quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

O ASTERÓIDE DA MÃO ESTENDIDA

Em recente estada no Rio de Janeiro, o astrônomo belga Henri Debehogne informou que batizara com o nome de Figueiredo, em homenagem ao presidente brasileiro, um asteróide que descobrira em suas pesquisas no Observatório Europeu do Sul. O novo asteróide ("novo" sob a óptica do astrônomo) foi encontrado orbitando entre Marte e Júpiter) com o alvará em perfeita ordem.
"Foi o fruto temporão de um longo trabalho", declarou Debehogne, um brechador de primeira grandeza. Sem que isto signifique dizer que o belga seria capaz de desprezar uma anã branca. Ao contrário, Debehogne é sensível com os obscuros e, o tempo todo, fez questão de dividir a glória de sua descoberta "com aquela gente boa do Observatório Europeu do Sul", o qual, surrealisticamente, fica no Chile.
Na coletiva à imprensa, na  qual compareceu apenas um repórter e ainda assim vestido de juiz de futebol (com um gravador escondido), Debehogne, entre uma e outra gota de "Visazul" que pingava em seus preciosos olhos, prestou novos esclarecimentos sobre o asteróide. Ah, sim, o intrépido repórter free lancer que realizou a entrevista foi Ouriço Júnior, filho do famoso Juvenal Ouriço Repórter, este último um personagem teúdo e manteúdo por Carlos Eduardo Novaes.
A ENTREVISTA
OJ - Prof. Debehogne, o público brasileiro está ávido por notícias sobre a sua descoberta, o asteróide Figueiredo. Como tudo começou?
HD - No princípio, Deus criou o Céu e a Terra...
OJ - Não, Prof. Debehogne, não precisa retroceder ao Gênesis. O espaço colocado à sua disposição é o de uma página de jornal. Não tem a magnitude do espaço cósmico, pois.
HD - Está bem. Retrocedo, então, ao dia em que, pelo telescópio, me deparei com um estranho bólido. Estranho, repito, porque o bólido não parecia ser um corpo celeste. Mas... se ele não era um corpo celeste, seria o quê?
OJ - Não faça suspense, Professeur.
HD - Entrei em contato com os astrônomos deste seu país, detalhei o que vira, e eles, com maior experiência no ramo, concluíram que se tratava de uma simples bola do emergente vôlei brasileiro.
OJ - O saque "Jornada nas Estrelas". Ponto para os brasileiros.
HD - Preferi considerar o dito pelo não dito - a imagem do bólido não era compatível com o meu saber esportivo - e prosseguir com minhas pesquisas. Quando tenho um propósito eu sou mais obstinado do que um cão no cio. Então: eu não mais arredaria o olho do telescópio, pelo menos enquanto não chegassse a um entendimento plausível.
OJ - E quando fazia mau tempo lá fora?
HD - Quando ocorria má transparência atmosférica, eu usava minha fiel luneta. Esta aqui.
O astrônomo aproveita para mostrar ao repórter a luneta com a qual, em tempos distantes, esquadrinhava os pensionatos femininos de Bruxelas. Em seguida, retorna ao tema central da entrevista.
HD - Um dia, como prêmio à minha pertinácia, a sorte e o asteróide acenaram para mim.
OJ - O asteróide também acenou?
HD - Literalmente falando. O asteróide que descobri é dotado de um apêndice... à maneira de uma mão estendida. Por isso, ele tinha - e ainda tem - como.
OJ - Essa aí me deixou siderado.
HD - Descoberto o asteróide, faltava um nome de cristão para ele. Dei tratos à bola - bola de vôlei, não - e encontrei, tendo em vista a sua mão estendida, o nome apropriado: Figueiredo.
OJ - Vestiu como uma luva. Será que o planetinha gostou do nome?
HD - Se gostou? De lá me fez com os dedos um "O", que é a abreviatura de "OK".
OJ - Sobre a mão estendida: é a direita ou a esquerda?
HD - É a direita, embora seja canhoto.
OJ - Mas, Prof. Debehogne, para que uma rocha especial vai querer a tal mão estendida?
HD - Para espantar mosquito marciano, sei lá.
OJ - Há relato anterior de outro asteróide nessa condição?
HD - Não. Consultei o "Almagesto" de Hiparco em sua melhor edição, a que foi atualizada por Ptolomeu, e não encontrei uma só linha (epa!) a respeito do fenômeno.
OJ - E não há possibilidade de ter sido uma alucinação? O Professeur é natural de um País, com o perdão da palavra, Baixo e naquele ar rarefeito dos Andes...
Nisso, o pesquisador belga, de inopino, abandona o confortável pufe, onde estava sentado dando a entrevista. Mas, parece que muda de idéia e volta a sentar-se (pufe!). Só que, agora, tem cara de poucos amigos.
HD - Escute, meu jovem: o asteróide realmente existe, já o registrei no Minor Planets Center dos Estados Unidos - os de lá me fizeram apenas uma ressalva: que eu maneirasse no consumo do ácido - e você, agora, só tem direito a mais uma de suas impertinentes perguntas.
OJ - Por que, estando o senhor no Chile, não chamou o asteróide de Pinochet?
HD - Não misturo Ciência com Política.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

