
É verdade que um ramalhete de flores chegando pela manhã pode salvar o dia. Quando o dia é aniversário da mulher e o ramalhete, bem... é uma medida promocional de uma revendedora de automóveis! Mas, desde que o mimo consiga alertar o desligado que ela tem em casa, a tempo de o seu natalício ser devidamente festejado, tudo bem. O ruim é quando, por falta desse detalhe salvador, o desligado só se dá conta nos, digamos, rescaldos da data. Depois que ela, a cara-metade, lá com sua enorme razão, até já dardejou um "sabe que dia foi ontem?". E ele, a seguir, se lembrando de que a culpa foi da revendedora de automóveis...
Ah, mulher é interessante! Gosta de ter o aniversário lembrado, mas não da idade que está a fazer... E a minha cara-metade, não fugindo dessa regra, é apenas uma mulher do seu tempo.

My wife

  • As mulheres não estão assim tão de baixo com seus maridos, basta ver matéria que Fame edita hoje em Voz Alheia, do médico Paulo Gurgel para sua consorte, que equivale a uma ode, aliás, a senhora Gurgel é aurorense, da família Macêdo, conhecida na região pela valentia.

(comentário de Lúcio Brasileiro em sua coluna REPORTAGEM)

sexta-feira, 22 de abril de 2011

O TAL HORÁRIO DE VERÃO

Chegou outra vez o famigerado horário de verão. A gente que o julgava abandonado e inerte, vai, descobre que ele estava apenas hibernando em Brasília. E que, aos primeiros calores do verão, o tal horário ressurge para atazanar a vida da gente. Lembrando Fênix, mas com uma diferença: é o verão (bem, pode ser também um veranico) que o faz ressuscitar. E, obrado isso, tome ele a encher o saco do brasileiro! Eita malfadado horário!... Ainda bem que, daqui a alguns meses, você bate asas e vai embora.
Vai ser cinzas outra vez, numa gaveta qualquer lá em Brasília... Quando a gente, é uma lástima, já começa a se acostumar com você (Masoch explica).
A rigor, para fazer jus ao nome que tem, o horário de verão só deveria começar no dia 21 de dezembro (quando ocorre o solstício no hemisfério sul). E não no dia 15 deste mês, como estabelece o decreto assinado pelo presidente da República. No entanto, para exercer o seu poder temporal - com a carga de malefícios a que tem direito - o tal horário até chega mais cedo! Talvez... para não perder a má companhia do horário do TSE, o qual já está a nos cacetear pela televisão.
Ora, já temos um sistema de registrar o tempo que é uma mixórdia. Dos babilônios herdamos a hora de 60 minutos; dos egípcios, o dia de 24 horas; dos hebreus, a semana de 7 dias. Quanto aos meses, eles nos foram legados pelos gregos, através dos romanos, com estes últimos ampliando a confusão. Pois Júlio César e seu sucessor, imperador Augusto, em medidas de autolatria, rebatizaram dois meses do ano com os nomes de "julho" e "agosto". Além de cada um deles a fevereiro roubar um dia, a fim de fazer - por uma questão de prestígio - o "seu" mês ter 31 dias.
E o pobre do fevereiro, sem patrono, ficou reduzido a 28 dias (29, nos anos bissextos). Sei não, mas esse negócio de mexer no tempo um dia ainda pode acabar mal. Temos um relógio biológico ultrassensível que o horário de verão, em seu mandonismo deslavado, teima em ignorar. Pouco se dando ao segundo o primeiro ficar que nem um dos "relógios derretidos" do pintor Salvador Dalí. E, como uma decorrência disso, o dono do relógio (biológico) ficar menos coruja e mais cotovia.
Imagino-me, toda manhã, eu querendo sair da cama com o corpo argumentando: "No seu horário ou no meu?". Um puto dilema, não é?! Se respeito o horário oficial, ponho-me fora da cama a tempo de chegar ao trabalho com pontualidade. Não o obedecendo - a outra hipótese - aí ganho uma hora adicional no tálamo, justamente quando o "eretismo" está tinindo... Ah, minhas senhoras, além de atrabiliário não é que o maldito do horário é contra o amor! Não se sabendo o que faz mais estragos nesse campo, se ele ou se a televisão na noite anterior.
O duro é suportar todos os transtornos do tal horário para, no fim das contas, medir o resultado que se obtém. A julgar pelo que aconteceu na vez passada, quando o Nordeste economizou... 0,4 por cento de energia elétrica. Uma economia de palito! O caso até de se praticar a desobediência civil, por meio de umas quantas lâmpadas acesas... Se isso, voltando-se contra o protestador, não lhe aumentasse a conta da luz. Pois é, sorte tem o Norte (onde anda Sting?) que o decreto, em sua versão 89, poupa do vexame. Beneficiado pelo fuso? Ora, alguém está con... fuso.
E o Apocalipse que ninguém sabe quando vai ser? Só tomara que ele, se tiver em breve de começar, não vá se basear no tal horário de verão. Porque aí a gente terá perdido uma hora de vida, bestamente.

