Lá chegando, o presidente, como acontece com toda pessoa que visita aquele logradouro famoso, jogou uma moeda na fonte e formulou um pedido. Verdade que ele pensou, num primeiro momento, em quão bom seria se o "Marimbondos de Fogo" caísse nas graças de um editor italiano... Mas, porque existia coisa que o ferroava mais forte, acabou se fixando em outro pedido. Que a fonte, enquanto ainda havia tempo, fizesse com que ele tivesse um final honroso de governo, só isso.
Quando o inesperado aconteceu. Com aquela que, ali representando o nosso meio circulante, por nenhum ato humilhante deveria ser atingida.
Em miúdos: a moeda foi cuspida de volta pela fonte. De saída, um desacato à Casa da Moeda que com tanto zelo a cunhara.
Meio sem jeito, o presidente abaixou-se para recolher a vilipendiada moeda. Desagravá-la do ocorrido passava a ser o seu plano, naquele exato momento. Quanto à estratégia do plano... bem, ele não podia obrigar a bica a pagar na mesma moeda. Ele só podia botar a pobre da "cunhada" na primeira máquina de vender jujuba que avistasse e... Espere aí, antes de tal expediente, se alguém ali presente tivesse uma ideia melhor, olhe, pode se manifestar...
Logo, um mais esperto falou:
- Presidente, jogue uma moeda forte.
Mas Sarney estava sem... Então, puxa daqui, puxa de acolá, um puxa-saco de sua comitiva arranjou uma lira - uma moeda forte ma non troppo. Que foi incontinenti atirada na fonte pelo Clark Gable do Maranhão, acompanhada de um "repeteco" do pedido.
Pois bem, não houve desta vez rejeição. E, vindo da fonte, se fez ouvir um som grave, muito grave, que eu diria situado na faixa de eructação de um ogro. Ou na faixa da fala do Mário Covas, quando ele começa o dia.. Uma ou outra coisa que evocasse, o fato é que, com a manifestação vocal da bica, Sarney ficou todo eufórico:
- A fonte está a falar, chamem o cicerone.
E veio o cicerone, um homem versado em línguas indo-europeias, o qual, depois de ouvir um pouco os rumorejos da fonte, informou ao aturdido presidente:
- É... toscano do século doze. Dá para traduzir.
- Pois avexe, homem.
- Excelentíssimo senhor: Pouca saúde e muita saúva os males do Brasil são...
O presidente deu evidência de que se impacientava. Como político, vá lá que ele ignorasse o tal fraseado, porém, na qualidade de homem lido (em dois sentidos) e viajado, livre estava do apedeutismo em questão. Macunaíma, por sinal, era de fonte brasileira e...
(Queimam-se aqui algumas etapas da parola da fonte. A fim de que ela possa chegar ao ponto reclamado pelo presidente, apreensivo como se encontrava para melhorar a biografia.)
- Nesta altura do mandato, excelentíssimo senhor, com a escolha do seu sucessor já acontecendo, via eleições, não existe mais como mudar o quadro. Apenas recomendo se comportar como um magistrado durante o processo eleitoral, que é por aí.
- Ah, isso eu já faço! Só não me conformo com os nomes que estão aí disputando o cargo presidencial, entre os quais não se vê um Ermírio de Morais, um Sílvio Santos, um... Nesse sentido, o secretário Marzagão, aqui comigo, está para atirar uma moeda com outro pedido que eu endosso...
Nisso, a fonte outra vez rumorejou. Mas não houve, apesar da insistência de Sarney, como fazer o homem indo-e-voltando em língua de fonte dar, em seguida, a tradução. Aparentemente, por se tratar de uma ofensa pessoal, a qual, revelada ao presidente do Brasil, iniciaria algum imbroglio.
Porém, estou sabendo - de fonte fidedigna - qual foi (em meio a alguns palavrões toscanos) a resposta da aborrecida fonte. Aquilo que recém lhe pedira o presidente, através do fiel secretário Marzagão, vinha a ser da competência de outro buraco.
Buraco de urna no Brasil, logo, logo.
Publicado em 02/12/89
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