sexta-feira, 27 de julho de 2012

SONETO VULGAR


O melhor lugar-comum é aqui e agora.

O fato consumado
O tolo devaneio
O prêmio cobiçado
O infundado receio

O súbito lampejo
A lágrima furtiva
O incontido desejo
A resposta agressiva

A sede insaciável
A perda irreparável
A vã filosofia

A ideia magistral
O susto colossal
A suprema ironia.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

A LUTA DO SÉCULO

Os jornais noticiaram o sequestro fracassado de um avião de uma empresa irlandesa por L. J. Downey, um ex-monge, que pretendia transviar o a aparelho para Teerã. Acometido da "síndrome da Galveas", que o conduzia ao despropósito de querer acontecer em Teerã, o ex-monge exigia ainda, para libertar os reféns, a publicação de uma mensagem religiosa nos jornais de Dublin, Irlanda. Prometendo, coisa de dar com a língua na prótese dentária, revelar na oportunidade "o maior segredo de todos os tempos".
O maior segredo, correspondendo ao terceiro dos que foram revelados aos pequeninos de Fátima, o qual versaria sobre o Fim do Mundo.
Como, porém, estabelecer a conexão do tal segredo com a viagem do monge sequestrador à cidade iraniana?
Complexo, meu caro Watson.
Antes de tudo, façamos uma análise dos antecedentes de L. J. Downey:
1) Monge trapista em um convento romano, cumprindo voto de silêncio, enquanto apurava os ouvidos para compensar a desativação das cordas vocais. Com o passar dos tempos, é provável que a sua audição tenha-se desenvolvido a ponto de perceber até os passinhos de uma formiga em sua roseira de estimação. Durante a vida monástica, consta ainda que ele gozou o direito de emitir duas palavras, para cada dez anos de silêncio, do seguinte modo: "cama dura", "comida fria" e "eu desisto". Deixando feliz, com estas duas últimas palavras, o superior da congregação assim que viu partir um espírito tão quereloso. Um péssimo exemplo!
Prosseguindo: 2) Guia turístico no santuário de Fátima, um local perfeito para fazer espionagens místicas. 3) Temporada em Dublin, pois, afinal, é na terra dos outros que um profeta solta as transas.
Juntemos agora o que foi exposto acima à pretensa viagem dele a Teerã. Pois bem, perto desta cidade, em Qom, é que deita e rola o aiatolá Khomeini, o qual, por muito tempo, vem representando o Anticristo para o mundo ocidental.
Convencido de que Khomeini era mesmo o Anticristo, L. J. Downey - é o que supomos - tencionava ir ao encontro dele. A fim de que o aiatolá agenciasse o que poderia ser "A Luta do Século". A Luta do Século para Todos os Séculos, Amém, entre o Falcão da Califórnia e o Urso da Sibéria, dois contendores que há tempos vêm aquecendo os músculos.
Mas, o ex-monge trumbicou-se na missão. E ninguém logrou assistir, por enquanto, a uma justa que - sejamos justos - só poderia terminar em nocaute. Nocaute generalizado: dos lutadores, dos segundos, do juiz e de todos nós, espectadores interessados ou não.

Mino,
Para evitar o nocaute use a saída de emergência. A arca de Noé não será "reeditada".

Publicado em "A Ferragista", de maio de 1981, e nas "Cartas do Povo", de 26 de maio de 1981

