sexta-feira, 28 de outubro de 2011

A FESTA DOS SÓSIAS

Há algum tempo Jorge George vinha identificando pessoas que lembrassem fisicamente celebridades da política, do esporte e do "showbiz". Se, por exemplo, ele conhecia alguém parecido com o lutador Madzilla, tornava-se amigo do conhecido, de longa data, oferecendo-se inclusive para ser sparring - em troca de saber o endereço e o número do telefone.
Estes detalhes tinham a ver com uma festa de arromba que ele estava planejando. Uma festa à base de sósias, que colocaria Fortaleza no mapa dos grandes acontecimentos.
Nessa festa, cada sósia teria de atuar, falar, vestir-se etecétera e tal como se fosse o original. Para isso, ia receber cachê - além de participar de uma grande boca livre. O que, aliás, ficaria mais em conta para o anfitrião do que trazer o popstar propriamente dito, que, além de cobrar um cachê mais alto, resultaria em gastos adicionais com passagens aéreas, hotel e carro com motorista.
Daqui em diante, vou me referir aos sósias como se eles fossem as pessoas representadas. Fica mais objetiva a descrição dessa festa que, por sinal, não terminou bem.
Os convidados não cumpriram os termos pactuados. A começar por Jorginho Guincho que devia chegar de limusine, fazendo um ar blasé... O ar blasé até que ele fez, mas, pasmem, ele chegou de carona num caminhão limpa-fossa. Foi o primeiro sinal de que a coisa ia dar em m...
Nas rodas que se formaram, Robalo Certos dizia repetidamente que ia transformar o iate Lady Di numa baleeira. Loola, com o português para lá de escorreito, não deixou escapar um único "menas". E Armário Covas, se tivesse bebido água quente de torneira como foi aconselhado, pelo menos podia ter disfarçado aquela voz de castrato.
Rushdie, cercado de amigos xiitas... Supla, ninguém sabia se era o pai ou o filho...
Só Jucas Chave, com seu repertório de velhas piadas, parecia autêntico.
A citação de tantos nomes masculinos deixa a impressão de que foi uma festa only for men. Não, não foi. Kássia Elle esteve por lá representando o mulherio.
Como toda festa que se preza tem bicão, a Cover in Fort teve o seu. E, para ter certeza de que o penetra não faltaria, Jorge George cercou o acontecimento de sigilo, impedindo que filtrasse qualquer informação. Foi assim que Bigorrilho (o original) deu o ar de sua desgraça.
Também vieram as tietes do Agreste e da Zona da Mata.
Tô lhe contando que é pra lhe dar água na boca, como diz o Chico. Aliás, o sogro do Carlinhos Marrom só falava em levar a experiência da UDR para Cuba.
Apesar de amestrados, os colunistas saíram indignados com a farsa. Prometendo que só estariam na próxima edição da festa se o anfitrião estalasse os dedos para eles. E o vexame só não foi maior porque Jorge George não estava lá. Quem estava era um sósia dele, claro.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

