sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

O ESTATUTO DA TOLERÂNCIA

Todos viram pela televisão aquela cena dos congressistas se engalfinhando por conta de um desacordo sobre a prorrogação dos mandatos dos prefeitos e vereadores. A oposição criou a maior celeuma, alegando a inconstitucionalidade da lei em questão, mas sem fundamento, pois acima da Constituição da República, muito acima, está a "Lei do Meu Pirão Primeiro". E esta é bastante clara no seu artigo 437:
Quando 2 por cento dos prefeitos e vereadores de uma legislatura apresentarem, ao fim de seus mandatos, uma média de atuação considerada razoável, os seus titulares terão os mandatos prorrogados por mais 2 anos, sem necessidade de consulta popular.
Parágrafo único - Os demais 98 por cento serão equiparados aos 2 por cento do caput do artigo para não haver discriminação.
Portanto, não cabia aos parlamentares oposicionistas o despropósito de sair quebrando os óculos e as auréolas dos briosos pedessistas. Pensam vocês que é sopa de aspargos viver defendendo o governo em tudo, inclusive nas mordomias ministeriais?
Confesso-me preocupado com tais destemperanças. Crianças, reiniciem o diálogo do pescoço com a guilhotina. Em ato de mútua compreensão, sirvam-se da champanhe: o espumante líquido para os homens do sim (do sim senhor, aliás) e o balde de gelo para pôr o na cabeça dos espíritos mais rebeldes, de modo a lhes esfriar as cucas.
A estes últimos, também, um conselho útil para o bem viver: criem um estatuto. Algo assim como...

O ESTATUTO DA TOLERÂNCIA
  1. Conciliação quando os seus comícios forem dissolvidos pelos órgãos de "segurança" com cassetetes, cães policiais e gás lacrimogênio. Se usarem bomba atômica é que não, reajam!
  2. Tranquilidade quando o presidente do Congresso Nacional, usando da tortura mental, mandar colocar a música "Foi Deus que fez Vocês, na voz da Amelinha, em todas as sessões da Casa.
  3. Estoicismo quando descobrirem que o tempo de televisão reservado ao pool das oposições foi encurtado para meia hora anual.
  4. Paciência quando o Governo, via Ministério da Fazenda, fizer revisões periódicas em suas declarações de renda, pois não se tratará de alguma forma de pressão e sim de uma necessidade imperiosa de aumentar a arre(!)cadação federal.
  5. Moderação quando a famigerada Lei Falcão (vige! como ela vige!) garroteá-los cada vez mais. Se, ainda, restar a possibilidade de se falar de política nas reuniões familiares.
Publicado em 19 de setembro de 1980 no Jornal O POVO.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

O GUIA DE BOATE

O sujeito leva um amigo de fora para conhecer uma boate da cidade. Uma semana antes, lá estivera e ficara impressionado com o luxo da casa. Tomou um pifão daqueles.
Agora sóbrio, ele mostra ao amigo o luxo da boate em todos os detalhes. Aliás, em todos menos um: onde estava aquele vaso sanitário dourado? Justamente o que mais o impressionara na visita anterior,
E, para não passar por mentiroso, ele pergunta a um garçom pelo destino do vaso.
Sem contar com essa, porém. O garçom se virar para o palco da boate, onde alguns músicos afinavam os instrumentos, e gritar:
- Chega, Valdir. Vem conhecer o cara que fez aquela sujeira toda em teu saxofone!

