sexta-feira, 7 de outubro de 2011

O LAR SINGULAR DE JORGE GEORGE

No ano fiscal de 1972, Jorge George morou no Rio. Mais precisamente: Jorge George morou no elevador social de um edifício na Prado Júnior, nas proximidades do Beco da Fome. Um elevador espaçoso (aliás, sobejamente espaçoso se atentarmos para o fato de que não botavam forro de proteção em dia de mudança), com a capacidade máxima para oito pessoas e que contava com uma razoável assistência técnica. Jorge George sonhava ser cidadão de Copacabana e sucedia que, àquela freguesia, só havia aquele elevador cabível no orçamento. Era pegar ou... usar as escadas de um prédio. Ah, os bons tempos bicudos...
A princípio, Jorge George enfrentou a incompreensão dos moradores do edifício. Um deles, por sinal o mais iracundo, era Severino, do 403. Ele, mulher e filhos totalizavam oito "paraíbas", a capacidade máxima do elevador como já vimos; mas, com Jorge George dentro... Por isso, antes que alguém fosse ao fundo do poço, Jotagê, o nosso cuidoso Jorge George, se prontificou a sair do ascensor, sim, toda vez que a ponderável família Severino do utiliário precisasse. E se alguém mais falava contra sua permanência no elevador, sem tardamento Jotagê o punha cativo. Não com palavras, mas com atos. Como, por exemplo, o de pagar rigorosamente em dia a taxa de condomínio.
Vá lá que ele fosse considerado um habitante atípico de Copacabana. Mas... se existia "entonces" tanta gente vivendo na corda bamba por que, à vista disso, um que outro não podia morar num elevador? E, não preciso ir muito longe, em seu habitáculo Jorge George foi o precursor do palatável apartamento-cápsula, hoje moda no Japão. Também não me perguntem a razão da moda do apartamento-cápsula pegar justo no Japão, um país sem problema de espaço (tenho um mapa do Japão nos tempos do almirante Yamamoto que prova isto).
No diuturno sobe-e-desce do elevador, Jorge George presenciava todos os colóquios. Os que falavam na alta dos gêneros de primeira necessidade (DESCE), os que comentavam sobre a penúltima queda do cruzeiro (SOBE) - os papos de antanho, enfim, batidos sempre na tecla do otimismo. E ia conhecendo, pouco a pouco, a alma de cada inquilino do edifício, inserindo-se nesse hetero-conhecimento a do Sr. Poucafé, residente no 601. O reservado Sr. Poucafé, julgado pelas vezes em que pegou o elevador sobraçando melões, era, podia-se apostar neste juízo, um melômano incurável. Mas, diabos, quantas estórias ficavam com o desfecho ignorado - para Jotagê - pois, no melhor delas, o raio do elevador tinha chegado ao rés-do-chão.
Não esqueçamos, porém, as desvantagens do "lar-singu-lar" de Jorge George Bizarria. Uma delas, o diminuto espaço-tempo para suas privacidades. O que fez com que, certa ocasião, fosse flagrado com uma loura da boca pintada em coração que trabalhava com prendas da rua. Deu a maior "confa", o semostrador terminou nos braços da polícia, pois leguleio nesse mundo-de-meu-deus é que nunca faltou. Como circunstância atenuante Jotagê alegou não ter passado de 1/4 de ereção. Contudo, não se livrou de uma comprida temporada na prisão, cumprida (felizmente) num posto policial móvel.

Conto publicado em O POVO, de 27/05/84, 
e em A FERRAGISTA, de agosto de 1986.

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