A VEZ DA VOZ

"E disse: minha voz, se vós não sereis minha
Vós não sereis de ninguém." (Chico Buarque)

Mãe Natureza equipou grande parte de sua criação animal com um órgão fonador, o qual, como o nome indica, se destina à emissão de sons. A esses sons, intencionalmente emitidos pelo animais, dá-se o nome genérico de voz. Possuem-na, por exemplo, o Falsete, o Polichinelo, o Veludo, o Trovão, o Ventríloquo e a Taquara Rachada.
No princípio, a voz de um animal era compreendida apenas por outro de sua espécie. Mas, aí surgiu o homem que, muito à vontade, tratou de inventar a pesquisa. A pesquisa, pela palavra em si, foi um achado. Servia para o homem disfarçar o incomensurável bedelhismo e, ainda, de quebra, para ele conseguir algum ($$$) com alguma fundação. Crítica à parte, foi através da pesquisa que o homem chegou a resultados animadores na decodificação da voz dos macacos, dos golfinhos e das cantoras de fado.
É na hora de ouvir a voz da própria consciência que o homem sente grande dificuldade. E botem dificuldade nisso, agora que ele deu para andar com os ouvidos calafetados pelos fones de um "Aiko-man". O ser humano, ao nascer, tem o direito inalienável a duas caixas de som e a um microfone apenas. Os leitores podem indagar: e nós com isso? É que 1º) devemos ouvir, 2º) devemos falar. Fiquem na oitiva, portanto.
Lembram-se de quando Ulisses Guimarães definiu Abi-Ackel como "sendo uma voz à procura de uma idéia"? Pois bem, enquanto o ministro a procura, eis meu recado para Ulisses. Ulisses: vá tirando o seu cavalinho-de-tróia da chuva. Você não devia ter sido assim cruel com o Abizão. Ora, logo com ele que é tão cordial com todos, gregos e troianos, e, ainda outro dia, recebeu no gabinete ministerial uma humilde porca. Sem audiência marcada, acrescente-se.
Já que "politiquizei" o texto, pretendo dar um giro na recente história política deste país (Brasil, da fase castelista para cá). Corriam os sofridos de 1965, o duro regime da época decidiu fazer certas "nenas" democráticas e, com este fito, criou de cima para baixo dois partidos - a ARENA e o MDB - que, com o tempo, viriam a ser chamados de "Partido sem Voz" e "Partido sem Vez", respectivamente, pela inteligência crítica da nação. Cada qual no seu ofício: o "Partido sem Voz" legislando, até ficar afônico, sobre o teor de cloreto de sódio a ser permitido nas pipocas do reino, e o "Partido sem Vez", mantido fora desse processo, a bem do próprio nome.
Criando uma imagem, eu diria que os dois partidos estavam numa espécie de gangorra. Só que a ARENA cavalgava a trave, sem querer descer, e o MDB, sem poder subir. A explicação disso não se achava no peso político de cada um e sim na gangorra anquilosada, como convinha aos "omes". Por mais que o MDB tentasse o impulso, a gangorra se mantinha "paradona". Houve um momento em que ela emitiu uns rangidos, fez menção de se movimentar, mas aí vieram os "omes", os verdadeiros brincantes, e pararam a gangorra. Reforma, foi o motivo alegado.
Agora é a vez de dar um puxão nas orelhas, com mais força na esquerda. A Oposição, por motivos intestinos, pegou piração de baleia. Mania de suicídio. É jangada que se desmonta em paus para se fazer ao mar. PMDB, PT, PDT, PTB, PEtc. Tenho certeza de que Tia Zulmira Ponte Preta, a essas malfadadas horas, deve estar se revirando sob a lápide, e dizendo com voz sepulcral: "Cada pulga quer um cão só para si". Enquanto isso, o Espírito da Situação paira sobre as águas - impávido que só vendo!
Paro o berro. Não quero forçar, por mais tempo, as cordas vocais. Afinal, de voz ainda preciso para umas derradeiríssimas palavras. Vão para três tipos delas: 1) Voz de sereia (Por que me fizeste perder o norte magnético e o tempo? Devia ter previsto que a dona não iria nunca abrir as pernas.) 2) Vox populi (Quanto tempo andas também ruim das pernas? Nunca estiveste? Remember 33 d.C. e aquela multidão gritando "Barrabás, Barrabás, Barrabás"...) 3) Voz de prisão (T'esconjuro!)

