Reuniu os textos em 10 primeiros lugares nas categorias prosa e poesia de um concurso nacional, promovido pela AMB, por ocasião de seu quadragésimo aniversário.
Prefaciado por Antonio Celso Nunes Nassif, Presidente da AMB. Apresentado por Julio Sanderson de Queiroz, Diretor Cultural da AMB.
Coordenadores do livro: Mario Jorge Rosa de Noronha e Julio Sanderson de Queiroz.
O CAMINHO DO MEIO
(7º lugar)
Um dia Godarta se encontrava à sombra de sua figueira-da-índia favorita. Exercitando-se na separação do Eu, enquanto a mente vagueava pelos confins do mundo. Assim, via-se uma carpa prateada a mergulhar num rio bem profundo, procurando alcançar o ponto onde repousavam todas as causas. E reconhecia-se no corpo de um crocodilo cujos toscos dentes tinham inquietações menos metafísicas. Godarta era a carpa que não morria, o crocodilo que não jejuava e era: Buda, o Iluminado.
Nisso, eis que dele se aproximou Bronkho, o discípulo não exatamente favorito. Bronkho era um obtuso do espírito. Por mais que se esforçasse ele não assimilava as Quatro Verdades, que são o cerne da doutrina budista. A bem da verdade (desta vez, verdade não budista), entregue-se Bronkho pelo seguinte. Perigava ele ser jubilado, a começar na disciplina de Godarta. Pois que nada, até então, se decantara do espírito do discípulo que melhor não se conseguisse do espírito de um javali.
Foi todo metediço, ele. E, querendo ganhar ponto, na tigela de esmoleiro do Mestre depositou figos. Um punhado de figos cristalizados... quando Godarta só os comia ao natural. A seguir, sentou-se. De modo que sua postura imitasse a do Mestre, nas comichões inclusive.
"Oh, por que não tirei patente desta posição?" - pensou Godarta. E mergulhou em si novamente. Nesses mergulhos era quando ele consultava a glândula pineal, a bola de cristal dos Iluminados. Mas Godarta mergulhou a ver se Bronkho desistia do assédio e ia chapinhar num lago próximo com as velhas cegonhas. "Homessa! Nem com elas o noviço aprendera a fazer as abluções." Só que Bronkho - com a idéia fixa de ser também um Iluminado - não arredou pé. E continuou a cacetear o monge.
- Mestre, como devo proceder para alcançar a Iluminação?
Godarta, por uns momentos, acarinhou a idéia de mandar o discípulo para o Ciclo dos Renascimentos. Numa transmigração à ré, quem sabe, ele chegasse a pirilampo, bichinho que tem lá suas iluminações. Mudou de idéia, porém. Assim que lembrou ser Bronkho, sem carteira de trabalho assinada, um ativo faz-tudo doméstico. Mais: lembrou que o noviço lhe proporcionava, o tempo todo, um senhor treinamento na virtude da Paciência. Então, em vista destes lembrados, o Venerável preferiu mil vezes resmungar o "Om", a palavra das palavras.
No oco da figueira sagrada Godarta tinha um adjutório. Para quando alguém fazia uma pergunta como a que Bronkho fez. Uma harpa em miniatura, a qual era vigiada pelos esquilos que habitavam a árvore. "Ah, o Nirvana não é tudo!" E Godarta costumava tocar a harpa para o seu corpo ficar Sansara, para ficar tudo jóia rara, qualquer coisa que se falara. Etecétera. Mas... o Venerável usava também a harpa para ilustrar os seus ensinamentos. E - era aquela uma ocasião - a entregou ao morrinha do Bronkho, acompanhada de uma pergunta de reflexão.
- Quando as cordas estão muito retesadas, obtém-se um som agradável?
- Não, Mestre.
- E se estão por demais frouxas?
- Também não, Mestre.
Óbvia a intenção de Godarta. Através desse diálogo, mostrar ao noviço o caminho para a iluminação. O Caminho do Meio.
Assim, prosseguiu:
- Afina, pois, as cordas do instrumento. Nem tão tensas nem tão frouxas... e toca.
- Mas, Mestre, eu não sei tocar harpa.
- Então, esquece.
Os conhecimentos podem ser transmitidos, mas nunca a sabedoria. E se Bronkho era Buda em botão... não levava jeito de desabrochar. Foi o que Godarta concluiu um pouco antes de se fazer peregrino para mostrar a todas as gentes o Caminho do Meio.
Quanto a Bronkho, o Opaco... ah, esse ficou no Meio do Caminho.
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