sexta-feira, 13 de julho de 2012

TRÊS NUGAS LINGUÍSTICAS

HÉLIO MELO

Há migalhices vernaculares que, às vezes, nos preocupam. Coisas de nonada que parecem sem importância. Mas, para quem deseja escrever com correção, nada é despiciente em matéria de português. Nas peças de ourivesaria, as filigranas têm papel de relevância. Assim, as minúcias linguísticas ocupam também posição de relevo no estudo da Língua. Não as podemos desprezar.
O médico Paulo Gurgel Carlos da Silva, ao presentar-me com o livro - "A Nova Literatura Brasileira", 1984, publicado pela Gráfica Portinho Cavalcanti Ltda. (Rio de Janeiro), que traz, nas páginas 100-101, seu trabalho "Inventando Coisas", enviou-me três questões de português sobre as quais pede meu modesto pronunciamento. Ei-las: "1) Que que estás fazendo?" - Na frase acima, temos: "que" interrogativo - "é" (verbo ser, oculto) - "que" relativo, originando a duplicação de "que" tão a gosto da linguagem popular. Que (que) o senhor acha? 2) "O que é um materialista?" Júlio Ribeiro, em sua célebre polêmica com o padre Sena Freitas, construtor da fase supra, acusou este de errar vergonhosamente em sintaxe. Para Júlio Ribeiro (também para Carlos Laet, contemporâneo dele) seria "corruptela vitanda" usar o "o" expletivo, antes de "que" interrogativo. O impecável autor de "A Carne" tinha (ainda a tem?) razão. 3) "... e amarga que nem jiló." A expressão "que nem", significando "como" 'igual a" (V. letra de H. Teixeira, em baião de L. Gonzaga), está bem com o povo mas não com os gramáticos. Por que tal ocorre? Pela atenção dispensada, grato Paulo Gurgel. Vejamos os três casos.
Quanto à frase - "Que que estás fazendo?" é o primeiro 'que" um pronome interrogativo, e o segundo, uma partícula de realce, a exemplo de tantas outras como: Que que há de novo? Que que significa isso? Oxalá que isso aconteça! Chegou a correspondência. Que não venham más notícias (= oxalá). Diga-me quem é que vai transmitir a notícia. Eu é que hei de ir? Ela é que vai sofrer. "Que é que me pode acontecer?" (Machado de Assis, "O Lapso", in "Histórias Sem Data", pág. 27). "Oh! que saudades que eu tenho da aurora da minha vida" (Casimiro de Abreu). As partículas expletivas são palavras sem dúvida desnecessárias ao sentido da frase, todavia lhe dão vigor e sobretudo graça, como vimos no último exemplo de autoria de Casimiro de Abreu. Pode-se também considerar o segundo "que" um pronome relativo, como o fez o meu consulente. A frase seria assim compreendida: "Que coisa é a qual estás fazendo?"
Na frase - "O que é um materialista?", creio que é dispensável o emprego do artigo "o". No "Dicionário de Questões Vernáculas" (Editora Caminho Suave Limitada, pág. 213), faz o o professor Napoleão Mendes de Almeida o seguinte registro: "O que - Embora comum no linguajar do povo e, mais ainda, encontrada em escritores, a forma "o que" como pronome interrogativo a iniciar oração interrogativa não é sintaticamente legítima porque o "o" nenhuma função fica exercendo na oração".
Também o espanhol luta com o popular interrogativo "el que". Somente quando posposto ao verbo é que o interrogativo admite o "o", necessário exclusivamente para efeito eufônico: "Fez ele o quê?" - "Mandou o quê?"
Iniciando oração interrogativa, o "que" mais castiçamente deverá ser desacompanhado do "o", porque neste caso é sintática e eufonicamente inútil: "Que quer você?" - "Que há?" - "Quê?".
Na verdade, deve-se omitir o artigo definido, antes do pronome conjuntivo "que", quando empregado interrogativamente. Nem por isso deixaram de empregá-lo autores clássicos e modernos: "O que faremos?" (Garrett, "D. Branca") - "O que são as revoluções políticas de nosso tempo?" (Herculano, "Opúsculos") - "O que é lá isso?" (Castilho, "Avarento") - "O que tem ele?" (Camilo, "Romance de um rapaz pobre") - "... e o que eram as estrelas? acaso sabiam eles o que eram as estrelas?" (Machado de Assis, "Ex Cathedra", in "Histórias Sem Data", pág. 267).
É comum o emprego de "o que" equivalente a "isto": "O resultado não foi bom, o que me surpreendeu."
Finalmente, a última indagação: "... e amarga que nem jiló". A locução conjuntiva "que nem" teve uso no português antigo, no sentido de "como". Hoje, os gramáticos a consideram forma arcaica. As gramáticas trazem o conhecido exemplo de Rebelo da Silva, com a significação de "como": "O erudito ficou vermelho que nem uma romã". Tenho-a ouvido frequentemente nos sertões cearenses, na linguagem inculta dos nossos matutos.

Publicado no Jornal "O Povo" em ??/08/1985

sexta-feira, 6 de julho de 2012

(SEM TÍTULO)

10/08/85
Meu caro Dr. Paulo Gurgel,
Agradeço-lhe a remessa da publicação - "A Nova Literatura Brasileira" (1984), em que figura seu trabalho "INVENTANDO COISAS...", quando, mais uma vez, pude apreciar seu espírito imaginativo.
Despertou-me a atenção o emprego, absolutamente correto mas infelizmente raro, do verbo importar como transitivo direto, no sentido de causar, produzir, resultar - "importaria uma longa discussão".
Peço-lhe permissão para responder às indagações que me faz, na minha coluna de assuntos vernáculos, no jornal "O Povo", para onde tenho levado minhas contendas linguísticas.
Abraça-o cordialmente
HÉLIO MELO

Acima, a transcrição de um bilhete que recebi do Prof. Hélio Melo, no qual este ilustre filólogo agradecia a remessa de um livro, fazia um comentário a respeito e me dava ciência de um artigo a ser publicado em "O Povo", abordando um tema de meu interesse.  A transcrição deste seu artigo - "Três nugas linguísticas" - é o assunto da próxima postagem do Preblog.
PGCS