sexta-feira, 26 de junho de 2009

PIRÂMIDES

O brasileiro, talvez por já se achar acostumado a uma pirâmide social adversa, não estranhou mais uma. Ao contrário, recebeu-a com o maior agrado possível, uma vez que esta última atendia pelo atraente nome de pirâmide... da fortuna. Aí, na qualidade de piloto, co-piloto, tripulante ou passageiro (nessa ordem de entrada), nela embarcou. Para uma viagem de alegria que se transfez em tristeza. Pois, fora o piloto que a tempo oportuno saltou de para-quedas, os demais quebraram a cara. Alguns, mais: a pirâmide nasal.
Que coisa! É pirâmide, mas tem piloto, co-piloto, tripulante e passageiro - como um avião de carreira. Isto, aliás, demonstra um certo hibridismo como o que se vê na Esfinge. Aquele ser fantástico, meio-leão e meio-homem, que os egípcios esculpiram na rocha, em Gizé. Ali, ali, perto das Grandes Pirâmides, que serviram de cenário para uma frase célebre de Napoleão. Ao proferi-la estaria o general eufórico com alguma posição de piloto recém-conquistada? Bem, só feito militar não devia ser.
À la fé que Napoleão estava a ganhar algum, embora os livros de História digam coisas diferentes. "A História é algo que não aconteceu, escrito por quem não estava lá." Que me perdoe o pessoal do ramo. Mas, voltando à pirâmide: nos dias atuais, ela não mais transmite a impressão de ser um poliedro estável; anda ruindo fácil, fácil por aí... a julgar pela quantidade de piramideiros soterrados. Por isso, já tem gente pensando em ressuscitar o "ai da base", uma gíria arcaica.
Embora pareça um consórcio financeiro, a pirâmide da fortuna é o sucedâneo da antiga corrente da felicidade. Uma carta de conteúdo supersticioso ou místico que alguém recebia de um remetente "mui amigo" e tinha de transcrevê-la em vinte cópias. Estas, por sua vez, deviam ser enviadas para mais vinte pessoas, assim por diante. E isso, meu caro leitor, no tempo em que não havia a fotocopiadora da esquina. Para aumentar as dificuldades, tampouco os selos eram pagos por Fernando Chinaglia.
Ai de quem quebrasse uma dessas correntes! Dando veracidade ao seu conteúdo, desgraças tantas sucederiam ao irresponsável que ele, para se ver livre delas, buscaria até pistolão. Topando inclusive a hipótese descer mais cedo às geenas. Ilustro a descrição da paranóia reinante com o que escreveu R. Schneider: "Se você é um desses loucos (que quebram a corrente), o melhor é jogar logo toda a correspondência fora, sem nem mesmo ler. Afinal são muito reduzidas as suas chances de se servir dela, seja para o que for". Quer dizer, antes ser um desinformado postal do que um apragatado, combalido e tal.
Por isso, de próprio punho, cada pessoa fazia vinte cópias da carta - uma vintena a ser remetida para vinte apavorados destinatários. E esse número ainda podia ser maior, conforme o grau de sadismo do idealizador da primeira carta. Como se tratava de uma progressão geométrica, dentro de pouco tempo, toda a cidade acabava "acorrentada". E, o que não relaxava na corrente, ainda segundo R. Schneider, era contemplado pela "indescritível sensação de ter enchido o saco de milhares e milhares de pessoas, que iriam ficar completamente desequilibradas até que conseguissem passar à frente, por sua vez, o maldito petardo".
Outra vez, às pirâmides! O leitor já deve ter lido alhures, ou ouvido falar, sobre uma estranha energia que elas concentram. A ponto de uma pirâmide poder recarregar as baterias de quem sob ela se coloque. Sei não, mas pelas últimas que foram vistas, as pirâmides apenas têm abalado a saúde - financeira - de muita gente. E, quanto à febre que aparece no piramideiro, veja também o que diz o vademecum ( o vai comigo): desaparece em lise, não precisando do antitérmico piramido.
E agora a lei, com seu faro de dobermann, está aí à cata dos piramideiros. Pirâmide também é crime de estelionato, previsto no artigo 171 do Código Penal. Dá multa mais prisão. E a lei, com seu braço de estivador, procura um piloto contraventor; porém, na dificuldade de localizá-lo, um passageiro contraventor igualmente serve. Atenção, senhor passageiro, habilite-se. Pois aí está uma proposta... piramidal.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