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

A TURMA DO POIRE

Chegavam os tempos da Nova República. O deputado Ulisses Guimarães era o nome mais influente da oposição. Em Brasília, era freqüente ele estar reunido com correligionários para conversar assuntos políticos ou amenidades. Em torno de uma mesa em que não podia faltar a sua bebida predileta, o liquor de poire (pêra, na tradução do francês, e que se pronuncia “puar”).
Até o reino mineral já sabia que o Dr. Ulisses se preparava para ser o novo centro do poder. Alguns políticos da situação, idem. E, por conta disso, eles também compareciam para beber do liquor de pêra do Dr. Ulisses Guimarães.
Inspirado em tal fato, eu cometi na época uma paródia com a marchinha carnavalesca “Turma do Funil” (a letra desta música foi colocada na caixa de comentários). Uma paródia que, diga-se de passagem, não recebeu nenhuma divulgação. Exceto a que faço agora.

Chegou a turma do poire
Todo mundo bebe
Mas ninguém é "vacilão"
Há, há, há, há
Ninguém aqui é "vacilão"
Tem eleição por perto
Vou já pra oposição.

Eu bebo por compromisso
Doutor Ulisses
Eu não sou um cara omisso
Enquanto houver poder
Tou aí, não sou muar
Bebendo com a turma do poire.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

VIOLÊNCIA URBANA

Uma abordagem epidérmica do problema
Em nosso país, quem nunca foi vítima de um ato de violência urbana que atire a primeira pedra! Atire, com violência inclusive. O sujeito, hoje em dia, não consegue andar pelas ruas de uma cidade...  sem ser molestado. Por qualquer (ou nenhum) motivo pode se ver no centro de uma agressão física - uma dolorosa experiência que vai do chega-pra-lá ao nocaute-pra-sempre.
Significando este último: ser mandado para a cidade-dos-pés-juntos. Uma cidade tão superlotada que, se todos, ao mesmo tempo, espreguiçassem as pernas, a situação ficaria de morte. E de morte para todos, sem distinção de raça, sexo, credo ou seguro-funerário.
Tome cinco, Paulinho Rangel! Você estava mesmo com o santo nos couros ao escrever que, na "República do 1º de Abril", se vive sob o império de quatro leis:
1ª - Lei do Mais Forte
2ª - Lei da Selva
3ª - Lei do Cão
4ª - Lei do Murici ( que cada um cuide de si).
Se a "República" de Platão foi utópica; a de Rangel, não. Existe verdadeiramente e, por ter como cenário uma nação perita em futebol, vive chutando por aí. Porém, não vou me deter nas raízes do problema da violência urbana, outros que ralem a mandioca. O assunto é por demais complexo, mistura-se com política, e de política somente me interessa a do corpo: como mantê-lo vivo?
Sim, como mantê-lo vivo? Uma ajuda, respondo, é o conhecimento do que acontece no corpo, no plano da fisiologia, ao ser mobilizado para uma ação de agressão e defesa. O conhecimento puro é importante e, mais ainda, é a sua aplicabilidade no dia-a-dia-de-cão.
Em preparação para uma luta, o ser humano experimenta várias alterações fisiológicas, mediadas pelo sistema nervoso autônomo. Este sistema, por sua vez, é composto de dois subsistemas que se contrabalançam: o simpático e o parassimpático.
É o simpático que faz os preparativos internos para a luta. Acionado, contrai os vasos da pele e das vísceras para que mais sangue aflua ao cérebro (favorecendo o raciocínio rápido) e aos músculos (ensejando o aumento da força), aumenta o açúcar sanguíneo (garantindo o dispêndio extra de energia), acelera a respiração e os batimentos cardíacos, apressa a coagulabilidade sanguínea (reduzindo as perdas prováveis de sangue) etc. Dentre as transformações fisiológicas descritas, apenas uma pode ser percebida de relance (em tempo hábil, portanto). Trata-se da contração dos vasos cutâneos, cuja tradução clínica desse fenômeno é o empalidecimento brusco da pele. Num entrevero de rua, procure observar se isto acontece, ou não, no rosto de seu oponente.
Recém-empalidecido significa influência do simpático, fisiologia a serviço do embate-bate, agressão possível ou iminente: você se prepara. Ao contrário, recém-ruborizado significa influência do parassimpático, despreparo para a luta, agressão não cogitada: você relaxa.
Agora, se você está a caminhar pela Rua do Rosário e, sem querer, pisa na unha encravada de um estranho que reage assim: nem empalidece nem enrubesce, mas fica verde, furioso e de camisa rasgada, aí maninho, neste caso, a esperança de que você salve a própria pele está nas coisas práticas da vida. Fugir, gritar mamãe, contar com as pernas, pedir o urinol, safar-se, escafeder-se, apegar com o santo, dar às de vila-diogo e, se possivel, tudo ao mesmo tempo.
(1982)

