sábado, 29 de dezembro de 2012

A SEQUÊNCIA DE UMA POLÊMICA

UM DIA NA VIDA DE J. NATURA, O ECÓLOGO - Paulo Gurgel
A Ferragista, junho de 1981 (ano 5, n°. 57)
Cartas do Povo, 19/07/81
LUCIDEZ, "COQUEIRÓFILOS"! - Paulo Gurgel
A Ferragista, julho de 1981 (ano 5, nº. 58)
Cartas do Povo, 20/07/81
"J. NATURA, O ECÓLOGO" (RÉPLICA) - Oswaldo Evandro
Cartas do Povo, 29/07/81
LUCIDEZ, J. NATURA (TRÉPLICA) - Paulo Gurgel
Cartas do Povo, 07/08/81
CARTA A UM COMPANHEIRO COQUEIRO - Hugo Barros da Costa
A Ferragista, agosto de 1981 (?)
NO CAMINHO DE DAMASCO (EPÍLOGO)- Paulo Gurgel
Inédito

sábado, 22 de dezembro de 2012

OUVINDO MAL

1 Pessoas de uma família conversavam animadamente na sala. E os assuntos trazidos à baila eram os mais diversos. A um canto, Vô Raimundo dormitava em sua cadeira de balanço. De forma que apenas poucas palavras, fragmentos de frase tinham acesso a sua consciência.
- ... prato de ostras... não pretendo voltar lá...
- ... depois disso...
- ... disco-laser... não tem mais sentido...
- ... absurdo... um... 147...
Nisso, Vô Raimundo retorna subitamente ao mundo dos despertos. Bastante assustado, porque acabara de escutar o novelístico número com que o governo vem promovendo a "operação mata o veio". À beira de um ataque de nervos. Contudo, se tivesse escutado a conversa na íntegra não teria reagido assim. Por se reportar o número, naquele momento, apenas a um Fiat 147.
2 Não, não se pode prender um homem por assalto quando ele, na verdade, só fez o seguinte.
Encostou-se num guichê de um banco, casualmente portando uma arma de brinquedo que, meia hora atrás, a havia comprado para presentear um filho. Cabendo, assim, a culpa ao funcionário da agência que, intempestivamente, tomou o inocente brinquedo por uma arma real. Ademais, ele não disse "isto é um assalto!" - outro engano do relapso funcionário. O que ele disse, naquele momento de tantos equívocos cometidos, foi exatamente: "isto é um asfalto!". Como poderia ter dito outra frase qualquer sem relação aparente com a situação. Além do que não podia o bom homem ser incriminado, por haver logo após recebido uma sacola de dinheiro - sem ter saldo bancário para isso! É que ele, em sua boa fé, julgou se tratar de um brinde do banco, o qual, por um ato de elegância, não devia recusar.
3 E tem a história da moça que saiu de casa para tentar a sorte na cidade grande. Mas, não tendo ofício certo, passou a rodar a bolsinha no meretrício. Para desgosto do pai que, sabendo desse fato, não queria vê-la nunca mais. Nem as cartas dela o velho respondia. E somente se referia a ela como sendo uma amaldiçoada.
Anos depois, a moça aparece na cidadezinha elegantemente vestida, coberta de joias e fazendo saber que possuía muitos bens e uma vultosa conta bancária. O carro em que ela viera, para demonstrar a boa situação em que vivia, foi logo dado ao pai que nunca possuíra um... E este foi tratando de esquecer o que antes pensava a respeito da filha.
Conversa vai, conversa vem, e fingindo ignorância, o velho pergunta qual era a profissão da filha: "Prostituta", diz ela com franqueza. E o velho: "Ah, bom. Eu pensava que era protestante".

sábado, 15 de dezembro de 2012

A PANACEIA PG

Apresentação
Pensamentos, palavras e sobras.
Propriedades
Melhora a atuação do sistema imunológico, a libido do inibido e reduz a VHS caso esteja aumentada. Mostra também uma leve propriedade antidiurética (porque retarda a ida do leitor ao banheiro), porém  não deve ser usado com essa finalidade.
Indicações
Tédio, má conduta e falta do que fazer.
Contraindicação
Hipocrisia
Posologia
Variável.
Reações adversas
Soluços, tosse nervosa e luxação da mandíbula. Caso surjam a leitura deve ser temporariamente interrompida.
Efeito paradoxal
Do tipo o que dá para rir dá para chorar.
Superdosagem
Como tratar: passar da leitura dinâmica para a leitura normal.

sábado, 8 de dezembro de 2012

NÃO DÁ PARA SEGURAR...

Esta crônica saiu da porção-mulher que eu trago em mim agora, numa proporção de 0,00000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000001%, arredondando-se para mais.
[...]
Lembrar Odilon que eu conheci em 1973 - uma amizade verdadeira!  Não conto os "uiquendes" que juntos passamos em Petrópolis! Ele chegava a dissimular os seus problemas (na esfera judiciária, ele tinha muitos) para que nada pudesse me afligir, como mais tarde vim a saber. Mas o destino, suplantando-me na ironia, tramou que eu o perdesse. E logo para um conhecido em comum, do início de nosso relacionamento: um sargento do Exército!
Se há o conceito de vazio ecológico como não há também o de vazio sentimental? No lugar de Odilon, pus Acrísio no meu bem-querer. Era um tipo fogoso que, apesar de nada saber da arte de transigir, muito me ensinou a respeito. Foi falta de tato, de minha parte, deixar que uma rusga de somenos importância nos levasse à separação. Uma cena patética, no caminho de uma viagem do Rio de Janeiro ao Amazonas, o então Inferno (ainda que) Verde.
O ano de 1976 me trouxe uma amizade que acabou trágica. Clóvis, o amigo que vi morrer, carbonizado, num acidente de estrada, quando voltávamos para Fortaleza de uma folia em Maranguape. E dizer que eu nada pude fazer para salvá-lo das chamas. Tentei, em seguida, esquecer o infeliz acontecimento numa relação afetiva com Flávio. Mas acabei percebendo, quase três anos depois, que o tempo todo eu apenas estivera a enganar a mim mesmo. Não houve, por isso, qualquer trauma quando se deu o rompimento.
Agora, entrosamento de fazer uma dupla do tipo "só vou se você for" aconteceu com Sérvio. Um era o alter ego do outro. E, como se não bastasse, ele era também a imagem do desprendimento, do desapego à própria vida. Provou isso inclusive num entrevero que lhe foi fatal. Numa briga de estranhos: árabes, turcos, sei lá quem.
[...]
Desculpem-me. Desculpem-me se eu passo pelos dedos este rosário de desilusões. É que não dá para segurar os sentimentos quando eu visito os meus mortos no CEMITÉRIO DE AUTOMÓVEIS.

Fortaleza, 2 de novembro de 1995

sábado, 1 de dezembro de 2012

PRAZERES DA MESA

Piche assado com molho secante

  1. Arrume em uma assadura seis postas de piche. Tempere as postas com abissal e linimento-do-reino. Polvilhe tudo com duas colheres de sopa com farinha de intertrigo.
  2. Numa cerzideira refogue duas ceroulas até ficarem macias. Espalhe-as sobre o piche.
  3. A seguir, misture um terço de xícara de azinhavre branco, três dentes de bugalhos socados, uma colher de chá de olécrano, uma colher de chá de mosqueado, uma pitada de alçapão em pó, uma colher de sopa de valsa miudinha e cuenca. Derrame tudo sobre o piche, adicionando vinílico ao redor das postas.
  4. Asse em forno modulado até que o piche fique macio. Verifique espetando com um sarrafo.
  5. Sirva decotado com arruelas de timão.

(não sai a preço gastronômico)

In memoriam Carmem Miranda

Em tudo a maçã...
Na mordida impensada de Eva, na flechada certeira de Tell, na teoria da gravidade de Newton.
O pomo da discórdia quer ter a hegemonia mas precisa de um basta!
Haver quem reconte a História com saber/sabor tropical.
Abacates, bananas, mamões e abacaxis: Unidos, jamais sereis vencidos!

sábado, 24 de novembro de 2012

TROVAS

Quero fazer uma louca
Viagem - com escarcéu,
Beijando ardente tua boca,
Esse meu tangível céu.

Cavalgando bem veloz
Para longe (upa! upa!)
Do meu bem. Que peso atroz
A saudade na garupa!

O sertão todo emudece
Quando toco (não me queixo)
Minha viola que parece
Um bom violão ovation.

Amigo a gente avisa
Aquilo que tem bom uso
Pra ver a Torre de Pisa
Fique no ângulo obtuso.

- Olha um cruzeiro no chão,
Achado assim é um regalo!
- Deixa pra lá, cidadão,
Que não compensa apanhá-lo!

sábado, 17 de novembro de 2012

PALHAÇOS

-
O palhaço Pipoca
é o aliciador das crianças,
é a imagem bem comportada
do riso, da verve, das danças.
Quando ele desponta na rua,
como senhor da luz e do brilho,
a criançada se agita, festeja
e deseja que nunca
acabe o milho.

O palhaço Papoco
é o assustador dos meninos,
é a atabalhoada figura
do chiste, dos ditos ferinos.
Quando ele irrompe na praça,
com o seu medonho grito, o torpe
papel de vilão, é que ele vê
que dureza é não ter
nenhum ibope.

sábado, 10 de novembro de 2012

A CONJURAÇÃO DOS ÓRGÃOS

Pra respirar o nariz
nem liga pro dono agônico,
funga o gás, fica feliz
quando o descobre: carbônico!

Os pulmões, aqui se frise,
pois trinta e três vezes sei:
só pensam na hemoptise
que algum dia eu terei.

E o coração é o tropeço
de quem comete infração.
Absolvido ao avesso,
minha pena é a solidão.

E as mãos? Com essas mãos
que crescem de mim agora,
varo o bidimensional,
pego a moldura por fora.

Assume a boca o poder
fenomenal, absoluto
de expressar o ser-não-ser
à base do anacoluto.

Já o estômago, essencial
que se mantenha famélico.
Acima do bem e do mal,
Não é ele pantagruélico?

Enquanto vão os intestinos
com fúria iconoclasta
desdobrando os mais divinos
manjares... em uma pasta!

Pra não esquecer (desvario!)
o meu passado abissal,
gota a gota, enfim eu crio
um dilúvio vesical.

