segunda-feira, 23 de março de 2009

O CADERNO DN - CULTURA

No período de 1987 a 89, fui colaborador do DN - CULTURA, o caderno de cultura do Diário do Nordeste. Foram dois anos em que, aos domingos (em semanas alternadas), eu tive a satisfação de ver meus contos, crônicas, poemas e "picles" serem publicados nesse meio de comunicação.
Graças à atenção que o jornalista Carlos Augusto Viana dispensava a meus escritos.
Após revisados, eles serão aqui postados. Aos poucos, né?!

terça-feira, 17 de março de 2009

SOBRE A AUTODESTRUIÇÃO

"Chamar um artista de mórbido porque trata do tema da morbidez é um disparate tão grande quanto chamar Shakespeare de louco porque escreveu Rei Lear." Oscar Wilde
AVISO: NÃO LEIA SE VOCÊ FOR UMA PESSOA SENSÍVEL
[...]
15/08/2017 - Atualizando ...
Para encerrar o disse me disse que acontece nos comentários, resolvi mostrar uma das minhas intervenções nas horas vagas:
13/11/2018 - Atualizando ...
Nove anos depois de publicado no Preblog, esta postagem líder de visualizações continua provocando protestos (por vezes insultuosos). Como finalmente me convenci de que não era lá grande coisa, retornei-o para rascunho. Nesta situação, não estará mais disponível para o público.
A propósito: hoje é o Dia da Gentileza.

quarta-feira, 11 de março de 2009

NOITES DE CÃO

Triiim... Triiim... Triiim...
Mary Rose despertou, enfiou os pés nos chinelos e dirigiu-se ao telefone.
- Alô?!
- Uuuu. Uuuu. Uuuu. Uuuu.
Do outro lado do fio, a voz que uivava - a quinta noite consecutiva que isso acontecia - e, como nas vezes anteriores, às três horas da madrugada.
Mary Rose, no resto da noite, não mais conseguiu dormir. Por mais que contasse cobras e lagartos... cobras e lagartos.... cobras e lagartos... não conseguiu dormir. Amanhã, cretino, iria ter outra vez com o policial Smith Joe. Quem sabe, Smith Joe, a essa altura, já tivesse no bolso do colete, junto com o pirulito, o nome do engraçadinho dos uivados telefônicos. Amanhã, maldito. A vingança, aprendera algures, é um prato que se come frio.
Hoje, maldito. Mary Rose pôs-se fora da cama. Manhã, com azia e olheiras. Não quis, não estava a fim de alimento algum: "breakfastio" (ou, talvez, por desejar apenas aquele prato frio). Procurou Smith Joe no Departamento de Trotes da Polícia. Smith Joe, do DEPTROT, era um corpulento policial que, nas horas vagas, gostava de tocar piano à maneira de acordeão. Também gostava de ser eficiente. Durante a noite, em operação conjunta com um "trotecista" da Companhia de Correios e Telefones, mantivera sob escuta o telefone de Mary Rose. Então, quando ela o procurou, Smith Joe já sabia qual fulano fizera a chamada das três horas da matina.
- O telefone está no nome de Kenneth Paul. Conhece-o?
- Kenneth Paul? Co'os diabos, é meu vizinho.
- Existe alguma rixa entre ambos?
- Não.
Smith Joe solicitou o comparecimento de Kenneth Paul no DEPTROT. Comparecimento amigável, querido Paul. Venha, querido Paul. Ou, do contrário, irei eu, aí, lhe aplicar uns telefones. Telefones na gíria policial, querido Paul. Quem pergunta se penico de barro faz zoada, acaba mais cedo ou mais tarde... pedindo penico. (Esta última frase era a cara de Smith Joe. Ele a citava por todo, qualquer ou nenhum pretexto.)
Meia hora após, Kenneth Paul estava no DEPTROT. Enfrentando o olhar feio de Mary Rose, sob o olhar de leguleio de Smith Joe.
- Paul, meu vizinho, por que esses trotes bestas?
- Mary Rose, a senhorita tem um cão...
- Que tem Vociferous com isso? Não faz mal a uma aranha.
- Vociferous uiva à noite. Um pouco antes das três horas da madrugada.
- Não percebo. Nessa hora estou numa fase REM (rapid eye movements) do meu sono.
- Também estou numa fase REM. Mas Vociferous me acorda.
- Por isso, me dá aqueles telefonemas eivados de uivados?...
- Sim, até que você se desfaça do cão.
- Eu me desfazer de Vociferous? Never.
- Então, vamos ser solidários na insônia.
- Fico sem telefone, mas Vociferous continua comigo. Com casa, comida e coleira lavada.
- Comida, você falou? Carne com vidro moído, por exemplo?...
- Atreva-se, Paul.
Foi quando o pirulito de Smith Joe acabou. E, para descer à bombonière, ele precisava antes de tudo pôr um termo àquela discussão. Pensando nisso, Smith Joe sentenciou:
- Bote uma focinheira no cão, senhorita.
Valeu. Com Vociferous agora de focinheira, durante a noite, os dois vizinhos voltaram às boas.
Vejamos, então, o que acontece  a Mary Rose quando ela, às três horas da calada, atende o seu telefone:
- Alô?!
- Mupf. Mupf. Mupf. Mupf.