JORGE GEORGE EM RITMO DE DESVENTURA - 2.ª PARTE

E prosseguiram a viagem. Com o taxista chupando uma ponta de cigarro vitalícia, um sufoco. Até que... a fumaça começou a mudar o odor para melhor, haviam chegado à churrascaria. Desceram. Pensando na etapa seguinte, Jorge não dispensou o táxi.
E comeram e beberam e conversaram. Ao fim de uma picanha, e também querendo ser picante, Jorge falou de sua doença. "Priapismo. Em Marrocos me curaram em excesso." Embevecida, Petúnia abriu as pupilas que um dia fizeram a desgraça do Sr. Reitor. Com isso, ele sacou logo: a fêmea topava ir a um motel de classe; mais: queria suíte com hidromassagem e cascata. Era um desejo tão evidente que, vamos mas não venhamos, seria grossura da parte dele pedir uma confirmação no plano verbal.
Jorge foi apresentado à conta. "Quinhentos cruzados, senhor, com o frete já incluído." Na nova profissão o garçom vinha passando por um período de adaptação. E Jorge George autografou um cheque de quinhentos cruzados de frente, mas sem fundos. Até o dono da casa veio pessoalmente agradecer. "Compraremos uma carne de moita de referência para o caso de o senhor voltar aqui."
- Ótimo. Mas troquem também o óleo de fritar batatas, sugeriu Jorge.
Agora, era sair dali conduzindo a mulher. Mas Petúnia pediu tempo. "Preciso retocar o batom."
Meio nervoso, Jorge a viu desaparecer no rumo do toalete.
"Meu Deus, como ela demora. Depois do batom vem o rímel? E depois do rímel?..." Petúnia remanchava...
- Ei, amigo...
Era o garçom que interrompia o benemérito Jotagê em suas divagações. Umas divagações que terminavam sempre no saguão do Banco Central.
"Bem, pelo tratamento amistoso que ainda me dispensa, não deve estar pondo meu cheque... em idem", pensou Jorge.
O garçom prosseguiu:
- A moça se mandou.
- Mas como?
- Arrodeou a churrascaria pelos fundos e pediu carona a um motoqueiro.
Desgraçou geral. Foi ele se fiar na fidelização de Petúnia, e viram só no que deu. Ainda bem que o táxi o esperava para levá-lo de volta.
Deu o toque de retirar:
- Pela Mister Rau, motorista. E não precisa respeitar as motocicletas, não.
Ninguém julgue a madrugada pela boca da noite. Por essa desfeita, ele passou o metazoário, isto é, a esponja. Enquanto espera o dia em que vai penetrar o coração de Petúnia, nem que seja usando uma chave mestra.

Espero que tenham gostado deste conto em duas capitulações. Não haverá para ele uma versão cinematográfica de que venham a gostar mais. PGCS

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

JORGE GEORGE EM RITMO DE DESVENTURA - 1.ª PARTE

Amor louco - ele muito e ela pouco. 
Provérbio
Jorge checou a si próprio (não dizem que o primeiro ego é o ego corporal?) para ver se a imagem estava ótimo. Estava: dos pés às cabeça. Faltava só retocar a mecha de cabelo que caía sobre a testa, vulgo pega-rapaz, pronto, para que ele agora tocasse a campainha do apartamento de Petúnia. Oito, cinco, sete, dois, três, um, seis, quatro... triiim. Ah, Jorge George está nervoso. Por isso, não reparem na contagem regressiva que ele acabou de fazer.
Jorge e Petúnia: de algum tempo se conheciam, mas ainda não eram íntimos. Perita em artes venusianas, a moça já havia despachado três anginosos para o além, Jorge não sabia disso. E mesmo que soubesse, ele não pularia fora. Logo mais, o tão aguardado programa a dois deveria acontecer e, benza deus, que outros depois acontecessem. Anginoso? Não, não era. E para matá-lo só mesmo com o recurso do fio desencapado na banheira.
O olho mágico do apartamento de Petúnia fora instalado ao contrário. Através dele Jorge espiou a voluptuosa moradora. Ela vinha vindo bela como nunca, como se fosse Vênus, a Calipígia, para lhe abrir a porta. Enquanto ele, lá fora, era um fauno que mal se continha nos cascos, perdendo até a noção comercial do tempo. Quem já deixou táxi parado marcando hora sabe o que estou a dizer.
Aberta a porta, Jorge a desarmou de uma tramela e abraçou-a com uma sofreguidão - sem retorno! Em seguida, houve uma espécie de interlúdio, que consistiu de uma sequência de corridas que eles fizeram, em torno de uma mesinha de centro, no sentido dos ponteiros do relógio. Até que a fêmea se deu por capturada. E, como sempre faz quando quer mostrar que é senhor de uma situação, ele rasgou (já na primeira tentativa) a lista telefônica de Barroquinha.
Notou também que ela estava mais baixa que de costume.
- Por que não está de sapatos altos?
- Não consegui subir neles.
- OK, então vamos.
À saída, ainda foi preciso desarmá-la de uma faca de furar porco.
Lá fora, o táxi em que ele viera aguardava o casal. Marcando hora parado. Por um problema na pinceleta da grampola, o carro de Jorge se achava numa oficina e ele esquecera o endereço.
Mergulharam no táxi, não tinham tempo a perder. Jorge George deu o nome de uma churrascaria da zona oeste da cidade, muito conhecida pelas promoções de espetinhos.
O motorista tinha a barba amanhecida (embora fosse noite) e os ombros resolutos. Ele sopesou o primeiro detalhe; ela, o segundo.
Na Míster Rau, por pouco, não atropelaram um motoqueiro.
Jorge cutucou o taxidermista (este nome é ótimo):
- Ei, você não viu?!
O outro preferiu apontar para um adesivo colocado no para-brisa do táxi. Onde ele leu: EU RESPEITO JAMANTA. Sem discussão.
(a continuar)

