sexta-feira, 15 de abril de 2011

ESTAMOS GRÁVIDOS!

"Eu vi a mulher preparando outra pessoa..." 
Caetano Veloso

Um livro que esteve à venda no Brasil, há alguns anos, tinha esse sugestivo título. Imagino que o mesmo devia abordar a necessidade da participação do homem na gravidez, além, é claro, de seu conhecido papel genético. Ao enfocar que o estado gravídico, em seus aspectos orgânicos, psicológicos e culturais, não seria uma questão exclusiva da mulher. Mas que interessaria também ao homem, acarretando-lhe, em vista disso, certos compromissos e responsabilidades, a fim de que esse projeto comum chamado filho pudesse acabar... em choro. Isto é, acabar bem.
Eis, na Natureza, o exemplo de quem pegou o espírito da coisa, porém com um certo exagero. O cavalo-marinho. Pois na espécie quem fica grávido é o macho, numa bolsa abdominal para isso existente. E, quando  chega o instante propício de nascer a filharada, até um arremedo de trabalho de parto o pejado animálculo apresenta! No cavalo-marinho é assim, macho e fêmea têm os papéis trocados, Enquanto isso, em seus arroubos transformistas, a ciência está a prever que, num futuro não muito distante, a gravidez será biologicamente possível ao homem. Bem, gosto não se discute, mas que será uma gravidez de alto risco, lá isso será.
Portanto, fim da minha divagação sobre a troca de papéis! Na época em que o livro foi lançado, é bem possível que eu tenha reagido a ele com um "não li, não gostei". Porque, na qualidade de solteirão empedernido, isso era assunto que só causava ziquizira. Sucedeu o dia, porém, em que me casei. Aí - fruto da nova situação - pouco tempo após, vi-me às voltas com os indícios de uma gravidez (na mulher). São Tomé, que nunca foi banana, soprou-me aos ouvidos: ver para crer.Um conselho, aliás, bastante oportuno, pois jamais se deve esquecer de que a pseudociese (ou a falsa gravidez, como é conhecida em meio não médico) também existe.
Então, para ver e para crer, nós fomos à ultrassonografia. Este método diagnóstico que, mercê da visualização que faz das entranhas, tem tirado muita mulher da companhia da urna eleitoral. A ultrassonografia diz da existência do embrião ou feto, do seu estádio de desenvolvimento, da sua saúde, da data provável do parto e de como o futuro ser vai fazer pipi pela vida afora. É pouco? Ela também fornece a primeira foto da criança (que é ininteligível é outra conversa!) para o álbum da família.
Sobre essa história de predizer o sexo da criança por nascer, lembro-me de que um atilado obstetra usava - antes do advento da ultrassonografia - um método infalível. Ele dizia à futura mamãe que tinha acabado de examinar, que ia nascer um "menino" (enquanto anotava "menina" na ficha de atendimento). Meses depois, se nascia menino a sua fama só aumentava. Mas... se nascia uma menina o seu prestígio não sofria abalo. Bem documentado, ele tinha "como provar" que a mãe, por ocasião do exame, muito ansiosa, é que havia escutado mal.
E pensar que, antigamente, o ventre de uma mulher grávida era todo mistério! Nele não se intervinha com tanta frequência como atualmente, o que pensando bem é.... menos pontos para o passado. No remoto ano de 1948, eis com o que eu contei para nascer: as mãos de Dona Maria Juca, a oração de São Raimundo e... muita sorte! Depois, ao me cair o coto umbilical, também com a presteza que meu pai teve de o enterrar no quintal, bem fundo. Por quê? Ora, pelas terríveis consequências que poderiam me advir, em adulto, caso um bicho cavouqueiro adiante, por mal sepultado, encontrasse o umbigo. Uma delas seria virar ladrão.
(A esse desempenho de meu pai é que hoje atribuo o meu lento progredir na vida.)
Quanto ao antojo da engravidada, bem... não há como ignorá-lo. Por conta dele é que muito homem já foi pego, em quintal alheio, tentando apanhar cajarana, abiu ou coco-babão em pé vigiado a mastim. Embora se trate de crime afiançável, eu felizmente não tive de passar pelo vexame. Em seus caprichos de grávida, minha mulher só desejava as frutas facilmente encontradas no supermercado ou na quitanda da esquina. E, ampliando sua gentileza para com o maridão, se tínhamos um problema em comum a ser empurrado com a barriga, ela rápido intervinha: "Xá comigo!".
Corta agora para a gestação que deu origem a Érico, nosso primeiro filho. Nos meses de espera, minha mulher dizia que queria um filho de tez branca, cabelos louros, olhos verdes... - enfim, um nazista! Como se os seus hábitos de tomar banho de lua, pôr reflexos nos cabelos e usar lentes de contato verdes pudessem, de algum modo, influenciar o jogo genético! Já eu me contentava com menos. Desejava: um guri saudável e esperto a quem pudéssemos oferecer todo o nosso carinho. O que, aliás, está a lhe acontecer, mas com os dias de exclusivismo... contados!
É que algo de novo já pinta na tela da Ultra...
Estado interessante, esse... Em que tudo a gente tem de aprender, inclusive isto: "Diacho, qual é o telefone da casa de praia do Dr. Eduardo, nosso obstetra?".

Datas das publicações na mídia impressa: 
11/11/89 em O POVO - CULTURA e abril de 1990 no JAMB.

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