sábado, 3 de novembro de 2012

COMO VENCER NA MPB

(SEM FAZER FALSETE)
A finalidade deste artigo é fornecer subsídios ao leitor que pretende se tornar um compositor de Música Popular Brasileira.
Inicialmente, refuto aquela ideia estereotipada de que basta o aprendiz de compositor dedilhar o seu violão, numa mesa de bar, para que uma inédita canção apareça tão rapidamente quanto um prato de batatas fritas. A inspiração, caro leitor, seja poética ou musical, poucas vezes tem essa espontaneidade e, na maioria das situações, é um pão - pão do espírito - feito com muito suor do rosto do artista.
Entretanto, dizer que a MPB - assim carinhosamente chamada - seja alguma coisa esotérica, eu não intenciono. A prova é que trago a lume o segredo de algumas técnicas que, caso sejam adotadas pelo leitor, poderão levá-lo a acrescentar novíssimas páginas musicais no Livro de Ouro da Música Popular Brasileira. São métodos de composição, verdadeiros macetes de eficácia comprovada desde a Era Donga.
MÉTODO PESO-PESADO - Deu certo com o Kid Pepe, um boxeador aplicado, que se imortalizou com "O Orvalho Vem Caindo". Noel Rosa, cujo queixos não era de suportar socos, logo no primeiro round lhe deu a parceria desta música. Se o leitor é forte como um rinoceronte ou domina as artes marciais é este o método mais indicado.
MÉTODO CAÇA AO PASSARINHO - Consiste em adotar uma canção feita por quem não apresenta o preparo suficiente para a paternidade. Caso advenham pruridos de natureza ética pela rapinagem lembre-se de que "samba é como passarinho, é de quem pegar primeiro".
MÉTODO CONSTRUIR JUNTOS - Somente é exequível entre dois indivíduos que sejam amigos do peito, irmãos e camaradas. É como o casamento em regime de comunhão de bens: o que um fizer é do outro e vice-versa.
MÉTODO RATO-DE-GAVETA - Um exemplo típico aconteceu a Pixinguinha, que possuía uma música - sem letra - pegando ranço nas gavetas. Quando apareceu o Braguinha todo "Carinhoso"... Desaconselho o método para quem for asmático.
MÉTODO CORRIDA DO OURO - Consiste em explorar o rico filão do folclore nacional. Mas, como ele não é tão inesgotável assim, vai chegar o dia em que só o Câmara Cascudo conseguirá compor alguma coisa no gênero.
MÉTODO MÁQUINA DO TEMPO - O leitor pega nuns versos de um poeta que já bateu as botinas e leva o declamatório da boca ao gogó. Para prevenir contratempos, verificar se o falecido poeta, além das redondilhas, deixou herdeiros atentos.
MÉTODO BIÔNICO - É tipo assim: o leitor escolhe algo da Dolores Duran, música e letra dessa autora. Aí, aplica uma nova música na letra existente. Depois, cria uma nova letra para esquecer o passado. E serve, de preferência, com um arranjo bem modernoso.
MÉTODO BOI-DA-PIRANHA - Já ouviu dizer do boiadeiro que, para atravessar com o rebanho um rio infestado de piranhas, sacrifica um dos seus bois? O Chico Buarque que o diga. Nas vezes em que ele, para atravessar com alguma letra as turvas águas da Censura, precisou sacrificar todo um rebanho de letras alternativas nos dentes cortantes dos censores. É um método que só funciona em pessoa Geni(al).
MÉTODO CHARANGA - Se o leitor até aqui não conseguiu se arranjar com um dos métodos já descritos, a opção que resta é compor hinos para times de futebol, pois isto até o Pedro Bó faz. Como no futebol, os hinos de clubes têm também suas regras e palavras tais como: glória, campeão, vitória, tradição, luta, coração etc. são de emprego compulsório.
Domingo, 1º. de junho de 1980
N.B.
Este texto foi lido em uma reunião do Grupo Siriará de Literatura, estando presente o escritor Moreira Campos.

sábado, 27 de outubro de 2012

DIAS DE SOL, DE CHUVA E DE NADA

1
Num dia de sol
Encontrei Marina,
A cútis a dourar
Na praia; de anilina,
o mar era tépido
Como as suas carícias.
Recordo-me bem
das febris delícias
De um amor-selvagem.
2
Num dia de chuva
Encontrei Helena,
Que me aprisionou
Com a boca serena,
Beijando-me o rosto
E a todo meu ser.
Inundei-me, então
(por puro prazer)
De um amor-selvagem.
3
Num dia de nada
Eu senti as agruras
De ter solidão,
gripe e queimaduras
No corpo; e ainda
De ter uma doença
Que me vivifica:
Persisto na crença
De um amor-miragem.

sábado, 20 de outubro de 2012

A VERDADE SOBRE A AVENIDA SEBASTIÃO DE ABREU

Este manifesto foi distribuído aos participantes de uma caminhada (foto DN), em 1991, a favor da construção desta Avenida.
Quando Prefeito o General Cordeiro Neto, há mais de 30 anos, vislumbrou-se que Fortaleza teria que crescer, inexoravelmente, na direção Sul. Por isso, foi projetada e construída a Perimetral, atualmente uma via de grande tráfego.
Aquela previsão é hoje uma realidade: Unifor, Seis Bocas, Água Fria, Santa Luzia do Cocó, Edson Queiroz, José de Alencar e adjacências, são núcleos onde vivem dezenas de milhares de famílias.
Em 1975, o Prefeito Evandro Ayres de Moura sentiu a necessidade de abrir outra via de acesso para aqueles bairros e fez constar de seu Plano de Ação Municipal a Avenida Sebastião de Abreu, não a construindo por falta de recursos.
Agora, o Governo estadual se dispõe a abrir a avenida, mas tem encontrado a resistência de alguns ecologistas, que temem possa aquela artéria causar um desequilíbrio ao ecossistema e ferir o manguezal do Cocó.
Esse zelo dos ecologistas, porém, não tem razão de ser. Há 15 anos atrás, não havia manguezal no Cocó. A região era ocupada por várias salinas e o que se via eram quadras e mais quadras desnudas para o preparo do sal. Nem por isso o ecossistema foi abalado.
As salinas foram embora e a Natureza se encarregou, sozinha, de formar aquele lindo manguezal que hoje podemos contemplar quando trafegamos pela Avenida Engº. Santana Júnior ou quando adentramos, de barco, o rio Cocó.
Os ecologistas - os verdadeiros - exercem um papel importante na comunidade. Eles são um freio contra os excessos que governantes e particulares se disponham a praticar contra Natureza. Mas a verdadeira ecologia não pode estar atrelada a ideologias nem deve abrigar atitudes preconceituosas contra o progresso.
No caso da Av. Sebastião de Abreu, todos sabem que ela não vai causar nenhum desequilíbrio ecológico pois se trata de um filete dentro de extensa área.
O acesso a Unifor, Água Fria, Edson Queiroz, Santa Luzia do Cocó, Seis Bocas, José de Alencar, Messejana e outros bairros naquela direção não pode continuar sendo feito apenas pela Av. Engº. Santana Júnior e pela BR-116. Se novas vias de acesso não forem abertas, aqueles bairros serão estrangulados.
O crescimento de Fortaleza é uma coisa inevitável. Não podemos esquecer que, em 1960, tínhamos apenas 8 ou 10 edifícios, todos no Centro. Hoje, a cidade tem milhares de grandes prédios e, a cada dia, novos são construídos. Naquele mesmo ano de 1960, a população da cidade era de 507 mil habitantes; em 1970, 893 mil; em 1980, um milhão e 307 mil; em 1990, dois milhões e 308 mil, segundo estimativa do IBGE. As projeções para o ano 2000 - daqui a 9 anos - indicam que Fortaleza terá 4 milhões e 200 mil habitantes (sic). Como poderemos nos locomover se não forem abertas novas ruas e avenidas?
Defendemos a construção da Avenida Sebastião de Abreu como um imperativo de progresso. Ela pode conviver muito bem com a ecologia. Se você também é a favor não deixe que outros decidam por você. Participe da caminhada que será realizada domingo, 3/11, às 10 horas, ao local das obras. Veja o mapa no verso.
COMITÊ PELA ECOLOGIA COM PROGRESSO

sábado, 13 de outubro de 2012

SEBASTIÃO DE ABREU

(PELA CONSTRUÇÃO DA AVENIDA)
Sr. redator,
Desculpe o chavão: já não há ecologistas como antigamente. Nos últimos tempos, talvez pela retração dos verdadeiros representantes da categoria, os espaços da mídia estão sendo ocupados pelos ecoxiitas. Fanáticos, sectários, intolerantes, estão sempre a combater tudo que lembre o progresso.
No entanto, não vão morar nos grotões onde, longe da civilização e dos confortos da sociedade de consumo, poderiam cultivar o ideal bucólico. Ah, não! Preferem as neurastenias das grandes cidades, nas quais montam o picadeiro para o grande show. Eles jamais suportariam aqueles locais onde, no dizer de um humorista francês, os frangos passeiam crus.
A última deles é considerar a Avenida Sebastião de Abreu, em construção no Cocó, uma série ameaça à existência do Parque. Sem levar em conta a argumentação de que a nova avenida, que surge como alternativa à congestionada Santana Júnior, encurtará o percurso Água Fria - Praia do Futuro, e vice-versa, em DOIS QUILÔMETROS.
Os candidatos ao benefício viário/diário fomos ouvidos?
Não. Mas os caranguejos do mangue, com os quais os ecoxiitas aprendem a dar seus passinhos... para trás, decerto o foram.
Afinal, o homem é o câncer da natureza, e eles, os anticorpos salvadores.
Aí, esquecem as toneladas - adicionais - de gases e fumaças que os carros vão despejando na atmosfera enquanto percorrem a longa curva do Iguatemi.
Dar objetividade ao fluxo de veículos na região é algo inadiável.
De desatino em desatino, vai que um dia esses senhores resolvem parar de respirar. E eu não seria contra uma decisão do tipo, que preserva o oxigênio para fins mais nobres enquanto, ao mesmo tempo, reduz os níveis de gás carbônico na atmosfera e, por via da consequência, o efeito estufa.
Em tempo:
O projeto de construção da avenida contempla os interesses dos caranguejos do mangue.

sábado, 6 de outubro de 2012

FANTÁSTICO, O XÔ! DA VIDA

"É um alívio saber que o fantástico existe e que os forasteiros que passam pela nossa província nem sempre estão mentindo." Paulo Mendes Campos
A maioria das pessoas não acredita que o Câncer possa entrevistar o Lucas Mendes ou o Hélio Costa para a Rede Globo de Televisão. Fincará o pé no chão e defenderá - com ânimo e animosidade - a ideia de que tais acontecimentos são impossíveis. Mas... domingo à noite, o que parecia non sense é mostrado no vídeo da televisão. Aí, o que acontecerá com a maioria da maioria das pessoas? Por certo, elas darão um giro de 180 graus, desses de cantar o solado das havaianas, que a ideia, "coitadita", irá se espatifar no chão da sala. Afinal, Globo dixit.
E o que ela não diz? Pois há muita gente, aqui e alhures (mais alhures), dando o seu "showzinho" da vida, que a Globo nem dá sinal de. São pessoas que fazem do coração tripas e que a Globo não as "fantastiquiza". Quem sabe lá o que é fantástico segundo o gabarito global? Fantástico, para mim, é quando alguém faz das fraquezas força e, não bastando isso, ainda precisa das nossas. Sim, mas a credulidade, acreditem, não é uma delas. Pelo menos para efeito deste artigo.
Kevin O'Hagan, físico irlandês - Conseguiu virar num passa-paredes, façanha até então colocada no rol das impossibilidades. E, assim, atrair a atenção dos órgãos de espionagem, contra-espionagem e contra-contra-espionagem do mundo inteiro. Um dia, desapareceu do mapa: CIA e KGB trocaram acusações de sequestro (de cárcere privado, não). Entretanto, o que houve foi que O'Hagan, sem saber dosar bem essa concessão da Física, foi parar no centro da Terra.
Pablito Navarro, criança espanhola - É, para muitos, o principal símbolo da resistência à escola moderna. Pablito, certa vez, ofereceu uma inocente (porém envenenada) maçã à sua professora. Envenenada, nada: a mestra saiu ilesa daquela refeição, digamos, frugal. E Pablito teve de assistir, inúmeras vezes, ao filme "Cria Cuervos" para aprender onde é que tinha errado.
Barry Williams, militar inglês - Durante a II Guerra Mundial, integrando um grupo de elite, Barry participou de temerárias missões em pleno território alemão. Numa delas, furtou todo o estoque de repolhos em conserva da dispensa particular do Führer. Lembrado até hoje por sua grande coragem, o militar inglês só fazia corpo mole para missões no norte da África. É que lá havia a única coisa capaz de detê-lo: coice de girafa.
Toh Lokoloko, filólogo papuásio - Dedicou a vida à "esperantização" dos setecentos dialetos de Papua-Nova Guiné, seu país natal. Em princípio, bem-sucedido (a palavra barafunda, por exemplo, já era compreendida de costa a costa) quando, por motivo desconhecido, resolveu se matar, deixando uma carta-testamento indecifrável. Quanto à palavra barafunda, esta se manteve na tradição oral de sua gente embora com setecentos significados diferentes.
B. Abbas, faquir indiano - Abbas foi o mais famoso faquir da região do Bangalore. Deixava-se encerrar num esquife de vidro onde dava concorridos jejuns de noventa dias corridos. Num desses espetáculos jejunos, que azar, ele foi visto com dois chifres de vaca assomando da boca, e mais gordo do que nunca. "Abbas jiboiava", no parecer de um crítico do faquirismo. Desacreditado, sem bilheteria, tempos depois ele morria de fome.
Estel Trudeau, estelionatário francês - Vendeu oito vezes a Torre Eiffel. Um dos compradores, o sexto, de nome Pierre, encontrando-se depois com ele num café parisiense, e querendo reaver o dinheiro perdido, pensou em surrá-lo com uma baguette. Mas Trudeau, habilmente, não só convenceu Pierre da lisura daquela transação como ainda lhe vendeu, por uma pechincha, o Arco do Triunfo. Assim, ficou o escrito pelo não escriturado, e Pierre, o bom Pierre, é hoje o feliz proprietário dos dois monumentos históricos. Falta apenas se acostumar com o riso ostensivo das autoridades francesas.
André e Luf, xifópagos do País de Tangas (que vai mal, obrigado) - É voz geral que eles são assim-assim por influência dos miasmas teratógenos existentes no país, nos últimos vinte anos. Unha-e-carne. Nas veias do primeiro corre sangue italiano, nas do segundo, sangue árabe. Contudo - Dio e Allah são grandes! - podem se separar. No comenos (quando um come menos) de uma briga de foice CONVENCIONAL. Vamos conferir, torcida.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

PRAIA DE IRACEMA

A Praia de Iracema
(Uma mulher que não esconde a idade.)
Me possui. Tem os cordéis da saudade
Que me prendem nela. Eu piso
Suas ruas de pedras toscas. Eu organizo
A imensa responsabilidade de ser
Seu amante. De bem conhecer
Sua boca, suas taras
Potiguaras, Tabajaras
Seu regaço, seus pés
Guanacés, Tremembés
Suas ancas, seus quadris
Groaíras, Cariris
A Praia de Iracema - reflito
Em seu silêncio ecoa o meu grito.