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

O LAR SINGULAR DE JORGE GEORGE

No ano fiscal de 1972, Jorge George morou no Rio. Mais precisamente: Jorge George morou no elevador social de um edifício na Prado Júnior, nas proximidades do Beco da Fome. Um elevador espaçoso (aliás, sobejamente espaçoso se atentarmos para o fato de que não botavam forro de proteção em dia de mudança), com a capacidade máxima para oito pessoas e que contava com uma razoável assistência técnica. Jorge George sonhava ser cidadão de Copacabana e sucedia que, àquela freguesia, só havia aquele elevador cabível no orçamento. Era pegar ou... usar as escadas de um prédio. Ah, os bons tempos bicudos...
A princípio, Jorge George enfrentou a incompreensão dos moradores do edifício. Um deles, por sinal o mais iracundo, era Severino, do 403. Ele, mulher e filhos totalizavam oito "paraíbas", a capacidade máxima do elevador como já vimos; mas, com Jorge George dentro... Por isso, antes que alguém fosse ao fundo do poço, Jotagê, o nosso cuidoso Jorge George, se prontificou a sair do ascensor, sim, toda vez que a ponderável família Severino do utiliário precisasse. E se alguém mais falava contra sua permanência no elevador, sem tardamento Jotagê o punha cativo. Não com palavras, mas com atos. Como, por exemplo, o de pagar rigorosamente em dia a taxa de condomínio.
Vá lá que ele fosse considerado um habitante atípico de Copacabana. Mas... se existia "entonces" tanta gente vivendo na corda bamba por que, à vista disso, um que outro não podia morar num elevador? E, não preciso ir muito longe, em seu habitáculo Jorge George foi o precursor do palatável apartamento-cápsula, hoje moda no Japão. Também não me perguntem a razão da moda do apartamento-cápsula pegar justo no Japão, um país sem problema de espaço (tenho um mapa do Japão nos tempos do almirante Yamamoto que prova isto).
No diuturno sobe-e-desce do elevador, Jorge George presenciava todos os colóquios. Os que falavam na alta dos gêneros de primeira necessidade (DESCE), os que comentavam sobre a penúltima queda do cruzeiro (SOBE) - os papos de antanho, enfim, batidos sempre na tecla do otimismo. E ia conhecendo, pouco a pouco, a alma de cada inquilino do edifício, inserindo-se nesse hetero-conhecimento a do Sr. Poucafé, residente no 601. O reservado Sr. Poucafé, julgado pelas vezes em que pegou o elevador sobraçando melões, era, podia-se apostar neste juízo, um melômano incurável. Mas, diabos, quantas estórias ficavam com o desfecho ignorado - para Jotagê - pois, no melhor delas, o raio do elevador tinha chegado ao rés-do-chão.
Não esqueçamos, porém, as desvantagens do "lar-singu-lar" de Jorge George Bizarria. Uma delas, o diminuto espaço-tempo para suas privacidades. O que fez com que, certa ocasião, fosse flagrado com uma loura da boca pintada em coração que trabalhava com prendas da rua. Deu a maior "confa", o semostrador terminou nos braços da polícia, pois leguleio nesse mundo-de-meu-deus é que nunca faltou. Como circunstância atenuante Jotagê alegou não ter passado de 1/4 de ereção. Contudo, não se livrou de uma comprida temporada na prisão, cumprida (felizmente) num posto policial móvel.

Conto publicado em O POVO, de 27/05/84, 
e em A FERRAGISTA, de agosto de 1986.