terça-feira, 3 de março de 2009

ESCREVENDO COM NÚMEROS

Raimundo Magalhães Júnior nos relata uma recreação que esteve em voga no Brasil, aí pela segunda metade do século dezenove: escrever com números. Nesse passatempo, os números eram inseridos em palavras para que fossem lidos como sílabas destas. Quando, por exemplo, alguém compunha "bisc-8", era "biscoito" que se devia ler, por interessar apenas o sentido fonético do número.
Eis algumas sentenças, pinçadas no autor supracitado, para dar uma idéia mais completa do assunto: "O 10-engano é o castigo do 7-tico" (o desengano é o castigo do cético). "O 10-tino do 9-lo é ser 19-lado" (o destino do novelo é ser desenovelado). "O mí-0 está sempre 10-contente" (o mísero está sempre descontente). E ainda: "A baleia, que bem conhe-6, produz o esperma-7" (a baleia, que bem conheceis, produz o espermacete).
Já foi uma mania nacional. Isso que, em dias mais recentes, encontra-se vestigialmente em pára-choques de caminhões. Carneiro Portela, em seu "Máximas, Adágios e Legendas de Caminhões", registra alguns exemplos: "70 me passar, passe 100 atrapalhar", "60 no bar, 70 sair 100 pagar, aí eu mando a polícia 20 buscar". Também atento à fraseologia burlesca veiculada pelos caminhões estradeiros, o autor destas linhas anotou do pára-choques de um deles, esta legenda inusitadamente escrita com números fracionários: "Rezei 1/3 a fim de encontrar 1/2 de te levar a 1/4".
Pertence a Filinto de Almeida, que se assinava F. d'A, a composição de maior fôlego desse passatempo. Ele, no último quartel do século dezenove, publicou no "Jornal do Povo" do Rio de Janeiro, os seguintes versos, todos eles terminados por números:
"Veio um dia ao Brasil um holan-10
E comeu de uma vez tanto bisc-8
Que de cheio e repleto nem 60
E fez por causa disso o diabo a 4.
Dá-lhe logo o doutor tão forte 12
Que ao ventre causou-lhe mil 10-as-3.
Então suplica o enfermo a um fran-6
Que era dos seus lamentos triste ou-20
Que por graça à saude lhe re-9,
Pois que ele a tinha forte como um br-11.
E o súcio, escutando a voz do mí-0,
Compassivo a curá-lo então 70
E curou-o metendo-lhe o ca-7!"
Esse F. d'A era um n-1-mero, vocês não acham?