TECNOMITOLOGIA

:-)

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

CARTA DE UM NÁUFRAGO

Gosto de ficar horas e horas numa praia deserta. Sou meio Padre Anchieta e, à maneira dele, passo o meu tempo a escrever versos na areia. Uns haicais, quase sempre dedicados à Maria Madalena (essa a minha peculiaridade).
Deu que, na última das minhas andanças praianas, encontrei uma carta. Carta de náufrago, reconheci logo por causa do envelope, tipo casco-escuro, que eu tive de abrir com um saca-rolhas. 
De dentro, espumando - só podia ser de raiva! - saiu esta mensagem:
"Estou (ou sou) náufrago há quase 20 anos numa ilha do Atlântico, talvez perto das costas brasileiras, uma vez que, no meu rádio de pilhas (7 fôlegos elas têm), escuto com alguma facilidade programas radiofônicos desse país. Isto, embora suavize minha solidão, estabelece uma confusão (to)tal na minha mente que, por vezes, chego a tirar o chapéu e a ficar pulando em cima do dito-cujo.
Lembro que, no início de minha estada na ilha, emocionado ouvia as transmissões esportivas que faziam a glória do país do futebol, como era assim designado. Havia times de popularidade, árbitros e bandeirinhas de segura competência e torcidas participantes.
Veio 1964, o ano do rebuliço, quando tudo foi mandado para as cucuias. Primeiro, decretando sob intervenção a Liga de Futebol e, segundo, extinguindo os clubes a ela filiados. Depois, a esse imenso país de arquibaldos e geraldinos, impuseram dois timecos: o C. R. Situação e a Oposição F. C., os quais travariam, a partir de então, a maior pelada de que se tem notícia.
No começo, só dava o C. R. Situação. E não podia ser de outra maneira, pois a Oposição F. C., que já entrara em campo desfalcada, sofria sistemáticas expulsões de seus jogadores. A arbitragem era tão parcial que, ainda no primeiro tempo, acabei com a minha boina italiana.
Já no segundo tempo melhorou alguma coisa. Incentivado por uma crescente torcida, a Oposição F. C. avolumou seu jogo e ameaçou virar o placar. Só não o conseguiu porque o Presidente da Liga autorizou a entrada em campo de alguns jogadoresw (biônicos) para reforçar, em quantidade, o C. R. Situação. Meu panamá de puro feltro não houve como evitar o estrago.
Findou o tempo complementar, o escore equilibrado. Por sugestão do C. R. Situação, acatada com certa relutância pela Oposição F. C., decidiu-se que ia ocorrer prorrogação. Por conta do suadouro, no intervalo concedido, os jogadores de ambos os times mudaram as camisas. Se, no vestiário do C. R. Situação existia um jogo completo de camisas limpas, o mesmo não acontecia no da Oposição F. C., que teve de improvisar com camisas desiguais.
Foi só o Presidente da Liga ver a Oposição F. C. em campo, desuniformizado, recrudesceu. Ou seja: ditou uma nova regra, oxítona, chamada vinculação. A jogada só podia ser armada, desdobrada e completada entre os que estão com as mesmas cores (por exemplo, de alviverde para alviverde), sob pena de anulação do gol que porventura resultar. Casuismo, quando me acalmei minha cartola inglesa estava em pandarecos.
E, por nada mais possuir que proteja minha cabeça do sol desvairado dos trópicos, de forma irreversível, me fiz ao mar em busca do continente. Do continente europeu, que distância não é problema para quem, como eu, sabe nadar de cachorrinho."