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

OS FUNDADORES DA MEDICINA CHINESA

FU-HSI
Viveu há cinco mil anos atrás, sendo concebido (1) sem pecado após vinte anos de gestação. Sua sabedoria médica despontou, in utero, ao colaborar com as autoridades chinesas no controle da natalidade de sua genitora. (2) Ainda de fraldas, desfraldou sua bandeira: a sua filosofia médica. Na Natureza, astuciou Fu-Hsi, tudo seria composto por duas forças cósmicas: o Yin e o Yang. O Yin é a fêmea, o Yang é o macho. (3) O Yin é a Terra, o Yang é o Céu. (4) Assim, no universo em miniatura que existe em cada ser humano essas forças se entrechocam em cada célula, em cada órgão e no corpo todo. (5) Se Yin e Yang estão em harmonia a saúde prevalece; se Yang chega tarde à casa, cheirando a bebida, e Yin desce o rolo de pastel na cabeça dele, surge a doença. Como se trata de um enfrentamento marido x mulher, o médico talvez não devesse meter a colher-medida. (6)
(1) Concebam só isso.
(2) Duvido que, depois disso, ela tenha tentado gerar mais alguém.
(3) O indeciso onde fica?
(4) Ora, fique o indeciso na linha do horizonte.
(5) Filosofia dele.
(6) Filosofia minha.
SHEN NUNG
O segundo grande nome da medicina chinesa, também nascido há milhares de anos antes de Christian. (7) Foi concebido por uma princesa sob a influência de um dragão celestial que, aproveitando-se da miopia de alcova dela, fez-se passar por um mandarim com uma aposentadoria de vinte salários mínimos. Shen Nung veio ao mundo para tornar-se o Imperador do Fogo. (8) Inventou o arado e descobriu o poder curativo das plantas. (9) Granjeou merecida fama na arte de ingerir venenos. Ele próprio afirmava ter ingerido 70 espécies de veneno num só dia. E, se essa experimentação gastronômica houver sido verdade, (10) não vejo ninguém melhor do que ele para ser o pai da indústria farmacêutica.
(7) Antes de Christian Barnard.
(8) Filho de dragão, dragãozinho é.
(9) Pomada de urtiga para o tratamento da urticária, assim por diante.
(10) Nem todo mundo engole isso.
HUANG-TI
O terceiro e último dos concebidos sem pecado (11) que fundaram a medicina chinesa. Visitou os imortais e recebeu deles as "90 Prescrições de Ouro e Prata" e as "9 Cabaças com os Pós". (12) As divindades Escarlate e Branca o inspiraram a inventar as "9 Agulhas da Acupuntura. (13) Assim munido, montou uma casa funerária que prosperou. E teve que construir um hospital filantrópico, pois precisava fazer certos abatimentos no imposto de renda. Quando ele morreu, aos 111 anos de idade, (14) vítima da automedicação, um dragão amarelo desceu do Céu e para lá o levou nas costas. Um cargo burocrático o esperava, pois as potestades celestes, mesmo gozando uma excelente saúde, preferiram não correr nenhum risco.
(11) A moda pegando.
(12) Uma fixação pelo número nove e múltiplos.
(13) Tirou-as do toucador delas, isto sim.
(14) Sem a fixação anteior.
MA-SHIH-HUANG
Huang-Ti deixou muitos seguidores na Terra, como Ma-Shih-Huang, o pai da medicina veterinária. Certa vez, um dragão com as orelhas inflamadas, afora um forte resfriado, procurou-o em busca de tratamento. Ma-Shih-Huang acupunturou-o na região dos lábios e administrou-lhe uma decocção. Curou assim este e muitos outros dragões, igualmente resfriados, que, ao curso de sua vida caridosa, vieram procurá-lo. Até que um desses lagartões, agradecido pela cura, mas não sabendo dosar o entusiasmo, expeliu uma labareda tamanho solar nas fuças de Ma-Shih-Huang, que também subiu aos céus, vitimado pela iatrogenia. Só que ao contrário.

Publicado em outubro de 1981 no Boletim Informativo Cultural do Clube do Médico . Texto reescrito em dezembro de 2010.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

A ROUPA SUJA DE BRASÍLIA

O dono de uma lavanderia em Belo Horizonte encontrou a fórmula para diminuir a capacidade ociosa de sua empresa. Consiste ela de buscar clientela na cidade do Rio de Janeiro. Quanto ao fator distância, representado pelos 327 quilômetros em linha reta entre as duas capitais, para ele, não é problema. A roupa é transportada em aviões de carreira e, três dias após, o cliente carioca pode retirá-la em sua cidade, pagando taxas de serviços iguais às das lavanderias locais. Com os sucessos logístico e financeiro da operação, o empresário planeja estender os negócios à Brasília.
Fico a imaginar como seria um rol de roupas sujas de Brasília:
1 babador pertencente ao deputado Edison Lobão.
1 calça listrada seguindo junto com o proprietário, Sr. Agamenon, aspone da Funai, que precisa ver uma tia em Belo Horizonte.
125 uniformes de campanha. Cuidado com o de nº 7, porque pode danificar a calandra da lavanderia. Caso isto aconteça, anexar um formal pedido de desculpa a seu proprietário, o general Cruz Credo!
48 smokings. O de nº 36, de propriedade do sr. Carlos Átila, tem dispositivo especial para mágicas de pequena voltagem.
2 camisetas com a inscrição "eu quero votar em mim para presidente" do deputado Paulo Maluf.
1.800 lenços, todos da bancada órfã do PTB.
5 bermudas do "major" Curió. Lembrar de passar a bateia na água de enxágue onde vai ter ouro em pó.
1 gravata. Recomendação de não desfazer o nó da gravata, porque ela pertence, ó, ao cacique-deputado Mário Juruna.
22 camisas esportivas do Clube dos Safenados em Cleveland.
1 gibão de couro do ministro André Asa, com os bolsões de miséria trabalhados à mão.
1.551 vestidos para a higienização ultra-rápida. Sábado próximo haverá baile na Ilha Fiscal.
1 vestido longo da Sra. Mustafalla, esposa do Sr. embaixador turco no Brasil. A "turquesa" pede urgência, porém respeitando a sexta-feira muçulmana.
1 meio-fraque do ministro Galveas, seguindo ambos em voo extra.
200 camisetas com a efígie de "Che", circundada pela frase "hay que endurecerse sin perder jamás la ternura", do pessoal do quadro suplementar do SNI. Vestidura ultra-sigilosa.
400 lençóis. O lote de 1 a 50, cujo dono é o Sr. Netto, ministro do Planeja Aumentos, apresenta-se com muita sujidade "por debaixo dos panos". Sabão em dobro.
1 faixa verde-amarela, modelo presidencial.
1 faixa preta do quimono do vice-presidente Aureliano. Em caso de dano ou extravio, o dono exige como reparação a  verde-amarela.
765 ternos convencionais, aqui por engano. São "presentinhos" da mãe do Maluf (adivinhem para quem?).