Fortaleza, 03/11/79

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

VIVO E CHUTANDO

Abandonado na selva amazônica, serei depois recebido, triunfalmente, pelas sociedades geográficas interessadas em minha descoberta de mais um importante afluente do Rio Solimões.
Jogado ao mar com os olhos vendados, os pulsos atados, a âncora de uma pedra no pescoço, farei na volta um relatório do que ainda não foi explorado pelos batiscafos.
Atirado sobre as neves eternas dos Andes, regressarei horas após para contar a história de minha sobrevivência a alguns amigos na sorveteria da esquina.
Empurrado na cratera do Etna, sairei incólume e com a certeza de que, nos arredores, os moradores não serão tão cedo molestados pelo vulcão.
Para encurtar:
Desistam de acabar comigo, pois eu estarei sempre... 

ALIVE AND KICKING!

Fortaleza, 27/10/79

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

SABE QUEM DANÇOU?

Autores: Paulo Gurgel e Airton Monte

O mundo taí mesmo
Com sua cara sonsa
Seu ar blasé...
Que será que ele trama
Pra mim?

O mundo taí mesmo
Que amigo da onça
É tão joyeux...
Preparou-me uma cama,
Pois sim.

Ele toca uma música manjada
Ele toca uma música safada
Um tal de "cão-cão".
Mas, benzinho, eu estou tão cansada
Mon cheri, eu estou entediada
E só danço can-can.

Só existe atualmente a letra da canção. A música não teve registro fonográfico nem foi colocada em partitura.



sexta-feira, 7 de setembro de 2012

ANGRA DE DESEJOS

Autores: Paulo Gurgel Carlos da Silva, Antonio Airton Machado Monte e Idalina Maria Cordeiro

Sou a estrela que te guia
Sou teu pecado carnal
Sou feiticeira da noite
Sou tem bem, sou teu mal.
Porto aberto a mil vontades
Angra de desejos, cais
Qual prazer que o ventre acoita
E em desejos se desfaz.
Deusa amedrontada
Despe os sete véus
Dança em minha cabeça
Como a fada de um bordel.
Pelo curto tempo
De uma eternidade
Faz de tua dança
Um perfeito par com a minha vontade.
Marinheiro, viajeiro
De outros mares navegante
Tens em mim corpo seguro
Para o teu barco errante.

Esta canção existia apenas como música até o dia (uma tarde) em que a apresentei ao escritor Airton Monte e à cantora Idalina Cordeiro e, juntos, compusemos a letra acima. Inscrita por Idalina para o Festival Crédimus da Canção - 1980, ficou entre as 46 canções classificadas para a apresentação no referido festival. Foi apresentada no Ginásio Coberto do Sesc, no dia 3 de julho de 1980 (quinta-feira), por Idalina (voz), Paulinho (violino), um violonista (de cujo nome não me lembro) e por mim (violão).

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

NO ESPINHEIRO DA REALIDADE

Numa certa época, o Brasil era um país tropical abençoado por Deus e bonito por natureza. O celeiro do mundo, onde se plantando tudo dava. Nossos bosques tinham mais vida, nossa vida, mais amores.
Dava gosto ser brasileiro!
Um dia, entusiasmado com a exuberância da Terra brasilis, Stefan Zweig a chamou de... País do Futuro. Aquilo foi uma ducha gelada em nosso coração febril. Então, não éramos o violino di spalla no concerto entre as nações?
Ficaram assim adiadas as comemorações do ufanismo nacional.
Depois de atirados no espinheiro da realidade mudamos um pouco. Passamos a aceitar que o país não estava bem, mas tínhamos uma "ilha de prosperidade". E essa ilha, pasmem os senhores, era o Ceará velho de guerra. Quando a gente olhava em torno e não via por onde... Víamos apenas a propaganda oficial que, martelando a todo instante, tentava dar a impressão de aqui ter o corno da abundância (duplo epa!). Até que uma instituição, analisando taxas econômicas e vitais, colocou o Estado em seu devido lugar: o terceiro mais estropiado do país.
Tentou-se, então, deslocar o foco para Fortaleza, apesar do reducionismo desta nova proposta. Porém, eram tantas as favelas na capital cearense (cerca de 250) que, ao cabo das exclusões, só sobrou a Aldeota. O bairro que abriga mansões, apartamentos de luxo, flats etc. Mas... olhando bem: riqueza e pobreza também convivem nesta parte da cidade. Não, não pode ser a Aldeota em sua totalidade.
Talvez... uma rua do bairro, um quarteirão ou, para não me alongar muito, uma casa.
A residência de um barão no exato momento que ele está a receber um grupo de socialites.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

CONVERSA AO PÉ DO TELEFONE

Ao pé, sim, de pé é que nunca. Gosto de estirar-me no sofá, os pés para cima, porque é assim que um cristão deve telefonar. O fio do aparelho - que é "esticável" - suporta bem tais descontrações.
Lembro-me daquela propaganda na televisão em que os dedos representavam as pernas das pessoas à procura de bens e serviços. Como a propor que o cansativo trabalho das pernas fosse substituído - com economia de tempo e esforço - pelo leve trabalho dos dedos no disco do telefone.
Além disso, andar pouco evita o jet lag.
As linhas cruzadas eram uma diversão à parte. Perdeu a graça quando a brincadeira foi institucionalizada, recebendo o nome de disque-amizade.
Descubro em minha secretária eletrônica que uma amiga me ligara em três oportunidades deixando recados. Vai, eu ligo três vezes para ela (que, como sempre, não está em casa) e deixo recados na secretária eletrônica dela (epa!). Nunca conversamos em tempo real.
Com a vida por um "trim", ocorre-me procurar meu psiquiatra. Ele tem sido um porto seguro em todas minhas situações de naufrágio iminente. Mas, agora, ele  só atende os clientes na portaria de seu edifício... pelo interfone.
Saio a me divertir no fliperama. Bato o recorde de um jogo... sem ter conhecido meus adversários passados. Os nomes deles aparecem no vídeo, com os respectivos pontos marcados, mas eu nunca os vi mais gordos, mais frustrados.
Retorno para casa. É onde eu posso fazer um eletrocardiograma pelo telefone. Não, não estou tendo arritmia, é tudo angústia.
Então, ligo para o Centro de Valorização da Vida. que é uma forma de continuar tudo como antes.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

UMA PROPOSTA INDECOROSA

Brasileiras e brasileiros assistiram pela televisão a última fala do presidente José Sarney, durante a qual ele anunciou que aceitaria abrir mão de um ano do mandato. Ele trocaria, de bom grado, os seis anos na Presidência por cinco, conquanto não se falasse mais em quatro ou três. É compreensível o beau geste presidencial: Sarney perde no boi para não perder o boi.
Aí entra em cena o Sr. Júlio Marcondes de Moura, prefeito de Garça, uma cidade do interior paulista, que resolve ganhar no boi. Reúne algumas centenas de colegas prefeitos e vereadores em sua cidade para pedir uma prorrogação de dois anos em seus mandatos. Passariam de seis para oito anos. Porque seria irracional promover eleições municipais em 1988, se haverá outras eleições em 1990.
Pois é, o Sr. Moura, que é prefeito de Garça, agora quer ser prefeito de graça. Ele ambiciona um mandato maior sem precisar gastar um cruzado em campanha eleitoral (em que pode inclusive se dar mal).
Verifica-se uma ampla adesão à tese do prorrogacionismo. Além do conspirador de Garça, um bom número deles, residentes em Minas Gerais, Paraná e Rio de Janeiro, já passaram telegramas de apoio. O que me faz lembrar que pode reproduzir o resultado de uma pesquisa realizada no Congo Belga (Macaco, você quer banana?).
Como cidadão brasileiro (em dia com os impostos) eu aproveito para protestar. Senadorzinho Moura, permita-me que assim o chame em consideração ao que pretende, depois de seis anos de sacrifícios não é justo que a Nação cobre mais tempo de seus representantes municipais. Já se vão seis anos de meias semanas com três meses de férias anuais de grande labor. Para que continuar se matando nesse esquema de "oito e oitenta"? Oito anos de mandato a oitenta salários mínimos ao mês (o que ganha, por exemplo, um vereador em Fortaleza)?
Ora, vá ter o seu merecido descanso, Senadorzinho.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

CRISTÓVAO

- O tempo frio e chuvoso
nos reterá, Divindade.
- Ah, se fosses mais zeloso
co'a tua pontualidade!...
- Atendo, como de praxe,
mas longe fica a outra margem.
- Cristóvão, meu santo táxi,
por que remanchas na viagem?
- Subestimei, Deus Menino,
em tua augusta pesagem.
- Cristóvão, santo mofino,
não denigras tua imagem.
- O tempo passa... e a gente
esmorece, fica gasta...
- Por que és contigo exigente?
Labutas sem ter um basta!
- Talvez por me opor ao ócio
de uma aposentadoria.
- Então, um outro negócio
ameno te serviria?
- Já pensei noutros ofícios,
em tarefas mais suaves...
- Entretanto, os sacrifícios
arrostas. Quais os entraves?
- Aos irmãos, na correnteza,
quem vai prestar valimento?
- Louvo-te por tua grandeza.
Não tens um emolumento?
- Queres Tu saber? Explico:
Pagam-me com ingratidão.
- Paciência... que eu te indico
pr'uma canonização.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

PAPO FURADO

Sr, Redator,
Desde que o comércio, com a venda de bonés, camisetas, chaveiros e outros badulaques, deitou e rolou nos carpetes estendidos para o Papa, eu tinha me convencido de que nada mais faltava para ser mercadejado. Puro engano. Pois logo tomei conhecimento de um fato que me desmentiria: a Telesiará vai cobrar pelo papo furado (Aqui não confundir com a Teleceará que não tem nada a ver.)  Minha primeira reação foi olhar para o calendário. Não, não era ainda 1984, o temível ano em que a privacidade do cidadão morrerá - de vez - de hemoptise. Além do mais, a Telesiará não conseguiria realizar uma ampla escuta em nossos telefones sem entrar em linha cruzada com o SNI. Então, qual seria seu modus operandi? No próximo parágrafo.
Num rasgo de objetividade a Telesiará deu uma de "conceituadora": o papo furado é o que leva quatro (ou mais) minutos. Não me interessa aqui discutir a entrada dela nas águas territoriais do Instituto de Pesos e Medidas e sim como ela agiu para chegar à tal conclusão? Talvez, com a ajuda de algum calculista saído dos contos de Malba Tahan. (Todo mundo sabe que prosa se mede em dedos, ora.) Mas, o fato é que ela não cuidou de que já existe um processo mais simples, o qual consiste em cobrar a "conversação informal" aos usuários, de um modo semelhante ao que acontece com a iluminação pública. E por que assim não procedeu? No próximo parágrafo.
Simples: a Telesiará optou pela imagem do bom-mocismo. Passa a combater os perdulários da palavra (o que todo mundo vê) quando, no fundo, no fundo do bolso os estima (o que ninguém vê). Dá nitidez às primeiras intenções para que as segundas, ofuscadas, não sejam percebidas pelos usuários mais impertinentes. Aqueles que vivem a escrever às redações dos jornais "protestando contra tal estado de coisas etc." Mas eu, não. Não participo dessas passeatas postais. Se, por um lado, estou sendo ácido em meus comentários, por outro, até terço com o público para que colabore com a Telesiará (em suas primeiras intenções, evidentemente). A lei anti-miolo-de-pote não mais se discute, já é uma realidade. Agora, o que fazer? No próximo parágrafo.
Adaptar-se aos novos tempos. Coisa que se consegue fácil, fácil, com a adoção de algumas medidas pelo interessado leitor que, como eu, não quer viver ao arrepio da lei:
1) Procurar a orientação de fonólogo competente para corrigir qualquer vestígio de gagueira.
2) Reciclar os conhecimentos sobre siglas (o tempo que se economiza ao chamar o Departamento Nacional de Obras contra as Secas simplesmente de DNOCS, só para dar um exemplo).
3) Restringir-se no pernicioso hábito de ouvir as transmissões radiofônicas de futebol para não se impregnar daquele linguagem hiperredudante.
4) Abastecer-se de gírias (a expressão "tá ruço" é mais eloquente do que um discurso inteiro do Chico Pinto), não dispensando nem mesmo as que estão fora de uso, tais como "ai da base", "castigou legal" etc.
5) Tentar, enfim, haja o que houver, conservar o pânico toda a vez em que estiver ao aparelho de Bell.
Em tempo
O assunto que aí vai pode ser lido em 3 minutos e 17 segundos, não sendo, portanto, um papo furado.

