O meu "Apanhei-te...", porém, não é dedicado a um amigo em particular. Vai para os "deputados-pianistas", assim apelidados pela sem-cerimônia com que tocam os botões dos colegas ausentes em plenário. Tudo bem, se os botões acionados não fossem os tais que originam votos no painel eletrônico da Câmara. Eles, os tocadores, podem dar o maior cavaco diante do que vou dizer, mas Poder Legislativo, com "deputados-pianistas" ao contraponto, não cria leis harmoniosas. Fabrica, sim, leis mixes (questão de mixagem?) que ferem os ouvidos da maioria silenciosa (mas até quando?).
Os "deputados-pianistas", pelo menos os mais destacados, já eram conhecidos de outros recitais na Câmara. Por parte dos colegas não pianistas que, todavia, nunca o apontavam (contém-te, dedo!) à execração pública. Mas, um dia, acabou-se a ocultação. Indiscretas máquinas fotográficas deram este "flagra": sete parlamentares pilhados em botões alheios. Na maior volúpia, sete deputados foram vistos em botões alheios (e isto entendido fora do contexto ainda fica mais feio). Aí, diante do "Apanhei-te...", vieram as desculpas dos apanhados. Um deles, o Homero "Rubinstein", saiu-se com "estou cansado do samba de um botão só"; outro, o Fernando "Paderevski", com "o botão do vizinho é melhor do que o meu"; et caterva, com etc. Todos, enfim, tinham desculpas para os modos dúplice, tríplice... com que acionavam os botões e, por conseguinte, votavam.
Mas, a melhor justificativa foi a do deputado Albino "Pogolerich". Flagrado por um chargista, em voto quíntuplo (duas mãos, dois pés e o nariz em cinco botões), declarou ele que estava apenas praticando uma posição do Kama-sutra. Ora, o cara querer mostrar que é bom de Kama, em pleno plenário, é no mínimo faltar com o decoro que a Casa exige. Não, minha senhora, a Câmara Baixa nunca esteve tão. Nem em 1984, quando o "Gallup" mostrou o Congresso, do qual a Casa é parte integrante, em último lugar no ranking da incredibilidade nacional.
Credite-se apenas, em favor da Câmara, que sua Mesa Diretora tomou alguma providência. Fez aos "deputados-pianistas" uma advertência formal do tipo "e-nada-é-a-mesma-coisa". E debite-se, contra, que a Mesa, após ouvir a Comissão de Constituição (?) e Justiça (??), decidiu não anular a fraudulosa votação que aprovou um projeto de lei. "Ó tempora! O mores!" Bata, minha senhora, na madeira (da Mesa) três vezes. Quatro, não! Que a madeira é frágil, parece de aglomerado.
Eleitor, em 1986, ano de Assembleia Nacional Constituinte (ou do Congresso com poder constituinte, o que não é a mesma coisa), tomarei lá minhas providências. Votarei em candidato que jure fidelidade a seu botão e, mesmo assim, ficarei de olho neles (candidato e botão). A dúvida: conseguirá o olho humano ser mais rápido do que o dedo?
Ainda sobre os "deputados-pianistas". O país inteiro vê "Amadeus", e os "pianistas" estão em evidência. "Amadeus" é filme premiadíssimo, mostra a vida e a obra do gênio Mozart, enquanto os "pianistas" dão um filmeco, digno do pior circuito. E tomara que curto, o circuito. Aliás, o simples chamá-los de "pianistas" já soa fortíssimo, imerecido até. Tocadores de harmônica, com o perdão do pouco dotado instrumento, é o que eles são. E de harmônica de botão.
Publicado no "DN - Cartas" de 11 de julho de 1985
e no "JAMB" de agosto de 1985.
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