DN CARTAS, 19/10/89
O POVO, 21/10/89

sexta-feira, 15 de abril de 2011

ESTAMOS GRÁVIDOS!

"Eu vi a mulher preparando outra pessoa..." 
Caetano Veloso

Um livro que esteve à venda no Brasil, há alguns anos, tinha esse sugestivo título. Imagino que o mesmo devia abordar a necessidade da participação do homem na gravidez, além, é claro, de seu conhecido papel genético. Ao enfocar que o estado gravídico, em seus aspectos orgânicos, psicológicos e culturais, não seria uma questão exclusiva da mulher. Mas que interessaria também ao homem, acarretando-lhe, em vista disso, certos compromissos e responsabilidades, a fim de que esse projeto comum chamado filho pudesse acabar... em choro. Isto é, acabar bem.
Eis, na Natureza, o exemplo de quem pegou o espírito da coisa, porém com um certo exagero. O cavalo-marinho. Pois na espécie quem fica grávido é o macho, numa bolsa abdominal para isso existente. E, quando  chega o instante propício de nascer a filharada, até um arremedo de trabalho de parto o pejado animálculo apresenta! No cavalo-marinho é assim, macho e fêmea têm os papéis trocados, Enquanto isso, em seus arroubos transformistas, a ciência está a prever que, num futuro não muito distante, a gravidez será biologicamente possível ao homem. Bem, gosto não se discute, mas que será uma gravidez de alto risco, lá isso será.
Portanto, fim da minha divagação sobre a troca de papéis! Na época em que o livro foi lançado, é bem possível que eu tenha reagido a ele com um "não li, não gostei". Porque, na qualidade de solteirão empedernido, isso era assunto que só causava ziquizira. Sucedeu o dia, porém, em que me casei. Aí - fruto da nova situação - pouco tempo após, vi-me às voltas com os indícios de uma gravidez (na mulher). São Tomé, que nunca foi banana, soprou-me aos ouvidos: ver para crer.Um conselho, aliás, bastante oportuno, pois jamais se deve esquecer de que a pseudociese (ou a falsa gravidez, como é conhecida em meio não médico) também existe.
Então, para ver e para crer, nós fomos à ultrassonografia. Este método diagnóstico que, mercê da visualização que faz das entranhas, tem tirado muita mulher da companhia da urna eleitoral. A ultrassonografia diz da existência do embrião ou feto, do seu estádio de desenvolvimento, da sua saúde, da data provável do parto e de como o futuro ser vai fazer pipi pela vida afora. É pouco? Ela também fornece a primeira foto da criança (que é ininteligível é outra conversa!) para o álbum da família.
Sobre essa história de predizer o sexo da criança por nascer, lembro-me de que um atilado obstetra usava - antes do advento da ultrassonografia - um método infalível. Ele dizia à futura mamãe que tinha acabado de examinar, que ia nascer um "menino" (enquanto anotava "menina" na ficha de atendimento). Meses depois, se nascia menino a sua fama só aumentava. Mas... se nascia uma menina o seu prestígio não sofria abalo. Bem documentado, ele tinha "como provar" que a mãe, por ocasião do exame, muito ansiosa, é que havia escutado mal.
E pensar que, antigamente, o ventre de uma mulher grávida era todo mistério! Nele não se intervinha com tanta frequência como atualmente, o que pensando bem é.... menos pontos para o passado. No remoto ano de 1948, eis com o que eu contei para nascer: as mãos de Dona Maria Juca, a oração de São Raimundo e... muita sorte! Depois, ao me cair o coto umbilical, também com a presteza que meu pai teve de o enterrar no quintal, bem fundo. Por quê? Ora, pelas terríveis consequências que poderiam me advir, em adulto, caso um bicho cavouqueiro adiante, por mal sepultado, encontrasse o umbigo. Uma delas seria virar ladrão.
(A esse desempenho de meu pai é que hoje atribuo o meu lento progredir na vida.)
Quanto ao antojo da engravidada, bem... não há como ignorá-lo. Por conta dele é que muito homem já foi pego, em quintal alheio, tentando apanhar cajarana, abiu ou coco-babão em pé vigiado a mastim. Embora se trate de crime afiançável, eu felizmente não tive de passar pelo vexame. Em seus caprichos de grávida, minha mulher só desejava as frutas facilmente encontradas no supermercado ou na quitanda da esquina. E, ampliando sua gentileza para com o maridão, se tínhamos um problema em comum a ser empurrado com a barriga, ela rápido intervinha: "Xá comigo!".
Corta agora para a gestação que deu origem a Érico, nosso primeiro filho. Nos meses de espera, minha mulher dizia que queria um filho de tez branca, cabelos louros, olhos verdes... - enfim, um nazista! Como se os seus hábitos de tomar banho de lua, pôr reflexos nos cabelos e usar lentes de contato verdes pudessem, de algum modo, influenciar o jogo genético! Já eu me contentava com menos. Desejava: um guri saudável e esperto a quem pudéssemos oferecer todo o nosso carinho. O que, aliás, está a lhe acontecer, mas com os dias de exclusivismo... contados!
É que algo de novo já pinta na tela da Ultra...
Estado interessante, esse... Em que tudo a gente tem de aprender, inclusive isto: "Diacho, qual é o telefone da casa de praia do Dr. Eduardo, nosso obstetra?".