Cartas do Povo, 28 de setembro de 1980

sexta-feira, 27 de julho de 2012

SONETO VULGAR


O melhor lugar-comum é aqui e agora.

O fato consumado
O tolo devaneio
O prêmio cobiçado
O infundado receio

O súbito lampejo
A lágrima furtiva
O incontido desejo
A resposta agressiva

A sede insaciável
A perda irreparável
A vã filosofia

A ideia magistral
O susto colossal
A suprema ironia.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

A LUTA DO SÉCULO

Os jornais noticiaram o sequestro fracassado de um avião de uma empresa irlandesa por L. J. Downey, um ex-monge, que pretendia transviar o a aparelho para Teerã. Acometido da "síndrome da Galveas", que o conduzia ao despropósito de querer acontecer em Teerã, o ex-monge exigia ainda, para libertar os reféns, a publicação de uma mensagem religiosa nos jornais de Dublin, Irlanda. Prometendo, coisa de dar com a língua na prótese dentária, revelar na oportunidade "o maior segredo de todos os tempos".
O maior segredo, correspondendo ao terceiro dos que foram revelados aos pequeninos de Fátima, o qual versaria sobre o Fim do Mundo.
Como, porém, estabelecer a conexão do tal segredo com a viagem do monge sequestrador à cidade iraniana?
Complexo, meu caro Watson.
Antes de tudo, façamos uma análise dos antecedentes de L. J. Downey:
1) Monge trapista em um convento romano, cumprindo voto de silêncio, enquanto apurava os ouvidos para compensar a desativação das cordas vocais. Com o passar dos tempos, é provável que a sua audição tenha-se desenvolvido a ponto de perceber até os passinhos de uma formiga em sua roseira de estimação. Durante a vida monástica, consta ainda que ele gozou o direito de emitir duas palavras, para cada dez anos de silêncio, do seguinte modo: "cama dura", "comida fria" e "eu desisto". Deixando feliz, com estas duas últimas palavras, o superior da congregação assim que viu partir um espírito tão quereloso. Um péssimo exemplo!
Prosseguindo: 2) Guia turístico no santuário de Fátima, um local perfeito para fazer espionagens místicas. 3) Temporada em Dublin, pois, afinal, é na terra dos outros que um profeta solta as transas.
Juntemos agora o que foi exposto acima à pretensa viagem dele a Teerã. Pois bem, perto desta cidade, em Qom, é que deita e rola o aiatolá Khomeini, o qual, por muito tempo, vem representando o Anticristo para o mundo ocidental.
Convencido de que Khomeini era mesmo o Anticristo, L. J. Downey - é o que supomos - tencionava ir ao encontro dele. A fim de que o aiatolá agenciasse o que poderia ser "A Luta do Século". A Luta do Século para Todos os Séculos, Amém, entre o Falcão da Califórnia e o Urso da Sibéria, dois contendores que há tempos vêm aquecendo os músculos.
Mas, o ex-monge trumbicou-se na missão. E ninguém logrou assistir, por enquanto, a uma justa que - sejamos justos - só poderia terminar em nocaute. Nocaute generalizado: dos lutadores, dos segundos, do juiz e de todos nós, espectadores interessados ou não.

Mino,
Para evitar o nocaute use a saída de emergência. A arca de Noé não será "reeditada".

Publicado em "A Ferragista", de maio de 1981, e nas "Cartas do Povo", de 26 de maio de 1981

sexta-feira, 13 de julho de 2012

TRÊS NUGAS LINGUÍSTICAS

HÉLIO MELO

Há migalhices vernaculares que, às vezes, nos preocupam. Coisas de nonada que parecem sem importância. Mas, para quem deseja escrever com correção, nada é despiciente em matéria de português. Nas peças de ourivesaria, as filigranas têm papel de relevância. Assim, as minúcias linguísticas ocupam também posição de relevo no estudo da Língua. Não as podemos desprezar.
O médico Paulo Gurgel Carlos da Silva, ao presentar-me com o livro - "A Nova Literatura Brasileira", 1984, publicado pela Gráfica Portinho Cavalcanti Ltda. (Rio de Janeiro), que traz, nas páginas 100-101, seu trabalho "Inventando Coisas", enviou-me três questões de português sobre as quais pede meu modesto pronunciamento. Ei-las: "1) Que que estás fazendo?" - Na frase acima, temos: "que" interrogativo - "é" (verbo ser, oculto) - "que" relativo, originando a duplicação de "que" tão a gosto da linguagem popular. Que (que) o senhor acha? 2) "O que é um materialista?" Júlio Ribeiro, em sua célebre polêmica com o padre Sena Freitas, construtor da fase supra, acusou este de errar vergonhosamente em sintaxe. Para Júlio Ribeiro (também para Carlos Laet, contemporâneo dele) seria "corruptela vitanda" usar o "o" expletivo, antes de "que" interrogativo. O impecável autor de "A Carne" tinha (ainda a tem?) razão. 3) "... e amarga que nem jiló." A expressão "que nem", significando "como" 'igual a" (V. letra de H. Teixeira, em baião de L. Gonzaga), está bem com o povo mas não com os gramáticos. Por que tal ocorre? Pela atenção dispensada, grato Paulo Gurgel. Vejamos os três casos.
Quanto à frase - "Que que estás fazendo?" é o primeiro 'que" um pronome interrogativo, e o segundo, uma partícula de realce, a exemplo de tantas outras como: Que que há de novo? Que que significa isso? Oxalá que isso aconteça! Chegou a correspondência. Que não venham más notícias (= oxalá). Diga-me quem é que vai transmitir a notícia. Eu é que hei de ir? Ela é que vai sofrer. "Que é que me pode acontecer?" (Machado de Assis, "O Lapso", in "Histórias Sem Data", pág. 27). "Oh! que saudades que eu tenho da aurora da minha vida" (Casimiro de Abreu). As partículas expletivas são palavras sem dúvida desnecessárias ao sentido da frase, todavia lhe dão vigor e sobretudo graça, como vimos no último exemplo de autoria de Casimiro de Abreu. Pode-se também considerar o segundo "que" um pronome relativo, como o fez o meu consulente. A frase seria assim compreendida: "Que coisa é a qual estás fazendo?"
Na frase - "O que é um materialista?", creio que é dispensável o emprego do artigo "o". No "Dicionário de Questões Vernáculas" (Editora Caminho Suave Limitada, pág. 213), faz o o professor Napoleão Mendes de Almeida o seguinte registro: "O que - Embora comum no linguajar do povo e, mais ainda, encontrada em escritores, a forma "o que" como pronome interrogativo a iniciar oração interrogativa não é sintaticamente legítima porque o "o" nenhuma função fica exercendo na oração".
Também o espanhol luta com o popular interrogativo "el que". Somente quando posposto ao verbo é que o interrogativo admite o "o", necessário exclusivamente para efeito eufônico: "Fez ele o quê?" - "Mandou o quê?"
Iniciando oração interrogativa, o "que" mais castiçamente deverá ser desacompanhado do "o", porque neste caso é sintática e eufonicamente inútil: "Que quer você?" - "Que há?" - "Quê?".
Na verdade, deve-se omitir o artigo definido, antes do pronome conjuntivo "que", quando empregado interrogativamente. Nem por isso deixaram de empregá-lo autores clássicos e modernos: "O que faremos?" (Garrett, "D. Branca") - "O que são as revoluções políticas de nosso tempo?" (Herculano, "Opúsculos") - "O que é lá isso?" (Castilho, "Avarento") - "O que tem ele?" (Camilo, "Romance de um rapaz pobre") - "... e o que eram as estrelas? acaso sabiam eles o que eram as estrelas?" (Machado de Assis, "Ex Cathedra", in "Histórias Sem Data", pág. 267).
É comum o emprego de "o que" equivalente a "isto": "O resultado não foi bom, o que me surpreendeu."
Finalmente, a última indagação: "... e amarga que nem jiló". A locução conjuntiva "que nem" teve uso no português antigo, no sentido de "como". Hoje, os gramáticos a consideram forma arcaica. As gramáticas trazem o conhecido exemplo de Rebelo da Silva, com a significação de "como": "O erudito ficou vermelho que nem uma romã". Tenho-a ouvido frequentemente nos sertões cearenses, na linguagem inculta dos nossos matutos.

Publicado no Jornal "O Povo" em ??/08/1985

sexta-feira, 6 de julho de 2012

(SEM TÍTULO)

10/08/85
Meu caro Dr. Paulo Gurgel,
Agradeço-lhe a remessa da publicação - "A Nova Literatura Brasileira" (1984), em que figura seu trabalho "INVENTANDO COISAS...", quando, mais uma vez, pude apreciar seu espírito imaginativo.
Despertou-me a atenção o emprego, absolutamente correto mas infelizmente raro, do verbo importar como transitivo direto, no sentido de causar, produzir, resultar - "importaria uma longa discussão".
Peço-lhe permissão para responder às indagações que me faz, na minha coluna de assuntos vernáculos, no jornal "O Povo", para onde tenho levado minhas contendas linguísticas.
Abraça-o cordialmente
HÉLIO MELO

Acima, a transcrição de um bilhete que recebi do Prof. Hélio Melo, no qual este ilustre filólogo agradecia a remessa de um livro, fazia um comentário a respeito e me dava ciência de um artigo a ser publicado em "O Povo", abordando um tema de meu interesse.  A transcrição deste seu artigo - "Três nugas linguísticas" - é o assunto da próxima postagem do Preblog.
PGCS

sexta-feira, 29 de junho de 2012

DUAS CARTAS DESCARTADAS

UMA ESPÉCIE DE TELE-EXORCISMO
Fortaleza, 8 de janeiro de 1981
Sr. Redator,
Hoje preciso de pouco espaço. O bastante apenas para fazer uma alerta ao povo em geral, a propósito de um deputado que está no pedaço. Ele, o danado, é um especialista em emendas de casuísmo eleitoral.
E o que será que ele assopra por aqui, enquanto respira o bom vento do Aracati?
Por dúvida das vias, o melhor mesmo é que os democratas convictos façam uma corrente mental, nos intervalos comerciais da novela “Coração Alado”, três noites seguidas. Uma espécie de tele-exorcismo.
Quem sabe ele mude de ideia. E passe então a descarregar o seu vezo antidemocrático em coisas que machuquem menos. Como derrubar aviõezinhos de fliperama, por exemplo.