PLIM, PLIM

Minha opção
Pelo joio que não recebe subsídio.
Batávica
O comandante de um navio prestes a afundar não abandona... o escaler.
Bigamia ou monogamia?
Bem, eu fico com a segunda.
Uma comparação
Como o velho queijo que acaba fondue.
Ssst, que a serpente
Desde o Paraíso que ela só silva. Para não apontar o mandante do crime.
Um conselho revisitado
Em vez de dar o peixe deve-se ensina o homem a pescar. Financiando-lhe a vara, o molinete, a linha, o anzol, a isca... Ufa!
Um tipo de pobre
O "classe-média" depois de pagar o imposto de renda.
Explicitinha
O desejo do convexo é o que o côncavo fique mais... E vice-versa.
E Reagan continua desbastando o nariz
Para ver se fica bom da síndrome de Pinóquio.
Se é teatro besteirol
Compre seu ingresso para a bobageral.
Pára-quedismo?
Eu nunca tentei, meu irmão. Não tenho queda.
Ah, tudo seria mais fácil...
Se houvesse a luz já no início do túnel.
Eu te amo-a
A frase que foi dita a Maria Rosa por quem pensava em Rosa Maria.
Outra comparação
De olhos bem arregalados feito um morcego ruim do radar.
Poltergeist, meu televisor
Quando entro na sala ele joga em mim o controle-remoto.
Receita de cocada à CNEN
Rale um coco até a desintegração atômica. Amém.
O milagre da multiplicação
Onde metade comeu sanduíche de peixe e metade, peixe empanado.
A lealdade segundo Sarney
Presidencialismo, cinco anos e bigodes.
Escreve, escreve, escreve
Mas antes lembra que Sócrates e Cristo não eram chegados ao ato de escrever.
"Todas as horas ferem, a última mata"
É também o lema da bomba-relógio.
Das quitações
Paga o bem com o bem, o mal, com o troco.
Ombro amigo
Ah, certamente não sofria de bursite quem criou a tal expressão!
E desista, Brasil
Que você não tem cintura para o bambolê. Ou vai querer que o arco escorregue até o Rio Grande do Sul?

