sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

UNIÕES PERFEITAS

Muito já se falou sobre o casamento - esta instituição que a Igreja banalizou transformando em sacramento. Uns, a favor; outros, radicalmente contra. Dizendo estes últimos, entre outras acusações, que se fosse algo bom o casamento não precisaria de testemunhas. Nem a ele se refeririam com expressões como "amarrar-se", "enforcar-se" etc.
Mas as uniões não são duradoras quando não atendem a certos requisitos. Como as idades dos cônjugues, aliás, as diferenças das idades entre eles.
Assim, o casamento ideal seria o que ocorra entre um homem cinquentão e uma mulher aí pelos 18 anos. Para ele, porque as brasas se reavivariam, o fogo (da paixão) o incendiaria, fazendo-o "gemer sem sentir dor". E para ela porque receberia, em troca desse fogaréu todo, a atenção e a experiência do parceiro mais velho.
Uns vinte anos após de estimulante convivência, se não está errada a estatística da expectativa de vida que se divulga para o homem brasileiro, ele partiria desse mundo menor. Deixando mais uma viúva chorosa no pedaço. Só que, passados os prantos imediatos, as formalidades testamentárias, e dado destino à biblioteca do falecido, a viúva estaria disponível para uma nova união.
Ora, com uma gorda conta bancária, bens de raiz, uma mulher de 40 anos tem ainda muito viço pela frente. Sendo previsível que ela busque a seguir um relacionamento afetivo com algum rapaz de alta performance. Outra união perfeita!

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

LAPSOS DE MEMÓRIA

É das piores a minha memória fisionômica. E, com muita frequência, me vejo em situação desconfortável quando alguém me aborda para uma interlocução. Conheço ou não conheço aquela pessoa toda prosa, ali postada à minha frente? Sim, devo conhecê-la, mas... de onde? qual o seu nome? Aí, fico ora fechado em copas, ora a comentar generalidades que não deixem a descoberto o meu lapsus memoriae. Na esperança de que, a qualquer momento, apareça uma pista que me leve a tratar o interlocutor pelo nome.
Ao menos isso. Pois nada é mais doce do que ouvir o nosso nome da boca de outrem. Essa frase, provavelmente dita por Mel Brooks, constitui uma grande verdade. Não adianta você ser amável, puxar um papo legal, se não sabe tratar o outro pelo nome. E fica meio esquisito pedir uma nova apresentação.
Dou exemplos das pistas que, por vezes, me socorrem: um remédio que obrou milagre (ah, é paciente), uma crônica que viu no jornal (ah, é leitor), uma plenária no sindicato (ah, é colega), um conselho para me cuidar (ah, é minha mãe). Exagero, leitor. Até o momento em que redijo estas linhas ainda não passei pelo último vexame.
Sou levado a apanhar mais da memória quando encontro alguém fora do contexto habitual. Mas acredito que isso não é só comigo. Reconheceria você se encontrasse: o seu açougueiro num restaurante vegetariano? o seu confessor num cabaré? o seu personal trainer num spa?
Sem ser masoquista, apanho ainda mais quando é do sexo oposto. Tantos são os recursos que a mulher usa para se embelezar. Penteados, maquiagem, lentes de contato coloridas, lipoescultura etc. Ah, só a voz é que continua a mesma (como dizia um anúncio na TV). E penso que sou mesmo um inepto para a arte da galanteria.
Parafraseando Terêncio, eu diria que tudo que é humano me é estranho. O nordestino tem um nome para isso: "ariado" (com origem em "alheiado"), que é como eu fico em muitas dessas situações. Longe de ser uma vantagem, constitui o fato um handicap. Eu nunca poderei ser um relações públicas, por exemplo. Político, nem pensar. A não ser biônico, vice ou suplente de senador.
Já notei que duas coisas conseguem me avivar a memória. Uma é receber uma advertência pela má memória. O que me faz caprichar na memorização fisionômica da pessoa para que o problema não mais se repita. A outra é ver a pessoa, ainda que a conheça apenas de vista, metida em alguma confusão...
Diabéisso? Serei eu um filho natural de Candinha?