DE COMO SE PROVA QUE MAQUIAVEL NÃO ESGOTOU O TEMA DO MEU PIRÃO PRIMEIRO
Fortaleza, não datada
Sr. Redator,
Coloquemos os cotovelos sobre as mesas; executemos uma sinfonia com copos e talheres; amarremos os guardanapos no pescoço; falemos com a boca cheia; utilizemos os garfos e as facas com as mãos trocadas; joguemos uns nos outros bolinhas de miolo de pão; palitemos os dentes em público; etc. nos próximos dois anos.
O banquete vai continuar: Pintadeaux Flambés au Foie Gras, Saucisses au Vin Rouge, Porc à la Sauce Aigre-Douce, Poisson à l’Estragon, Coquilles Saint-Jacques Frites, Salade de Langouste à La Sauce Verte, Filet Du Boef en Chemise; etc. nos próximos dois anos.
Não deixemos, porém, que as pessoas estranhas à confraria venham beliscar os acepipes, só porque vão pagar a conta; etc. nos próximos dois anos. Elas são tão sem etiquetas, ô Anísio de Sousa.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

DORES DE CABEÇA

Uma mulher de meia-idade foi encaminhada a um psiquiatra por causa de persistentes e incapacitantes dores de cabeça. As dores haviam começado após sofrer um traumatismo craniano do qual se recuperara sem sequelas neurológicas. Exames médicos meticulosos e repetidos não conseguiram mostrar um substrato orgânico que justificasse as dores de cabeça. E isto, juntamente com a impossibilidade de resolver o problema da paciente, vinha provocando uma grande frustração nos especialistas que a atendiam. Até que, considerada como portadora de cefaleia psicogênica, encaminharam-na a um psiquiatra.
Dr. Osmar "por uma psique sem tiques" Peredo, o psiquiatra recomendado. Recém chegado de Buenos Aires, onde se submetera a quatro anos de análise, era um profissional apto à abordagem psiquiátrica da enferma. O período em Buenos Aires, além do conhecimento de técnica psicanalítica, dera-lhe a resignada aceitação do próprio nome. Antes, considerava-se Dr. Osmar um estigmatizado em razão do solecismo que carregava no nome. Mas agora, não. Ele já se conformava em não ser chamado de Omar ou Osmares. E cá o temos a atender a sofredora mulher de meia-idade.
Finda a entrevista, o psiquiatra foi, ahn, pouco animador.
- Devo-lhe uma explicação inicial. A psicanálise, essa ciência do inconsciente, antes de ser tratamento é técnica de interpretação. Procura descobrir o sentido inerente a cada sintoma da esfera psíquica. E a cura, quando acontece, dá-se por acréscimo...
- Mas pretende me curar, não é, doutor?
- Não exatamente. O seu caso é supostamente refratário a tratamentos. Mas lhe ensinarei a conviver com as dores de cabeça.
Insatisfeita com o pouco que a psiquiatria tinha a lhe oferecer, a senhora retirou-se. Todavia, uma semana após, estava de volta ao consultório do terapeuta. Trazia uma informação surpreendente.
- Doutor, talvez nem acredite... Depois de tanto tempo, minhas dores de cabeça estão diminuindo.
- Oh, perdão, rebateu Dr. Osmar. Eu devia tê-la avisado sobre a possibilidade de uma atenuação do sintoma. De caráter temporário, porém.
- Ouça aqui. Estou convencida de que estou melhorando mesmo.
- Claro que não. E, por isso, não convém alimentar falsas expectativas... Antes de tudo, a senhora deve aprender a conviver com a cefaleia. Por isso, retornemos à orientação anterior.
Quando a sessão terapêutica terminou a paciente havia tomado uma resolução. Iria suspender todo e qualquer analgésico (tomava-os com grande frequência) só para provar que o Dr. Osmar estava errado. E, apesar do discurso pessimista do psiquiatra, ficou de retornar.
Na data aprazada, lá estava a senhora a desafiar o analista.
- Estou sem tomar analgésicos e não sei mais o que é cefaleia. Não previu isso, hein, doutor?
- Pois sim. A senhora está se afastando da realidade, tentando se iludir... e isso não ajuda.
E fez questão de agitar no ar a volumosa pasta que continha a história clínica. Sublinhou os pareceres, os exames realizados, as terapêuticas mal sucedidas. Terminando a exposição com esta frase:
- Enquanto a senhora não aceitar que tem uma moléstia incurável, eu não tenho como curá-la.
Foi este o paradoxo que solidificou uma relação médico-paciente que durou décadas. Com a paciente a dizer-se curada e o psiquiatra a mostrar-se inteiramente cético quanto a isso.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

APRECIAÇÃO LITERÁRIA SOBRE "MEMÓRIAS DE BOTEQUIM"

por Paulo Gurgel Carlos da Silva
Airton Monte é um nome em ascensão na literatura cearense. Membro do Grupo Siriará de Literatura, vem tendo uma militância admirável no conto e na poesia. Assim é que já participou de várias antologias, nestes dois gêneros literários ("Ver-de-Versos", uma delas), publicou "O Grande Pânico" (livro de contos com circulação nacional), e, mais recentemente, integra o conselho editorial do Arsenal de Literatura, que acondiciona literatura e artes visuais.
Com mais uma publicação, reaparece Airton: "Memórias de Botequim", um livro de poemas editado pela Imprensa Oficial do Ceará, sob os auspícios da Secretaria de Cultura e Desporto do Estado do Ceará. Uma obra que encerra (ou melhor: descerra) cinquenta poemas de talhes diversos.
"Memórias de Botequim", o título descontraído da obra funciona como uma espécie de cortina de fumaça. Encobre seriedades: DO AUTOR, na eterna busca de reconhecer a si próprio ("vago ser"), no anseio de traduzir para o plano verbal os reclamos de seus "fragmentos corporais" (olhos, mãos, coração etc.); entretanto, longe de ficar numa contemplação estática, ele abre os olhos, prepara os punhos, acelera o coração e energiza-se para bradar, gritar e, enfim, lutar. DO-SEU-UNIVERSO-ALÉM-DA-PELE, quando diz: "Eu, poeta, muito tenho a ver com tudo que me cerca" e, confessando que "ama os malditos", personifica o bêbado, o mendigo, o louco, o suicida, o sonâmbulo, o epiléptico. Interessa-lhe ir além do prazer estético da poesia: chegar à denúncia social. Seu discurso poético é nítido, sem palavras maquiadas e, por vezes, a exorcizar o poeta romântico que um dia foi. Sem aura romântica, sua preocupação maior é agora forjar uma poesia comprometida com a época atual, dita cruel.
O autor tem turbulências, questionamentos. Sobre a poesia ("trabalhinho sujo"): o que fez ela até hoje pela "multidão de deserdados"? Tem medo, angústias, tédios, o renitente conflituar com a vida, esse "ato cruel e necessário". Mas, se a vida é-lhe cruel porque o conduz ao cansaço, à estagnação, à subterraneidade, por outro lado, compromete-se com ela. Com ser Orfeu, reencarnado.
Acima de tudo, Airton tem afetos: Fernando Pessoa, Hemingway, Vinicius, Marilyn, Noel Rosa, James Dean, Garrincha (que o ensinou a sonhar) e, principalmente, sua esposa e filhos. Estes últimos inspiram-no a poemas enternecidos.
Finalmente, deixo que seus versos falem (por mim) na pequena, mas expressiva, seleta que se segue:
"Que poesia é essa que se esvai no copo / presa à mão crispada deste homem meio bêbado?"
"A hora arrasta-se devagar como um enterro / presa à imobilidade de um relógio quebrado."
"Vou catando saudades como quem cata piolhos /na cabeleira do tempo."
"Se existe o medo é porque existem / pessoas dispostas a sentir medo."
"Ninguém deve se atrever a seguir a rota do poema / porque ele está vazando medo e ódio e tédio / neste banquete imaginário em que estou só / discursando para as toalhas e os pratos."
"Me derramo no seu ventre num parto avesso."
"Descobri, por exemplo / que ter 23 anos é como ir morrendo aos poucos / que a manhã afia suas navalhas / no apito renitente das fábricas."
"Um homem esvazia-se como um balão furado / pelos buracos abertos na cabeça."
"Todos os antepassados / estão gritando das fotografias."
"Sei que estou sozinho / feito um pingo de tinta solto num arco-íris."
"Eternamente preso à dúvida atroz / entre o ir e o não-ir / entre explodir o mundo detestado / ou beber como um danado / a mágoa de um tempo inutilmente rápido."
"Súbito um grito: uma nuvem gritou."
"Poder te possuir despudoradamente / como um arado possui a mulher terra."

Publicado em "A Ferragista" de junho de 1981

sexta-feira, 8 de junho de 2012

PRA NÃO CAIR A PETECA

Sr. Redator,
Atualmente, um austero cidadão não pode parar numa banca de revistas sem sofrer constrangimento. Vê-se logo cercado por um assanhado enxame de publicações indecorosas, cujas ferroadas o atingem bem no pundonor.
Dias atrás (só para conferir) resolvi lançar o meu olhar de Santo Ofício em algumas dessas revistas. Quanta concupiscência, meu Deus!
A mais dissoluta delas era, sem dúvida, a "Pato Donald", que mostrava o personagem-título da revista, acompanhado do tio milionário e de seus sobrinhos encrenqueiros, todos eles desnudos ao sul do equador - o bottomless de três gerações, do primeiro ao último quadrinho! E, como se não bastasse, via-se até casos de pura bestialidade. Que nome se pode dar, por exemplo, à paixão da vaca Clarabela pelo cavalo Horácio?
Outra que ia longe na devassidão era a "Geográfica Universal". Trazia reportagens com ilustrações assim: peixinhos ornamentais trocando olhares lânguidos, a ponto de se perceber o que tramavam, os safados... e, ainda, borboletas da ilha de Celebes quentando as asinhas ao sol, as travestidas...
Havia também uma terceira revista, metida a enciclopédia, que, em um só fascículo, eu flagrei as seguintes libidinagens: uma loba romana amamentando em público duas crianças, um obelisco egípcio de conotação fálica e uma "desparreirada" estátua de David em visão frontal.
Prossegui folheando outros títulos: Pernalonga "Gomes", Mônica "Tamancão", Tom "Sado" e Jerry "Maso", e Bolinha "Menina-Não-Entra", tudo, é claro, muito pornô.
Aí, numa medida escapista, fechei os olhos para pôr em off tão nefandas personalidades do mundo-dos-quadrinhos e... pensei naquela que foi a mártir nacional na luta pelos bons costumes: Luz del Fuego. Que ela seja a medianeira de uma esperança minha! A esperança de que o consumo pornográfico tenha já chegado ao ponto de saturação e de que o povo, enfim redimido, volte a vista para publicações mais salutares. Como "Playboy", "Privé", "Lui", "Homem" e "Peteca".
PGCS
Av. Aguanambi, 1953

Publicado em 6 de maio de 1981

sexta-feira, 1 de junho de 2012

TUDO SOBRE O NADA

Oscar Wilde, quando lhe perguntaram o que havia escrito numa manhâ:
- Coloquei uma vírgula.
Ainda ele, quando lhe perguntaram o que havia escrito à tarde:
- Tirei a vírgula.

Ao Rei, nada.
Um exemplo do nada em ação: fazer colher de pau e bordar o cabo.
Alguma coisa tem de existir para que haja o nada.
Zero é melhor que nada.
E o nada é ainda mais nada numa tarde de domingo.

Quotiliquês
Só sei que nada sei (Sócrates).
Nada vem do nada (Lucrécio).
Definição de nada: é um punhal sem o cabo e sem a lâmina (Barão de Itararé).
Nada a declarar (Armando Falcão).
Se você não tem nada a fazer não venha fazer aqui (Anônimo).


Nada do que foi será de novo o que já foi um dia (Lulu Santos).
Não se afobe não, que nada é pra já (Chico Buarque).
Nada é melhor que a felicidade eterna. Um sanduíche de presunto é melhor que nada. Portanto, um sanduíche de presunto é melhor que a felicidade eterna.(Smullyan)
Continue nadando (Johnnie Swimming).


