sábado, 22 de dezembro de 2012

OUVINDO MAL

1 Pessoas de uma família conversavam animadamente na sala. E os assuntos trazidos à baila eram os mais diversos. A um canto, Vô Raimundo dormitava em sua cadeira de balanço. De forma que apenas poucas palavras, fragmentos de frase tinham acesso a sua consciência.
- ... prato de ostras... não pretendo voltar lá...
- ... depois disso...
- ... disco-laser... não tem mais sentido...
- ... absurdo... um... 147...
Nisso, Vô Raimundo retorna subitamente ao mundo dos despertos. Bastante assustado, porque acabara de escutar o novelístico número com que o governo vem promovendo a "operação mata o veio". À beira de um ataque de nervos. Contudo, se tivesse escutado a conversa na íntegra não teria reagido assim. Por se reportar o número, naquele momento, apenas a um Fiat 147.
2 Não, não se pode prender um homem por assalto quando ele, na verdade, só fez o seguinte.
Encostou-se num guichê de um banco, casualmente portando uma arma de brinquedo que, meia hora atrás, a havia comprado para presentear um filho. Cabendo, assim, a culpa ao funcionário da agência que, intempestivamente, tomou o inocente brinquedo por uma arma real. Ademais, ele não disse "isto é um assalto!" - outro engano do relapso funcionário. O que ele disse, naquele momento de tantos equívocos cometidos, foi exatamente: "isto é um asfalto!". Como poderia ter dito outra frase qualquer sem relação aparente com a situação. Além do que não podia o bom homem ser incriminado, por haver logo após recebido uma sacola de dinheiro - sem ter saldo bancário para isso! É que ele, em sua boa fé, julgou se tratar de um brinde do banco, o qual, por um ato de elegância, não devia recusar.
3 E tem a história da moça que saiu de casa para tentar a sorte na cidade grande. Mas, não tendo ofício certo, passou a rodar a bolsinha no meretrício. Para desgosto do pai que, sabendo desse fato, não queria vê-la nunca mais. Nem as cartas dela o velho respondia. E somente se referia a ela como sendo uma amaldiçoada.
Anos depois, a moça aparece na cidadezinha elegantemente vestida, coberta de joias e fazendo saber que possuía muitos bens e uma vultosa conta bancária. O carro em que ela viera, para demonstrar a boa situação em que vivia, foi logo dado ao pai que nunca possuíra um... E este foi tratando de esquecer o que antes pensava a respeito da filha.
Conversa vai, conversa vem, e fingindo ignorância, o velho pergunta qual era a profissão da filha: "Prostituta", diz ela com franqueza. E o velho: "Ah, bom. Eu pensava que era protestante".

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