sábado, 24 de novembro de 2012

TROVAS

Quero fazer uma louca
Viagem - com escarcéu,
Beijando ardente tua boca,
Esse meu tangível céu.

Cavalgando bem veloz
Para longe (upa! upa!)
Do meu bem. Que peso atroz
A saudade na garupa!

O sertão todo emudece
Quando toco (não me queixo)
Minha viola que parece
Um bom violão ovation.

Amigo a gente avisa
Aquilo que tem bom uso
Pra ver a Torre de Pisa
Fique no ângulo obtuso.

- Olha um cruzeiro no chão,
Achado assim é um regalo!
- Deixa pra lá, cidadão,
Que não compensa apanhá-lo!

sábado, 17 de novembro de 2012

PALHAÇOS

-
O palhaço Pipoca
é o aliciador das crianças,
é a imagem bem comportada
do riso, da verve, das danças.
Quando ele desponta na rua,
como senhor da luz e do brilho,
a criançada se agita, festeja
e deseja que nunca
acabe o milho.

O palhaço Papoco
é o assustador dos meninos,
é a atabalhoada figura
do chiste, dos ditos ferinos.
Quando ele irrompe na praça,
com o seu medonho grito, o torpe
papel de vilão, é que ele vê
que dureza é não ter
nenhum ibope.

sábado, 10 de novembro de 2012

A CONJURAÇÃO DOS ÓRGÃOS

Pra respirar o nariz
nem liga pro dono agônico,
funga o gás, fica feliz
quando o descobre: carbônico!

Os pulmões, aqui se frise,
pois trinta e três vezes sei:
só pensam na hemoptise
que algum dia eu terei.

E o coração é o tropeço
de quem comete infração.
Absolvido ao avesso,
minha pena é a solidão.

E as mãos? Com essas mãos
que crescem de mim agora,
varo o bidimensional,
pego a moldura por fora.

Assume a boca o poder
fenomenal, absoluto
de expressar o ser-não-ser
à base do anacoluto.

Já o estômago, essencial
que se mantenha famélico.
Acima do bem e do mal,
Não é ele pantagruélico?

Enquanto vão os intestinos
com fúria iconoclasta
desdobrando os mais divinos
manjares... em uma pasta!

Pra não esquecer (desvario!)
o meu passado abissal,
gota a gota, enfim eu crio
um dilúvio vesical.

sábado, 3 de novembro de 2012

COMO VENCER NA MPB

(SEM FAZER FALSETE)
A finalidade deste artigo é fornecer subsídios ao leitor que pretende se tornar um compositor de Música Popular Brasileira.
Inicialmente, refuto aquela ideia estereotipada de que basta o aprendiz de compositor dedilhar o seu violão, numa mesa de bar, para que uma inédita canção apareça tão rapidamente quanto um prato de batatas fritas. A inspiração, caro leitor, seja poética ou musical, poucas vezes tem essa espontaneidade e, na maioria das situações, é um pão - pão do espírito - feito com muito suor do rosto do artista.
Entretanto, dizer que a MPB - assim carinhosamente chamada - seja alguma coisa esotérica, eu não intenciono. A prova é que trago a lume o segredo de algumas técnicas que, caso sejam adotadas pelo leitor, poderão levá-lo a acrescentar novíssimas páginas musicais no Livro de Ouro da Música Popular Brasileira. São métodos de composição, verdadeiros macetes de eficácia comprovada desde a Era Donga.
MÉTODO PESO-PESADO - Deu certo com o Kid Pepe, um boxeador aplicado, que se imortalizou com "O Orvalho Vem Caindo". Noel Rosa, cujo queixos não era de suportar socos, logo no primeiro round lhe deu a parceria desta música. Se o leitor é forte como um rinoceronte ou domina as artes marciais é este o método mais indicado.
MÉTODO CAÇA AO PASSARINHO - Consiste em adotar uma canção feita por quem não apresenta o preparo suficiente para a paternidade. Caso advenham pruridos de natureza ética pela rapinagem lembre-se de que "samba é como passarinho, é de quem pegar primeiro".
MÉTODO CONSTRUIR JUNTOS - Somente é exequível entre dois indivíduos que sejam amigos do peito, irmãos e camaradas. É como o casamento em regime de comunhão de bens: o que um fizer é do outro e vice-versa.
MÉTODO RATO-DE-GAVETA - Um exemplo típico aconteceu a Pixinguinha, que possuía uma música - sem letra - pegando ranço nas gavetas. Quando apareceu o Braguinha todo "Carinhoso"... Desaconselho o método para quem for asmático.
MÉTODO CORRIDA DO OURO - Consiste em explorar o rico filão do folclore nacional. Mas, como ele não é tão inesgotável assim, vai chegar o dia em que só o Câmara Cascudo conseguirá compor alguma coisa no gênero.
MÉTODO MÁQUINA DO TEMPO - O leitor pega nuns versos de um poeta que já bateu as botinas e leva o declamatório da boca ao gogó. Para prevenir contratempos, verificar se o falecido poeta, além das redondilhas, deixou herdeiros atentos.
MÉTODO BIÔNICO - É tipo assim: o leitor escolhe algo da Dolores Duran, música e letra dessa autora. Aí, aplica uma nova música na letra existente. Depois, cria uma nova letra para esquecer o passado. E serve, de preferência, com um arranjo bem modernoso.
MÉTODO BOI-DA-PIRANHA - Já ouviu dizer do boiadeiro que, para atravessar com o rebanho um rio infestado de piranhas, sacrifica um dos seus bois? O Chico Buarque que o diga. Nas vezes em que ele, para atravessar com alguma letra as turvas águas da Censura, precisou sacrificar todo um rebanho de letras alternativas nos dentes cortantes dos censores. É um método que só funciona em pessoa Geni(al).
MÉTODO CHARANGA - Se o leitor até aqui não conseguiu se arranjar com um dos métodos já descritos, a opção que resta é compor hinos para times de futebol, pois isto até o Pedro Bó faz. Como no futebol, os hinos de clubes têm também suas regras e palavras tais como: glória, campeão, vitória, tradição, luta, coração etc. são de emprego compulsório.
Domingo, 1º. de junho de 1980
N.B.
Este texto foi lido em uma reunião do Grupo Siriará de Literatura, estando presente o escritor Moreira Campos.