Charada
Guimarães cita esta adivinhação num de seus contos:
"Melhor que Deus e pior que o Diabo; que o pobre tem e falta para o rico; que morto come e se vivo comer, morre?"
Melhor que Deus, NADA, e pior que o Diabo, NADA; que o pobre tem, NADA, e NADA falta para o rico; que o morto come, NADA, e se o vivo NADA comer, morre

sexta-feira, 25 de maio de 2012

VIDEOGAMES

Assistimos ao boom dos videogames. Em todos os lares, os pais estão sendo pressionados pelos filhos para que adquiram o último modelo lançado. Tão sistemática é essa pressão que os pais, sacrificando o orçamento doméstico, acabam finalmente cedendo. Então, olha lá a garotada a apertar os botões dos joy-sticks, vivendo nas telas aventuras mil. Muitas vezes, envolvendo os velhos na brincadeira, porque o diabo do jogo é gostoso mesmo. E vicia em qualquer idade.
Mas... eu fico pensando se em nossas cidades não já estamos participando, mesmo involuntariamente, de alguns games.
Pivetes no sinal - O jogador tem que sincronizar a velocidade do carro com a abertura do sinal em cada cruzamento. Pegando sinal fechado é obrigado a parar o veículo. Quando então aparece uma bateria de pivetes oferecendo laranjas, bichos de pelúcia, jornais, água mineral... Na compra, não pode ultrapassar o dinheiro que leva na carteira ou o jogo é encerrado. O pivete que passa a flanela no para-brisa pode também arranhar a lataria do carro, e o jogador deve escapar dele assim que o sinal abrir. E, em cada bateria de pivetes, um está armado de gilete a fim de cortar a sua face. O jogador deve mostrar a sua habilidade levantando antes o vidro do carro.
Bum-eiro - Quatro mil bueiros que podem explodir a qualquer momento. Você deve percorrer a Cidade Maravilhosa sem ser atingido por suas explosões. Ganha o jogador que, atendendo a essa exigência, fizer o percurso mais longo.
Outros jogos (em desenvolvimento) - Ocupem favela, Enchentes, Saidinha bancária etc.
Pensamento
Videogames não tornam as crianças violentas. Proibi-las de jogar, sim.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

BAIXARIAS

Baixo no tipo físico e, como se isso não fosse bastante, fui um dos baixos do Coral Universitário em 1971.
Sob a regência do maestro Orlando, nos reuníamos aos sábados, à tarde, no Conservatório Alberto Nepomuceno. E ensaiávamos peças folclóricas e do cancioneiro popular, enquanto esperávamos o dia em que iríamos conquistar o público.
Era 1971: o ano do meu internato na Faculdade de Medicina! Atividades nos dois turnos, rodízio nas várias clínica e plantões. Além disso, responsabilidades extracurriculares em dois hospitais da cidade. Parecia improvável que, com tantos compromissos, eu pudesse ainda participar de um coral. Mas... aquelas tardes de sábado eram a oportunidade que eu tinha para espairecer. Ao lado de grandes amigos, como o engenheiro Osternes (irmão do compositor Brandão), o odontólogo Ivan Meira e o veterinário Wilson Ramos.
Antes dos ensaios com o maestro Orlando Leite, éramos separados em grupos. Baixos, tenores, contraltos e sopranos, os chamados quatro naipes do coral. E cada grupo, por sua vez, recebia a orientação de um monitor, em geral um aluno do curso superior de Música. Sabendo ler partitura, o monitor era quem nos passava a nossa parte nos arranjos musicais. E nós a aprendíamos de ouvido.
As vesperais findavam com os naipes do coral reunidos sob a regência do maestro Orlando. Ficava, modéstia à parte, aquela coisa belíssima. Ouvissem, por exemplo, a canção "Eu não existo sem você", de Tom e Vinicius, em que nós, os baixos, cantávamos:: "sei, eu sei, a vida assim, que nada levará de mim". Pronunciávamos apenas as sílabas que correspondiam às notas graves do arranjo. Uma moleza, reconheço.
Era comum algum participante do coral levar um amigo para testes. Os requisitos eram poucos: boa vontade e ser universitário; não era exigido conhecimentos de teoria musical. Uma vez admitido, tinha de ser assíduo. Wilson, por exemplo, foi levado por mim. Alto e espigado, Wilson deu a impressão inicial a Elói de que viera ao mundo para ser tenor. Elói era o monitor encarregado naquele dia de fazer a avaliação. Ele teclou ao piano uma nota bem aguda, que Wilson, a voz gravíssima, tentou reproduzir. Aquela nota, solfejada por Wilson, o bom Elói só foi encontrá-la a oitavas de distância. Apesar do jeitão, o amigo era outro baixo!
Os baixos ensaiávamos numa sala do pavimento superior do Conservatório. Terezinha, nossa monitora, para pegar a afinação do lá, descia até o térreo onde ficavam os pianos. Não tinha o chamado ouvido absoluto, o que não era nenhum desdouro (ouvido absoluto é um dom). Agora, por que não carregava consigo o simplérrimo apito de lá, de modo a evitar tantas e incessantes incursões ao piano, é isso até hoje  um mistério para mim.
Numa ocasião, tentávamos cantar as notas de uma música que já constava de nosso repertório, e nunca a tínhamos achado tão difícil. Até que um dos baixos protestou: "Nesse tom eu só sei roncar". Desconfiada de que algo estava errado, Terezinha correu à sala do piano para conferir a afinação e de onde voltou esbaforida. Pois não é que o "baixinho" tinha razão. Na subida anterior pela escada, "o lá tinha descido um pouco", foi assim que ela se justificou para nós.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

CORRE(I)ÇÃO

Sr. Editor,
Há algum tempo enviei-lhe uma carta em que fazia oportunas considerações a respeito do Congresso Nacional. Presumo que ela não tenha sido publicada, até o momento, devido ao excesso de termos bajulatórios que empreguei ao escrevê-la.
Ainda assim, rogo que publique em seu jornal (*) a sobredita carta, após atualizá-la com as seguintes alterações:
  1. Acrescentar ao adjetivo "capaz", que aparece na oitava linha da carta, a expressão "de tudo".
  2. Substituir a expressão "fruto do trabalho", que aparece na décima quinta linha, por "furto no trabalho".
Afinal, temos o melhor Congresso que o dinheiro pode comprar.

(*) O missivista não se lembra de que jornal estava a se referir nesta carta da década de 1980.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

OS 7 ANÕES DO ORÇAMENTO

Estes sete anões quem são? Sete parlamentares de baixa estatura física. Complementa-lhes a baixa estatura moral.
Na Grécia antiga havia sete sábios; no Brasil moderno são sete sabidos.
Fiéis ao número, vinham pintando o sete no Orçamento. Cada um com seus sete fôlegos e, em conjunto, formando uma hidra, um bicho-de-sete-cabeças.
Como a Hidra de Lerna, à espera de um Hércules que possa combatê-los. E dar-lhes, ao final, uma merecida sepultura política de sete palmos.
Homúnculos-de-sete-instrumentos, utilizavam-se de pé-de-cabra, chave-mestra, máscara, maçarico, gazua, dinamite e... um saco de aniagem para botar a pilhagem.
Quarenta ladrões? Nunca mais! Atendendo aos reclamos da modernidade, Ali Babá enxugou a folha de pessoal para sete anões.
Um que representa todos: João Alves, cujo espectro vai da felicidade à raiva. Aproveita-se da Era Dunga (em que vivemos) para dar seus golpes de Mestre. Fica Dengoso com o apurado e cai numa boa Soneca. Feliz com os bilhetes premiados em mais de duzentas loterias. Dá uns espirros - Atchim - porque o dinheiro não está bem limpo. Mas, ultimamente, por causa de uma CPI tem andado bastante Zangado.
Pelo dedo se conhece o gigante. Pela mão, se conhece o anão: mão-leve!


sexta-feira, 27 de abril de 2012

A VERDADE É UMA SÓ...

... TODO MUNDO MENTE
"Everybody lies." Dr. House
Anfitrião: - Ainda é cedo.
Autoridade: - Determinei a abertura de um rigoroso inquérito.
Secretária: - O chefe está em reunião.
Médico: - Não é para se preocupar.
Atendente: - O doutor saiu para atender uma emergência.
Dentista: - Não vai doer nada.
Bêbado: - Esta é a saideira.
Governo: - Não haverá pacote.
Curador: - O artista é antes de tudo autêntico.
Impotente: - Isto nunca me aconteceu antes.
Orador: - E para finalizar...

sexta-feira, 20 de abril de 2012

COMO IDENTIFICAR UM CALHORDA

  1. Ele chama a mulher de patroa.
  2. Ele dobra um dos cantos do cartão de visita.
  3. Ah, meu Deus, ele tem cartão de visita!
  4. Na hora de pagar a conta num restaurante, ele faz estardalhaço e graceja com o garçom.
  5. Mas é lento em sacar a carteira.
  6. Ele trai a amante e as garotas de programa com a esposa.
  7. Só aparece desacompanhado no swing.
  8. Muito fala, dá bom dia a cavalo.
  9. Faz dos ouvidos dos outros pinico.
  10. Não tem preconceito de ter preconceitos. 
  11. Pratica a filha-da-putice em estado de arte.
  12. Nem a morte vai redimi-lo.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

LIÇÕES DE VIDA

Com Benjamin: aprendi a não desejar ser o caçula da família - o estuário de todos os croques.
Com Não-Euclides, meu professor de Matemática: aprendi a importância de estudar a geometria não-euclidiana.
De Paulo Gurgel Sênior, meu pai: veio-me a sabedoria sobre a madureza dos limões. Há que se colher, de preferência, os que já estão bicados pelos passarinhos.
Com o relojoeiro Rústico: aprendi que se deve usar um relógio em todas as horas, minutos e segundos.
A Simonides: devo a paixão pela ópera, o mais belo dos espetáculos apesar da música.
A Apius: devo minha iniciação em numismática, a qual, em um momento de necessidade, fez surgir algum dinheiro atual.
Com Papillon: aprendi que uma colisão com uma frágil borboleta pode causar uma comoção cerebral, dependendo da forma como se dá.
Com Bonaparte: aprendi a única coisa que não se recomenda fazer com uma espada. Sentar-se nela!
Com Josué: aprendi como fazer parar o sol no firmamento. É meio desonesto mas ajuda a ganhar uma batalha.
Com Nero: aprendi a só atear fogo às vestes quando elas se encontram no varal.
De Aracne: veio-me a técnica de fiar confiando.
Com Quasímodo: aprendi a ter uma melhor postura na vida.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

PLÁSTICO SUJO SE LAVA EM CASA?