Datas das publicações na mídia impressa: 
11/11/89 em O POVO - CULTURA e abril de 1990 no JAMB.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

MINHA CASA, MINHA DÍVIDA - 2

Em minha casa (que eu reconstruía, lembram-se?) no Cambeba, tive que solucionar diversos problemas. Um deles era a pouca iluminação natural que havia na sala principal. Dependia quase que exclusivamente da luz solar que entrava no recinto por uma abertura que existia no teto. A finalidade dessa abertura era permitir o acesso à laje da casa, o que se conseguia fazer após subir por uma escada de ferro em espiral.
Cogitei em fazer uma segunda abertura, na parede do fundo da sala, com a finalidade de corrigir a má iluminação. Só que, por haver um banheiro do outro lado da parede, o plano não pôde ser executado. Optei, então, por criar essa nova abertura no próprio teto, onde coloquei uma espécie de pergolado. A seguir, mandei revestir a tal parede (que eu não podia demolir) com seixos rolados de cor marrom. E com grama e mudas que plantei no chão a casa ganhou o seu jardim-de-inverno.
Vieram as chuvas. Só a primeira delas já danificou completamente a pintura das paredes laterais desse jardim interior. Poupou os seixos rolados (milhões de anos no fundo dos rios deram-lhes tarimba para enfrentar as águas). E o jeito foi chamar o pintor para novamente pintar as paredes. Serviço concluído, uma nova chuvarada fez o jardim-de-inverno retornar ao status quo ante, quer dizer, à situação de pintura estragada.
O pintor admitiu que a causa do problema era a massa corrida. Aplicada nas paredes, para deixá-las bem lisas antes de pintá-las, essa massa, como disse o pintor, "não podia ver água". Sabendo disso, autorizei-o a não usá-la mais. Apenas lixasse as paredes e aplicasse, em seguida, duas ou mais camadas de tinta sobre elas.
Não ficou o mais apurado dos serviços, mas o problema foi resolvido. E olhe que São José do Equinócio mandou fortes chuvas em 1988 e 89, a ponto de, num destes anos, a estação chuvosa ir ao encontro das chuvas do caju.
O que continuava sem solução era outro tipo de problema. Representado pela água das chuvas que se infiltrava na laje e ia pingar no interior do casa através dos pontos de luz - um tormento! Nem pensar em impermeabilizar a placa eu podia, pois o mestre de obras estava a construir sobre ela a Sé de Braga. Enquanto ele não a concluía, eu só podia assuntar o céu, rezar para que não chovesse e, com a leitura de um livro de auto-ajuda, tentar aloprar o menos possível.
Foi essa incômoda realidade que me inspirou a escrever, com a pena da galhofa, a "Goteira d'água". Uma paródia da canção "Gota d'água", do Chico Buarque.
Ora, que o Chico não vá achar isso ruim, porque aí eu mudo a música da "Goteira d'água" (a letra já é mesmo minha), e ele não vai ter mais nenhuma razão para se queixar.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

