sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

SÓSIAS

Presume-se que todas as pessoas tenham sósias, ainda que estes não sejam facilmente encontrados. Talvez porque sejam de praias diferentes ou, então, porque o acaso simplesmente não tenha feito a sua parte na arrumação. Ou na armação, vá lá. Porque, quando um se depara com outro, feito à imagem e à semelhança, resulta sempre em algum tipo de inquietação. Alguma paranóia. Relacionada a ver o sósia como um usurpador em potencial do tão duramente conquistado lugar ao sol.
Na mitologia helênica, em que vou buscar inspiração para esta crônica, encontro a seguinte denúncia sobre o deus Mercúrio. Que o deus, no cumprimento de algumas missões, tomava as feições do escravo Sósia. Mas só durante o seu trabalho... sujo (daí o disfarce). Já que, logo a seguir, Mercúrio punha as asas nos pés e voltava voando ao aspecto divino.
Quer dizer, Mercúrio comia o milho e Sósia levava a fama. E fama da pior espécie... que sobrava também para todos os sósias de Sósia.
Se a gente não gosta de encontrar outra pessoa trajando roupa igual (a impressão de um par de jarros), por que irá apreciar ver um sósia? A menos que esteja escalado para fazer o papel numa cena perigosa, de algum filme, e providencialmente apareça um dublê de corpo. Sim, que apareça, porém, que depois... desapareça. Se houver garantia de que, no resto do filme, o substituído não vá correr mais risco, afora o de uma má bilheteria.
Ó sósia, quantos equívocos se cometem em sua aparência! Chaplin uma vez tirou o terceiro lugar num concurso de... “o melhor Carlitos”.
Alma gêmea, homônimo, cover vocal, tudo bem. Mas sósia, até porque, em geral, não encontra respaldo genético para o fenômeno, cheira a fraude. Ressalvado o pater semper incertus dos latinos. E nada, nada mesmo, dá direito a um sósia pedir dinheiro emprestado de outro. A menos que ele empregue o dinheiro do empréstimo numa cirurgia plástica para mudar a aparência. Mas, se for para virar sósia do cirurgião, essa idéia é para ser revisada.
Sei não. Nesse mundo com vocação para a clonagem, eu ainda continuo num laboratório deserto pregando a diversidade. Ou, pelo menos, que se acrescentem os sinais particulares de cada um. Aqui, uma pinta na coxa da apresentadora Angélica, ali umas olheiras no sinistro Serra, acolá uma covinha no queixo do Kirk Douglas... Esses pequenos defeitos que, ao longo do tempo, têm facilitado a sublime missão dos institutos de identificação.
Cada ser é uma experiência única que, bem ou mal sucedida, não merece ter “repeteco”. Todos sabemos que o Sr. Seis não convive que preste com o Sr. Meia Dúzia. Mesmo que a diferença entre ambos seja nenhuma. Antes só do que sósia acompanhado, não é o que dizem? E, se houvesse oportunidade, um quebraria o espelho do outro. Fazendo uma espécie de cena de azar futuro – com reciprocidade.
E não me falem de inclusão “sosial”. Se for para eu trocar este papel de príncipe por aquele papel de mendigo – com um sósia! Só o contrário desta proposta me interessa.

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