Numa das capitais do Nordeste brasileiro, as autoridades sanitárias municipais resolveram adotar uma nova medida. Fazer com que os barraqueiros, ao servirem bebidas e comidas a seus fregueses, usassem apenas recipientes descartáveis. E, para que não considerassem a norma descabida, foram todos os barraqueiros conscientizados sobre a importância da medida como uma forma de preservar a saúde da clientela. Abolindo assim, de uma vez por todas, o pouco higiênico costume que eles tinham de lavar suas louças em água não corrente (que só muito raramente era trocada).
Fora, portanto, os baldes com água onde os pratos e os copos eram mergulhados para retirar as sujidades. Quanto ao custo adicional, representado pela compra do material descartável, ora, poderia o mesmo ser repassado para os preços dos tiragostos e das bebidas. Afinal, tudo na vida tem um ônus.
Posta em prática a salutar medida, alguns dias após, uma equipe de televisão retornou ao local das barracas para fazer uma matéria. Barraqueiros e fregueses foram entrevistados.
Eis o depoimento da proprietária de uma das barracas:
"O secretário tá certo, meu senhor. Em querer proteger a saúde da população, não é mesmo? E nós já tamos cumprindo a lei. Prato, copo e talher, tudo aqui é de prástico. Mas... ô material trabalhoso para a gente lavar!"

sexta-feira, 30 de março de 2012

AMIGO E DINHEIRO

Amigo é pra essas coisas
Silvio Silva Júnior/Aldir Blanc

- Salve!
- Como é que vai?
- Amigo, há quanto tempo!
- Um ano ou mais...
- Posso sentar um pouco?
- Faça o favor.
- A vida é um dilema
- Nem sempre vale a pena...
- Pô...
- O que é que há?
- Rosa acabou comigo.
- Meu Deus, por quê?
- Nem Deus sabe o motivo.
- Deus é bom.
- Mas não foi bom pra mim.
- Todo amor um dia chega ao fim.
- Triste...
- É sempre assim.
- Eu desejava um trago.
- Garçom, mais dois.
- Não sei como eu lhe pago.
- Se vê depois.
- Estou desempregado...
- Você está mais velho.
- É...
- Vida ruim.
- Você está bem disposto.
- Também sofri.
- Mas não se vê no rosto.
- Pode ser...
- Você foi mais feliz.
- Dei mais sorte com a Beatriz.
- Pois é..
- Tudo bem.
- Pra frente é que se anda.
- Você se lembra dela?
- Não.
- Lhe apresentei...
- Minha memória é fogo!
- E o l´argent?
- Defendo algum no jogo.
- E amanhã?
- Que bom se eu morresse!
- Pra quê, rapaz?
- Talvez Rosa sofresse.
- Vá atrás!
- Na morte a gente esquece.
- Mas no amor a gente fica em paz.
- Adeus
- Toma mais um.
- Já amolei bastante.
- De jeito algum!
- Muito obrigado, amigo.
- Não tem de quê.
- Por você ter me ouvido.
- Amigo é pra essas coisas.
- Tá...
- Tome um cabral.
- Sua amizade basta.
- Pode faltar.
- O apreço não tem preço, eu vivo ao Deus dará
Dinheiro é pra essas coisas
Paródia: Paulo Gurgel, 1992

- Salve!
- Como é que vai?
- Cruzeiro, há quanto tempo!
- Um ano ou mais...
- Posso sentar um pouco?
- Faça o favor.
- A vida é um sufoco.
- Nem sempre existe troco...
- Pô...
- O que é que há?
- Collor acabou comigo.
- Meu Deus, por quê?
- Nem Deus soube o boato.
- Foi o over.
- Ah, não foi bom pra mim.
- Todo ativo um dia chega ao fim.
- Triste...
- É sempre assim.
- Eu desejava um ajuste.
- Congresso faz.
- Não sei quando é o embuste.
- Ora, rapaz.
- Estou tão bloqueado...
- Você está de volta.
- É...
- Ágio ruim.
- Você está bem enxuto.
- Também sofri.
- Não sobe o dólar um puto.
- Pode ser...
- Você foi mais feliz.
- Dei mais sorte com o tal Eris.
- Pois é...
- Tudo bem.
- Pacote é que manda.
- Se lembra da poupança?
- Não.
- Lhe indiquei...
- A garantia foi-se!
- E o CDB?
- Pior do que um coice.
- E a inflação?
- Ah, se recrudescesse...
- Pra quê, rapaz?
- Talvez Zélia sofresse...
- Vá atrás!
- Cabral não a esquece.
- Mas em casa a gente fica em paz.
- Adeus.
- Tá dois por um.
- Já despenquei bastante.
- Ziriguidum!
- É muito ágio, amigo.
- Compensa não.
- Vou acabar falido.
- Dinheiro é pra essas coisas.
- Peço...
- Vá ao leilão.
- A liquidez não dá.
- Pra liberar.
- Se tudo aumenta o preço, eu saio do colchão.

sexta-feira, 23 de março de 2012

FAMÍLIAS

Ter família é uma tendência que se observa nos seres em geral. Uma tendência da qual não escapam nem mesmo os seres inanimados. Como os gases nobres, a Coca-Cola e as pizzas.
Já ser família é outra coisa. É excludente. Exige-se que a pessoa seja honesta, recatada e de boa índole. A menos que queira ser a ovelha negra da família.
Em número de membros, a maior família do Brasil é, ao que tudo indica, a dos Silvas. Num artigo, A Convenção da Família Silva, eu já me preocupei com a impossibilidade desta "megafamília", à qual inclusive pertenço, um dia fazer a sua convenção.
Mas há outras famílias também interessantes. Senão, vejamos:
A família Júnior - Reúne o Fábio Júnior, o Blota Júnior, o Teragram Júnior, o Chevette Júnior e o jogador Júnior, entre outros. Seus membros abreviaram o nome para Jr., adaptando-se ao internetês.
A família Di - Seus principais expoentes foram o pintor di Cavalcanti, o Didi "Folha Seca" e a Lady Di (apesar da pronúncia anglicana de seu nome). Atualmente, há o Didi dos Trapalhões.
A família Maravilha - Tem a Elke, a Mara e o Fio (de quem todos nós gostamos).
A família Tutu - Tem o Desmond Tutu, Prêmio Nobel da Paz, a ex-deputada Tutu Quadros e, que não venha mais cá, o Tutu Marambá.
Nome de família dá muita confusão. Numa apresentação, não ouvindo bem a pronúncia de um sobrenome, eu pedi que a pessoa me confirmasse, se era Espínola ou Espíndola. Era Espínola, ele não tinha o "D" feito, OK, ficou então explicado.
Mas pior foi o que o mesário de uma sessão eleitoral certa vez aprontou. Durante a chamada dos votantes da sessão, trocou o nome de um certo Quintino Reis da Costa por... Quinhentos Réis da Bosta.
Além disso, a numerologia tem feito seus estragos. A cantora Sandra Sá, que mudou o nome para Sandra de Sá, e Jorge Ben, para Jorge Benjor, pioraram artisticamente com as mudanças. Mas a facção do PCB, que mudou para PC do B, não. A que continuou PCB, e que depois virou o nauseante PPS, foi a que piorou.
O apego pelo nome da família é algo muito relativo. Nem todo mundo inclui no cartão de visita os nomes de todas as famílias que contribuíram para a formação de seu genoma. Eu, por exemplo, sou Amaral, Lacerda, Coelho, Noronha e muito mais, mas não porto estes nomes comigo.
Alguns vultos históricos, porém, conservaram os sobrenomes de quase todos os antepassados. Como Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bibiano Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga de Bragança, o Dom Pedro II, que tinha um ajudante de ordens só para lembrar a sequência. E como Pablo Diego José Francisco de Paulo Juan Nepomuceno Maria de los Remedios Cipriano de la Santíssima Trinidad Ruiz y Picasso, que, para evitar o cansaço, subscrevia-se Pablo Picasso.
Melhor assim do que, no meio desse cipoal de nomes, cometer alguma distração. Do tipo que o trovista Ayrton Christovam um dia relatou:
O escrivão, veja você
Ao registrar o Carvalho
Esqueceu de pôr o "V"
E até hoje ainda dá galho.

sexta-feira, 16 de março de 2012

É A LÍNGUA IMEXÍVEL?

Nos últimos tempos, nossos políticos e tecnocratas têm andado às voltas com a tarefa de criar novas palavras para a língua falada no Brasil. Que, dizem uns, se tratar de português, e outros, de brasileiro mesmo. Não entrando no mérito de tal discussão, já que não tenho uma opinião formada sobre o assunto, uma coisa, porém, eu afirmo. A língua que Arraes chorou no exílio está sendo, como nunca, invadida por neologismos.
Resta ver com qual finalidade. Muitas vezes, os neologismos são criados para preencher necessidades da comunicação, isso é fato. E o idioma precisa deles para o seu rejuvenescimento, assim como se descarta de outras vocábulos que vão virar arcaísmos. Feito uma árvore que todo dia estreia novas folhas, desfazendo-se de outras já sem viço. E, queiram ou não, a mais corriqueira das palavras um dia já foi neologismo.
O insuperável Guimarães Rosa a três por quatro inventava palavras. Novos modos de arrumá-las, concatená-las, tal e coisa. São exemplos de composições tipicamente rosianas: "maquiavelhaco" (maquiavélico+velhaco), "enormonho" (enorme+medonho). No conto "Uns Inhos Engenheiros", em que ele descreve a construção de um ninho por um casal de passarinhos, há um brotar tamanho de palavras que o espetáculo apresenta um frescor, um encanto nunca vistos. Como se fosse a vez primeira em que isso acontecesse na Natureza e, ao ocorrer lá estivesse o olhar divertido de um homem que, paralelamente, criasse uma linguagem só para lhes celebrar a façanha.
O gênio de Cordisburgo, no dizer da scholar norte-americana Mary L. Daniel, parecia querer a língua que se falava antes de Babel. E, por isso, ele amalgamava, forçava, torcia e a submetia a experiências as mais audazes. Muitas vezes encontrando inéditos sentidos para as frases e palavras, mas... estou a falar de um artista no ato da criação. Nossos homens públicos, ao que se sabe, não chegam a tanto.
A atual temporada iniciou-se com o famoso "imexível" do ministro Magri (por sinal, o mais mexível dos ministros do Governo Collor). A que se seguiu o "dessazonalizar" do Kandir, com o aparente significado de que se deve subtrair os produtos sazonais (roupas de inverno, por exemplo) do cálculo dos índices de inflação. E, mais recentemente, o "orfanizado" do José Inácio, o líder do governo no Senado Federal, para caracterizar que há categorias necessitadas de uma lei que as proteja numa livre negociação.
O assunto com vistas a Houaiss, que nos promete um grande dicionário. Já que o Aurélio, autor do "Novo Dicionário da Língua Portuguesa", não mais se acha entre nós (foram suas últimas palavras "zwinglianismo" e "zingliano"). Então, meu bom Houaiss, que tal incluir em sua obra os verbetes "apoiamento" e "propositura"? Tão apreciados por nossos homens públicos, destinam-se a substituir "apoio" e "proposta".
Sei não, mas se a língua existe para ocultar o pensamento, como alguém já disse, tudo começa a fazer sentido. Uma língua em processo de expansão só pode é ocultar muito mais, exatamente o que esses senhores gostam de fazer.

sexta-feira, 9 de março de 2012

TURMAS

Quando era moleque, algumas vezes acompanhei a turma do bairro numa insensata missão. Circular em bando pelas ruas de outro bairro - por pura provocação! Iniciando (ou revidando)  o que eles faziam com a gente quando vinham a nosso bairro. Havia troca de palavrões, mostrar de músculos e, ao final, uma correria da turma visitante, o que geralmente impedia de o conflito assumir maiores proporções.
Vivermos em bairros diferentes era o único fato que alimentava essa rivalidade. A sociologia, a que cabe elucidar essa forma de comportamento grupal, deve ter alguma explicação. Do tipo: um grupo hostiliza outro grupo por que aquele vê neste como que uma ameaça à sobrevivência. E, transportando isso para a relação entre as nações, entende-se por que as guerras são um nunca acabar.
Na história contemporânea a gente vê o quanto o povo de um país pode ser induzido ao estado de beligerância. Se lhe oferecem uma liturgia de signos, paradas, hinos, oratória marcial, culto à raça e uma arquitetura monumental e triunfalista. Se lhe incentivam a se organizar em legiões e milícias juvenis. Goebbles, Hitler, Mussolini, Stalin, Peron, Mao, Franco e Salazar foram grandes manipuladores desse universo kitsch.
Meu lugar era na retaguarda. Que é onde deve ficar o serviço de saúde de uma tropa.

DE UM TRATADO DE GUERRA PUERIL
  1. Toda e qualquer desavença poderá ser a causa do estado de beligerância. (1)
  2. As armas permitidas serão as atiradeiras. (2) O uso de outros instrumentos de combate será considerado um procedimento aético.
  3. A munição necessária para a refrega será suprida pelas carrapateiras que existem nos terrenos baldios do bairro.
  4. No calor da contenda serão toleradas as referências desabonadoras às mães dos combatentes.
  5. Não existirá a figura do prisioneiro de guerra. Todos terão que lutar até o fim.
  6. As partes beligerantes acordam suspender o combate um pouco antes da hora do jantar. (3)T
(1) Inspirado no Tratado de Guerra dos Adultos
(2) Sinônimos: bodoques, estilingues, baladeiras.
(3) Para recomeçar tudo no dia seguinte.