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

MINHA SUPERFATURADA BICICLETA

O meu sonho infantil de possuir uma bicicleta andava cada vez mais difícil de virar realidade. Não era do feitio do velho - nem, talvez, suas posses pudessem permitir a generosidade - dar valiosos presentes a seus filhos. Além disso, ainda estava longe de aparecer a estratégia publicitária que ensinava a gurizada a colocar, nos vários pontos da casa, os lembretes de "papai, não esqueça a minha Caloi".
Por isso, eu já havia fechado questão com os meus botões. Sobre a perspectiva de que não ia sair coelho daquele mato. E, se eu quisesse andar numa bicicleta, tinha mesmo de fazer o seguinte: alugá-la a hora.
Bicicleta de locação era sempre muito velha, de carregação. Lembro-me de que quando alguém saía à rua, montado numa delas, ouvia logo maldosos comentários. Do tipo "basta chover que os caranguejos aparecem". Mas foi nesses "caranguejos" que eu aprendi a dar minhas pedaladas, a tirar as mãos do guidão e a fazer outras proezas.
Ali pelos anos 60, cansei de pegar carona na bicicleta de Paulo Roberto. O "Brilhantina", como era o meu amigo apelidado (em virtude do excesso de "Glostora" na vasta cabeleira), não me faltava com a carona diária, ao término da aula no Colégio Cearense do Sagrado Coração. Antes do meio-dia, lá vínhamos os dois em desabalada carreira pela Duque de Caxias - numa só bicicleta! Com o perigoso detalhe de que a bicicleta de Paulo Roberto não tinha freio. Por descaso ou por busca de emoção barata, até hoje não sei bem. Sei apenas que, para freá-la, o colega encostava a sola do sapato no pneu dianteiro da bicicleta e o pressionava "de com força".
Um dia, compramos, de parceria, uma velha bicicleta que estava à venda por dois mil cruzeiros. Mil meu com mil dele (sei do cacófato). Gastamos, a seguir, ainda alguma grana para restaurá-la porque a idéia era revendê-la. E foi um grande negócio. Pois a "magrinha" acabou sendo vendida por dois mil e quinhentos de entrada, mais três prestações de igual valor. Embora Paulo Roberto não me tenha repassado a parte que me cabia na última prestação. Só me comunicou que resolvera dispensar o comprador do último pagamento. E uma crise de consciência pelo excesso de lucros foi o motivo que alegou para conceder a anistia.
Em meio aos acertos de contas com a transação, recebi do meu sócio um blusão vermelho com gola e punhos pretos. Muito apropriado para dirigir lambreta. Mas foi vestido com ele que eu enfrentei o calor senegalesco dos estúdios da televisão local em um programa de perguntas patrocinado pelo Alumínio Ironte. Ao qual fui para responder sobre Geografia. E o candidato aqui estava bem preparado para citar os afluentes da margem direita do Rio Amazonas, as cidades da Finlândia, a altura do Monte K2, porém o que aprontou comigo o Augusto Borges. Mandou-me uma pergunta múltipla, daquelas que envolvem aspectos conceituais. E, não podendo ser socorrido pelo decoreba, eu "dancei" no ato.
Este insucesso, porém, não me impediu de circular, no dia seguinte, pelas ruas centrais de Fortaleza. Com o vistoso blusão a ajudar, junto à memória das pessoas, na operação de rescaldo dos meus quinze minutos de fama na televisão.
No Sítio Catolé, em Senador Pompeu, onde eu costumava passar as férias, existia - enclausurada num quarto sob cadeado - uma bicicleta de fabricação estrangeira. Eu é que não me atrevia a tomá-la emprestada para ir à cidade. Ela pertencia a Tio Raimundinho, um solteirão cheio de manias e ciumento de seus objetos pessoais. E, para o meu tio, aquela bicicleta era "a joia principal da Coroa". Corria inclusive a história de que ele, quando ia à cidade, não a usava em todo o trajeto. Qualquer aclivezinho besta, ele já desmontava da bicicleta e a empurrava até o alto. E não era por falta de condicionamento físico, não. Era para não forçar a catraca.

sábado, 9 de janeiro de 2010

ENTRE "ITES" E "OSES"