MINHA CASA, MINHA DÍVIDA - 1

O sonho que eu tinha de não morar mais na Aldeota um dia resolvi torná-lo em realidade. Ao comprar uma casa, recém-construída, no Cambeba, antigo Praque Iracema. Seduzido pela ideia de ir morar bem próximo de meu local de trabalho, o Hospital de Messejana.
Agora, apontar outra vantagem que a casa apresentasse, a isto eu não me atrevo.
Para começo de conversa, a aquisição daquele imóvel foi um negócio que eu fechei de forma intempestiva. Sem me submeter a um amadurecimento crítico sobre a relação custo/benefício do bem que estava a adquirir.
Devia inclusive ter desconfiado dos seguintes detalhes: o imóvel tinha sido construído por um corretor, mas estava sendo vendido por um engenheiro!
Apesar da boa aparência e do material razoável utilizado em sua construção, a casa era de uma total incongruência. Um verdadeiro exemplo de como uma delas não deve ser, principalmente quanto ao item divisão: cada dependência fora colocada em um lugar que ofendia o bom senso. Meu Deus, como eu não vira aquilo!
Seria o caso de passá-la em frente ou de reconstruí-la, e eu fiquei com a segunda opção. Não pululavam otários por aí, ainda mais quando um deles acabara de entrar em cena.
No dia seguinte à assinatura escritural, lá estava eu a demolir o imóvel. Querendo transformar aquela coisa em casa.
Ah, como doeu ver a primeira parede vir abaixo, ainda cheirando a tinta fresca!...
Durante meses, eu enfrentei um mestre-de-obras, pedreiros e auxiliares, carpinteiros, pintores... Um pessoal, que eu recrutara na região, a executar um trabalho "perfeito-lento", quiçá em busca de estabilidade no emprego. Também pudera! Com a minha descapitalização por haver comprado o imóvel, mais ligeiro eu não podia tocar as obras.
Em contrapartida, passei a ter contato com um universo novo, povoado de muiracuatira, chibangas, vitrais e lajes volterranas.
Aluguei o meu apartamento no Dionísio Torres. Levei a família para morar em meio às obras, acreditando que assim poderia dar um melhor acompanhamento aos trabalhos em andamento. Sem falar no reforço de caixa que passei a contar com o aluguel do apartamento. Infelizmente, o ritmo das obras não melhorou muito, e eu tive que aceitar aceitar o trabalho "imperfeito-rápido" das empreitadas. Digam o que quiserem, mas foi isso que me permitiu concluir as obras a tempo de mudar para outra casa.

sexta-feira, 25 de março de 2011

DOENÇAS PROFISSIONAIS

Seborreia - Livreiro (de livros usados)
Terçol - Rezadeira
Câncer - Horoscopista
Hérnia de hiato - Gramático
Hérnia de disco - DJ
Calculose - Matemático
Labirintite - Rendeira
Volvo - Caminhoneiro
Escoliose - Diretor escolar
Anexite - Burocrata
Blefarite - Jogador de baralho
Malária - Carregador de malas
Fisgadas (precordiais) - Pescador
Fogo selvagem - Guarda florestal
Tocotraumatismo - Madeireiro
Tísica galopante - Jóquei
Bico de papagaio - Ornitólogo
Mal dos caixões - Agente Funerário
Tinha - Empresário (falido).

Doenças tornadas "profissionais" pelo jogos das palavras.

sexta-feira, 18 de março de 2011

MÉDICO, PROFISSÃO HUMORISTA

A quem me lê hoje. 
A quem me lerá meses após na sala de espera de um dentista.

Era um senhor inflexível em suas posições ideológicas, daqueles que tentam a todo custo fazer proselitismo. E a nossa conversa, naquele domingo (que merecia coisa melhor), tinha sido marcada pela aspereza. Avisado por terceiros de que eu escrevia humor, ao fim do entrevero verbal, o meu adversário sai-se com esta: "Ah, então toda essa nossa conversa vai ser publicada?! Pois eu vou ler no jornal".
Fechei-me para meditar sobre aquela proposta - um autêntico tirar leite das pedras!
O que os colegas humoristas escrevem não nos dá assunto. Mostra-nos a técnica, os recursos utilizados - o que não é pouca coisa - e, por vezes, nos inspiram para analogias. O assunto mesmo nós temos é que tirar do quotidiano, da leitura de um livro bem cacete, dos programas de TV... Daquele "tijolão" que, ao ser aberto, esvoaçam as traças. E que, no meio delas, está a musa que preside o humor.
Um equívoco é pensar que o escritor de humor sabe contar uma boa anedota. Ora, numa roda de amigos, raramente eu me lembro de uma... por mais que esprema a memória. Apesar de já ter arquivado nela as "Anedotas do Pasquim", do primeiro ao oitavo volume, as obras completas do Chico Anysio e os casos gauchescos. E se, acaso, de uma delas eu me lembrar, para que vai servir? Não vou saber desembuchá-la como faz um bom contador de piadas.
Uma piada é um diamante bruto a ser lapidado: isso é tarefa para um escritor. Mas a lapidação que ele faz não extingue  o diamante que continua a existir na joia. À espera de um contador de piadas que lhe retire as novas faces que a lapidaria lhe acrescentou.
Outro engano é imaginar que o humorista é uma pessoa sempre agradável e comunicativa. A ser colocado no mesmo plano do comediante, do clown e do bobo da corte. Ledo ivo engano. Há-os inclusive coléricos e irascíveis. E há os que se fecham num imutável mutismo como o genial Luís Fernando Veríssimo. Que não perde a linha nem quando atende o telefone.
Não conheço LFV. E passo adiante o que Carlos Eduardo Novaes disse sobre o colega, enquanto papeava com admiradores no restaurante "Trattoria", aqui em Fortaleza.
Mamma mia! Ainda bem que a moda do "piadokê" acabou logo.