A vantagem era que "ninguém matava, ninguém morria".

sexta-feira, 2 de março de 2012

CAPICUAS

A capicua (palavra de origem catalã: "cap i cua", cabeça e cauda) é um conjunto de números cujo reverso é ele próprio. É um tipo de palíndromo numérico ou palíndromo da matemática. Alguns exemplos: 11, 123, 23432 e 3456543.
Uma técnica de obtenção de um capicua é pegar-se um determinado número, inverter a ordem de seus dígitos e somar o número obtido ao número original, obtendo-se um novo número e repetindo-se este processo até chegar a um número capicua. Exemplo: tendo-se 84, invertendo-se, obtém-se 48; 84+48=132; e 132+231=363.
Os palíndromos numéricos com datas são mais interessantes. Em 11/02/2011, ocorreu um destes. E hoje, 21/02/2012, está ocorrendo outro.
No entanto, encontrar uma simetria  que inclua horas e minutos em uma data é bem mais difícil. No milênio passado, ocorreu uma às 11h11 de 11 de Novembro do ano 1111, formando a sequência 11h11 11/11/1111. Outra ocorreu às 20h02 no dia 20 de fevereiro de 2002, formando a sequência 20h02 20/02/2002. E a próxima vez será somente às 21h12 de 21 de dezembro de 2112, que formará a sequência 21h12 21/12/2112.
No dominó, a pedra que pode finalizar o jogo, de um lado ou de outro, é também chamada de capicua (segundo o Aurélio).

"Capicuas" integra com "Anagramas" e "Palíndromos" uma espécie de trilogia de textos correlacionados, que foram iniciados na década de 1980 e só agora concluídos. A estes, pode se acrescentar um quarto texto, "Escrevendo com números", já publicado na mídia impressa ("A Ferragista" e "Opinião do Leitor") e no Preblog.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

PALÍNDROMOS

Os palíndromos são palavras ou frases que podem ser lidas da esquerda para a direita e vice-versa, sempre com o mesmo significado. Exemplos: A DIVA É MOTE E TOM É A VIDA (ao Tom Jobim) e À D. ANA: DÁS UMA DANADA (à Ana, mulher do Tom). Estes dois palíndromos foram criados por Fraga, ao tempo em que o "Pasquim" abriu uma temporada sobre o assunto.
Há muitos outros exemplos: O SÓ REMETER É TEMEROSO, SOMAR SOB OS RAMOS, A TROPA À PORTA, EVA ASSE E PAPE ESSA AVE, ALI ROGO RETER O GORILA, SOCORRAM MARROCOS, ROMA ME TEM AMOR, O TREPONEMA É AMENO PERTO, ATIRA O CASACO À RITA, A TORRE DA DERROTA, A CARA RAJADA DA JARARACA, ZÉ DE LIMA - RUA LAURA MIL E DEZ etc.
Para "palindromizar" exige-se um vocabulário acima da média e uma boa dose de paciência. Escolhe-se um tema (nome) para centralizar o trabalho nele. O tema é o ponto em que o palíndromo se espelha para os lados. Se houver uma letra-chave, que não permita o retorno, aí está o "miolo" do palíndromo.
Vale tudo no palíndromo: Non sense, livre pensar, achado sonoro (aliterações e cacofonias são ótimos resultados). Até bobagens são bem-vindas (porque são exercícios que levam à boa técnica). Mas o ideal é perseguir uma frase que enuncie uma clara intenção ou contenha alguma "substância", além do mero efeito vai-vem.
Ainda é Fraga que dá estas dicas: "Evite construir com grupos consonantais duros (inflexíveis à inversão). CH, NC, ND, SC, entre outros, são pedras no caminho. Já BL, CL, BR, CR, GR, TR, VR, entre tantos, são domesticáveis. Use e abuse dos L, M, R, S, pois estas quatro letras, garantindo início/fim de mil combinações, são a base corriqueira dos palíndromos."
Outro recurso que salva construções é a pontuação. Como diz o "palindromista de plantão" do "Pasquim": "Dois pontos, vírgulas, pontos de interrogação etc. são boias no mar das dificuldades e servem para quebrar, unir, enfatizar ou suavizar uma frase. Nenhum palíndromo vai aparecer para você na posição que Napoleão perdeu a guerra. Tem que forçar a submissão dos termos!"
Com o código Morse amplia-se a possibilidade de construir palíndromos. Palavras cujas letras não dão palíndromos podem fazê-los com os pontos e os traços do código. Eis dois exemplos desses "palinmorses":
SOPRANOS ··· --- ·--· ·-· ·- -· --- ···
HECTARES ···· · -·-· - ·- ·-· · ···
É música para os ouvidos saber que há também o palíndromo... musical. Eis um exemplo:
Outro:
Tirado do minueto na Sinfonia n º 47 de Haydn, a orquestra toca a mesma passagem para a frente, depois para trás.
Quanto ao "antipalíndromo": existe? Segundo alguns, ele existe. Sempre que frase pode ser lida ao contrário, porém com um significado diferente: ATÉ, CUBANOS! ROMA.
SATOR AREPO TENET OPERA ROTAS
Mais do que um palíndromo, a frase acima é considerada um "quadrado mágico". Como são 5 palavras de 5 letras, as mesmas podem ser dispostas adequadamente de modo a formar um quadrado, o qual pode ser lido na horizontal ou na vertical, para a direita ou para a esquerda, para baixo ou para cima.
Em função dessa espantosa simetria, a frase foi usada como um talismã na Antiguidade. Três de suas cinco palavras são claramente latinas: tenet (manter, ocupar, dirigir, governar), opera (obra, ação, trabalho, processo, ou uma forma verbal correspondente) e rotas (rodas, círculos, ciclos, disco do sol). Uma das hipóteses é de que a misteriosa frase tenha sido cunhada pelo escravo romano Loreius. Mas, por não ser totalmente de formação latina, Giba Assis acha que traduzir essa frase como "o lavrador mantém cuidadosamente o arado nos sulcos" equivale a compor um "samba do escravo romano doido".
Ler também: 
Só papos

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

ANAGRAMAS

Anagrama é palavra ou frase formada pela transposição das letras de outra palavra ou frase. Exemplos, com nomes de pessoas: Alice e Célia; Isabel e Belisa; Manoel e Leonam. Ao anagramatizar-se uma palavra, é possível, muitas vezes, se obter diversos vocábulos. Como na palavra peso, que forma pose e sopé, na palavra alegria, que dá galeria, alergia e Argélia e na palavra amor, que origina ramo, mora, Omar e Roma.
Em nosso idioma, costuma-se apontar o mais belo anagrama como sendo Iracema, o nome da heroína do romance de José de Alencar. Supondo-se que o romancista, ao criá-lo, tenha recorrido à palavra América. No entanto, rascunhos preservados do romance indicam que Alencar, antes de escolher o nome da "virgem dos lábios de mel", andou vacilando entre Iracema e Aracema.
Pelos curiosos resultados obtidos, compor anagrama já foi uma mania no passado. Luís XIII, rei da França, tinha um anagramista oficial. Outra mania foi o logogrifo que, ainda modernamente, tem seus adeptos (V. coluna "Logomania", de Luiz Carlos Bravo, no DN). Relacionado ao anagrama, o logogrifo é uma espécie de charada. O praticante, a partir de uma palavra-chave, cujas letras aparecem misturadas, deve formar o maior número possível de palavras com quatro letras ou mais. Exige-se, ainda, que uma letra - em destaque - conste de todas as palavras formadas, e que a palavra-chave seja decifrada no final.
Quando a palavra ou a frase pode ser lida da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda, sempre com o mesmo sentido, aí temos o palíndromo. São exemplos de palindromos: osso; orava o avaro. Sendo com números, o fenômeno recebe o nome de capicua. 13531, por exemplo, é uma capicua. E, no dominó, a pedra que pode finalizar o jogo, de um lado ou de outro, idem (segundo o Aurélio). Na próximo número do tablóide, falarei sobre o palíndromo. Ele é também, no mínimo, um interessante exercício mental.
A formação anagramática tem sido um recurso muito usado com o fim de disfarce autoral. Utilizou-se desse recurso, Manoel du Bocage, ao adotar o pseudônimo arcádico Elmano Sadino (Elmano, anagrama do nome Manoel, e Sadino, uma homenagem ao rio Sado que atravessa Setúbal, a cidade natal de Bocage). Já Alcofibras Nasier foi o pseudônimo de François Rabelais. Sendo médico e religioso, Rabelais se valeu do pseudônimo anagramático para publicar os feitos de "Pantagruel" e "Gargantua", personagens de romances à época considerados obscenos. No Brasil, vários escritores usaram também o aludido recurso. Como Bastos Tigre, cujo criptônimo era D. Xiquote, anagrama de D. Quixote, com o qual assinava os seus textos satíricos. E como o grande Guimarães Rosa que, algumas vezes, subscreveu-se Soares Guiamar, mais um anagrama do que um pseudônimo.
Personagens de poemas e romances podem também ter nomes anagramatizados. Verifica-se isso, principalmente, no roman à clef, o romance baseado em pessoas e fatos reais.
O anagramista é o caricaturista do vocábulo. E, se o nome de uma pessoa em evidência dá tal oportunidade, caricatura-o sem dó. Como fez o Prof. João Hipólito ao modificar o nome de Getúlio Vargas para... Egoista Vulgar . E como fizeram os companheiros de Surrealismo de Salvador Dalí, ao modificarem o nome deste para... Avido Dollars, sob o pretexto de que o pintor catalão era um mercantilista.
Mas, em ocasiões, a criatura pode se voltar contra o criador. A exemplo disso, R. Magalhães Jr. relata o que um dia aconteceu ao anagramista francês César Coupé. Depois de umas tantas atazanações anagramáticas com os outros, Coupé se tornou vítima de seus colegas de passatempo. Ao ter o próprio nome anagramatizado, com grande malícia, para... cocu separé (corno separado).
08/09/20 - Atualizando...
THAT’S ONE SMALL STEP FOR A MAN, ONE GIANT LEAP FOR MANKIND, a frase célebre de Neil Armstrong, é um anagrama de AN EAGLE LANDS ON EARTH’S MOON, MAKING A FIRST SMALL PERMANENT FOOTPRINT.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

SOLIDARIEDADE

"Eu não acredito em caridade. Eu acredito em solidariedade. Caridade é vertical: vai de cima para baixo. Solidariedade é horizontal: respeita a outra pessoa e aprende com o outro. A maioria de nós tem muito o que aprender com as outras pessoas." (Eduardo Galeano)

Solidariedade é a relação de responsabilidade que existe entre pessoas de um modo que cada elemento de um grupo se sinta na obrigação moral de apoiar os outros. Não foi um sindicato polonês que inventou esse conceito.
Nem é aplicável apenas no câncer, como dizia Otto Lara Rezende (a respeito dos mineiros).
A solidariedade requer desprendimento de quem se solidariza. Ajudar uma moça bonita a trocar um pneu de carro, para depois tentar uma carona para o motel, não entra na quota. Fazer cortesia com o chapéu ou o solidéu alheios, idem, idem.
Quem avisa amigo é? Não, não é só avisar pura e simplesmente. Na solidariedade, agente e paciente desse ato precisam estar vinculados emocionalmente. Do contrário, todas as placas de trânsito seriam solidárias.
Dá para acreditar na solidariedade do algoz que diz à vítima: "Acredite, vai doer mais em mim"? E na solidariedade do delegado que, após meter o preso numa enxovia, diz: "Estou do seu lado mas não abro"? Claro que não.
Em "Memórias póstumas de Brás Cubas", Machadão deixou esta para a posteridade: "Suporta-se com paciência a cólica do próximo." Trata-se, a meu ver, de outro não-exemplo.
Solidariedade quando tudo anda nos eixos não tem graça. Quero ver é se você daria a mão a alguém que esteja numa enrascada? Como estar sentado numa cadeira elétrica no exato instante em que a chave é acionada? Mas solidariedade que lembra o suicídio coletivo das baleias tem outro nome: é estultície.
Existem tribos em que o homem se isola para "sentir", a seu modo, as dores do parto. Por vezes, mostrando-se mais convincente do que a mulher. Desse comportamento primitivo é que resultaram o costume de "beber o mijo" da criança e a licença-paternidade. Além disso, como o bicho homem continua a evoluir, novas formas de solidariedade certamente surgirão nessa área.
E sabia que...
... só porque leu este artigo você acaba de praticar um ato de solidariedade?