Medicina
Eita, profissãozinha difícil! Não dá para aprender de ouvido, afora o caso do otorrino, claro.
Lance surreal
O paciente ter faltado à consulta anterior e se justificar com a apresentação de um atestado médico.
O médico cabotino
- Só não sou a coqueluche de minha profissão porque curo todas.
Antitabágica
Onde há fumaça há logro.
Sopraram
Que o bafômetro é o espirômetro com baixa tecnologia.
Parafraseando Drummond
Lutar contra a AIDS / É a luta mais vã / Mal hoje curamos / a febre terçã.
O médico realista
- Quando o cliente me elogia por haver acertado o diagnóstico, eu fique torcendo para que ele somente reapareça com alguma doença simples.
Oftalmologista
Aquele que escolhe a especialidade por amor... à primeira vista.
Saúde existe?
Só quando a doença não dá o ar de sua desgraça.
"Murphológica"
É melhor remediar do que desenganar.
Supremo desafio
Pingar colírio em olho de japonês.
Quem não inspira cuidados
Aquele que já expirou, é óbvio.
Outra obviedade
Nove entre dez bulas de remédios são otimistas.
E o médico literato
- Pela literatura eu morro, pela medicina eu mato.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

SÓSIAS

Presume-se que todas as pessoas tenham sósias, ainda que estes não sejam facilmente encontrados. Talvez porque sejam de praias diferentes ou, então, porque o acaso simplesmente não tenha feito a sua parte na arrumação. Ou na armação, vá lá. Porque, quando um se depara com outro, feito à imagem e à semelhança, resulta sempre em algum tipo de inquietação. Alguma paranóia. Relacionada a ver o sósia como um usurpador em potencial do tão duramente conquistado lugar ao sol.
Na mitologia helênica, em que vou buscar inspiração para esta crônica, encontro a seguinte denúncia sobre o deus Mercúrio. Que o deus, no cumprimento de algumas missões, tomava as feições do escravo Sósia. Mas só durante o seu trabalho... sujo (daí o disfarce). Já que, logo a seguir, Mercúrio punha as asas nos pés e voltava voando ao aspecto divino.
Quer dizer, Mercúrio comia o milho e Sósia levava a fama. E fama da pior espécie... que sobrava também para todos os sósias de Sósia.
Se a gente não gosta de encontrar outra pessoa trajando roupa igual (a impressão de um par de jarros), por que irá apreciar ver um sósia? A menos que esteja escalado para fazer o papel numa cena perigosa, de algum filme, e providencialmente apareça um dublê de corpo. Sim, que apareça, porém, que depois... desapareça. Se houver garantia de que, no resto do filme, o substituído não vá correr mais risco, afora o de uma má bilheteria.
Ó sósia, quantos equívocos se cometem em sua aparência! Chaplin uma vez tirou o terceiro lugar num concurso de... “o melhor Carlitos”.
Alma gêmea, homônimo, cover vocal, tudo bem. Mas sósia, até porque, em geral, não encontra respaldo genético para o fenômeno, cheira a fraude. Ressalvado o pater semper incertus dos latinos. E nada, nada mesmo, dá direito a um sósia pedir dinheiro emprestado de outro. A menos que ele empregue o dinheiro do empréstimo numa cirurgia plástica para mudar a aparência. Mas, se for para virar sósia do cirurgião, essa idéia é para ser revisada.
Sei não. Nesse mundo com vocação para a clonagem, eu ainda continuo num laboratório deserto pregando a diversidade. Ou, pelo menos, que se acrescentem os sinais particulares de cada um. Aqui, uma pinta na coxa da apresentadora Angélica, ali umas olheiras no sinistro Serra, acolá uma covinha no queixo do Kirk Douglas... Esses pequenos defeitos que, ao longo do tempo, têm facilitado a sublime missão dos institutos de identificação.
Cada ser é uma experiência única que, bem ou mal sucedida, não merece ter “repeteco”. Todos sabemos que o Sr. Seis não convive que preste com o Sr. Meia Dúzia. Mesmo que a diferença entre ambos seja nenhuma. Antes só do que sósia acompanhado, não é o que dizem? E, se houvesse oportunidade, um quebraria o espelho do outro. Fazendo uma espécie de cena de azar futuro – com reciprocidade.
E não me falem de inclusão “sosial”. Se for para eu trocar este papel de príncipe por aquele papel de mendigo – com um sósia! Só o contrário desta proposta me interessa.