(escrito em 1983 e revisado em 2009 
para publicação no Preblog e no EntreMentes)

segunda-feira, 2 de março de 2009

OUTRA DO BARNABÉ SEM PÉ

Meu Deus, como é frágil a saúde dos governantes de uma nação! Volta e meia ficam dodóis de enfartes, bolsas de gorduras nas pálpebras, ciáticas, abscessos retroperitoniais e fístulas do duodeno. Tanto que, há muito, já exclui essas doenças dos "livrai-os, Senhor" de minhas orações matinais. Em compensação, estou rezando em dobro para que eles jamais venham a sofrer da mais ominosa das doenças.
A mais ominosa das doenças é, a meu ver, a que ocorre no ouvir: cera nos ouvidos. O governante que adoece com essa moléstia fica inteiramente surdo ao clamor dos governados e, mais gritante ainda, ao clamor dos funcionários de sua administração. É capaz de, entre outras mazelas, reajustar os salários do funcionalismo em 40 mais 30 por cento (depois de um ano em que a inflação foi 99,7 por cento) e, no final das contas, achar(-se) o máximo. Felizmente, isto (a tal doença no governante, suas consequências nos governados) "jamais aconteceu no Brasil", numa prova de que "Deus é...".
Tenho um companheiro de infortúnio, digo, de repartição, que se chama Antonomásio. Desconfio que ele tenha sido batizado com água quente, pois esquenta a cabeça facilmente. Ao saber que, num distante país, o funcionalismo público tinha sofrido um reajuste salarial de 40 mais 30 por cento, que era igual a 82 por cento, quando a inflação havia sido 97,7 por cento no ano anterior, ficou uma fera sem bela. Tomou para si as dores alienígenas e foi deblaterar em praça pública:
- Este reajuste salarial é uma empulhação.
Mas logo apareceu um sujeito, também funcionário público, que, empinando sobre os coturnos pediu licença, isto é, não a pediu para discordar de Antonomásio. Seguiu-se uma discussão dos 82 por cento de Antonomásio contra os 110 por cento do de coturnos, que somente terminou quando este último gritou:
- Boto a tropa na rua.
Antonomásio falante estava, calado ficou. Depois veio me procurar para que eu refizesse, ou não, os cálculos seus de matemática salarial. Ora, Antonomásio, eu não me interesso por matemática salarial do além-mar, sim, mas você é um descendente direto de Não Euclides, o famoso criador da não menos famosa geometria não euclidiana, só que a genética não funcionou em mim, Antonomásio.
Não, mas eu não ia deixar Antonomásio no mato sem cachorro. Lembrei-me de que Sônia, minha namorada, interessava-se por esse tipo de assunto e até colecionava os artigos de jornal do Joelmir Beting. Entretanto, Sônia e eu, há cerca de uma semana, estávamos brigados por um motivo de somenos. Paulo, este grampo que eu encontrei em seu sofá-cama, não é um grampo, é, não é, é, então é seu, eu só uso grampo da marca Teimosão.
Por que só há juízes em Berlim? Deveria existir em Fortaleza um juiz, pelo menos um, para arbitrar essas pendências de namoro. Eu ganharia aquela questão inclusive, porque não era um grampo e sim um burocrático clipe-acima-de-qualquer-suspeita. Como sinal de reconciliação, embora também querendo ajudar Antonomásio, liguei para Sônia, quebrando o gelo baiano que se interpunha entre nós.
- Sônia, você ainda tem aquele artigo do Beting?
- Qual?
- O do "Barnabé sem Pé", que trata do "aumento" do funcionalismo público federal.
- Tenho sim, recortei do jornal.
- Vê aí o que ele diz.
- Que o reajuste foi de 40 por cento em janeiro e será de 30 por cento em junho...
- Prossiga...
- Considerando, porém, a corrosão pela inflação que ocorrerá entre os dois meses, o "aumento" é realmente de 61,5 por cento. 
- O "aumento" é de 61,5 por cento?
- É.
Nisso, Antonomásio, que estava a meu lado, retirou-se bruscamente. Tinha a cara de quem ia fazer uma besteira, do tipo enfrentar tropa na rua, e eu não consegui segurá-lo pelo cotovelo. E olhem que nada foi comentado, em sua presença, sobre a hipercorrosiva inflação de quase 10 por cento apenas no mês de janeiro, nesse remoto país que... tanto mexe com Antonomásio.