quarta-feira, 10 de junho de 2009

DR. CARTA PÁCIO E A REVOLUÇÃO NA LITERATURA UNIVERSAL

A PROPOSTA DO DR. CARTA PÁCIO (TÍTULO NO DN CULTURA)
Todos os dias recebo cartas de pessoas que me escrevem com os mais diversos pretextos. Leio-as e depois as destruo em meu moedor de carne que já conheceu tempos de abastança. Entretanto, guardei uma das que chegaram nos últimos tempos por sua singularidade:
"Prezado senhor:
O que proponho nessas linhas vem a ser uma verdadeira revolução na literatura universal. Porque estou certo de que toda obra literária, mesmo no fastígio da glória, ela tão-somente aspira à simplicidade da anedota. E não estou a falar apenas da que se filia ao gênero picaresco, cujo anseio parece óbvio. Constato que todo obra literária deseja é se resolver logo, através do discurso direto, curto e objetivo. Ao invés de devanear por aí porque o autor assim estabeleceu. Ainda mais que os tempos de hoje (em que a pressa é a tônica) estão a exigir um enredo sem volteios, onde o leitor chegue asinha ao final. E possa depois dizer que leu o livro tal... (ai!) num tapa.
Para começo de conversa, acolhendo o que proponho o escritor ganharia tempo. Ao escrever romance, novela ou conto bastar-lhe-ia compor início e final. Nada de meio! Esse enchimento de linguiça em que o escritor supostamente põe o talento. E para que essa coisa execrável separando o escritor do escrevedor? Só serve para discriminar, criar párias na arte literária. Portanto, abaixo o talento que sabe a prolixidade.
E viva a sinopse! Uma comissão de lacônicos poderia muito bem reescrever os clássicos. Eis como ficaria, por exemplo, o "Dom Quixote de la Mancha": Era um vez um fidalgo idealista que, com a mente excitada pelas façanhas dos herois dos livros de cavalaria, se dispõe a correr mundo para desfazer erros e vingar agravos. Alto, magro, beirando os cinquent'anos, para fazer com que a Mancha, sua terra natal, também participasse da glória que iria adquirir, adota o altissonante nome de Dom Quixote de la Mancha. Em suas aventuras, acompanha-o o gordo Sancho, seu fiel escudeiro, a quem o fidalgo prometera a posse de bens materiais que resultassem de suas andanças. Mas dão os dois com o cavalo e o burro na água, respectivamente. E a história termina com Dom Quixote recuperando a razão, em seu leito de morte, e com Sancho pouco recompensado por tão morosa empreitada.
Dirão uns que a obra revisitada fica sensaborona. Entretanto, pior é perdermos tempo lendo romance de autor russo. Prolixo, não! Apenas porque o seu editor pagava por página escrita. Viremos, pois, essa página. Já se foi a época em que o escritor dava ao lume uma obra maçuda (e maçante) só para impressionar, mostrar que tinha fôlego, por aí... Agora, economizar é preciso. E nos sobrará tempo para ler livros e mais livros, naturalmente reescritos.
E o que se economizaria de papel. Um ganho ecológico, por sinal, já que o papel é fabricado a partir da celulose e esta provém de florestas arrasadas. O que é a ironia, prezado senhor. Cada vez que o Partido Verde faz circular um manifesto, ele, por baixo, pôs abaixo umas tantas criaturas vegetais. E aqui aproveito para sugerir que as crianças usem mais o megafone.
Felizmente, ficou para trás o estilo barroco. O sujeito escrever, com aquela tola riqueza de ornatos, uma estrofe inteira para nomear o galo! Mas, ainda há muito o que mudar. Dá na vista que continuamos nós, escritores, mal colocados quando alguém sentencia que um desenho vale mil palavras. Não passamos de uns verborrágicos, meu senhor, e nos esvaímos na mais reles verborragia desatada. Digamos numa palavra aquilo que o pintor só possa expressar em mil pinceladas. E teremos aprendido a lição de Ezra Pound, em seu "ABC da Literatura" (Cultrix, 218 páginas). Oh, perdão...
Precisamos emagrecer o estilo. De modo a reaproximá-lo do seu original sentido de ponteiro (de osso ou metal), com que se escrevia sobre a camada de cera das tábulas. E, de quebra, facilitaríamos a edição, o transporte, a distribuição e o manuseio dos livros, pouco importando suas quantidades. Também resolveríamos o crônico problema da falta de espaço nas bibliotecas. Toda a obra infanto-juvenil de Jules Verne num único livro de bolso... não parece até ficção?! Asseguro inclusive que a microfilmagem não ousaria tanto em termo de redução.
Na nova ordem literária pouca gente sairia perdendo. O prefaciador, que seria desmontado do dorso alheio (não se tolerando que ele voltasse como posfaciador), e... ah, Xerazade! Eu falo da sultana Xerazade que, todas as noites, contava uma história cheia de peripécias para o sultão Xaryar, seu marido. E, com tal artimanha, ia adiando a morte já decretada pelo marido, que não era besta de perder o entretenimento. Não, eu não me apiedo de Xerazade. Mesmo porque um dia, aliás, uma noite a sua imaginação iria mesmo bater pino.
E, finalmente, peço desculpa pelo muito que se alongou a carta. Em minha proposta, prezado senhor, a epistolografia constitui a exceção.
Esperando uma resposta favorável, creia-me seu sinceramente
Dr. Carta Pácio."

Não respondi. E guardei a carta com este acrescento: "Escrever numa folha de papel em branco é uma forma de perturbar-lhe o silêncio (Samuel Beckett)".
PGCS