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Não se pode roncar impunemente,A noite toda, feito um caititu
A morgar no bem-bom. Ou julgas tu
Que cá, nesta casa, não mora gente?
Ressonando, não dás nenhuma trégua
Ao sossego daqui. Pô, Roncador!
Lembras um carro de bois gemedor
Cuja bulha tem o alcance da légua.
Queres roncar? Busca um novo endereço
Distante de ouvido cristão, ó Anta!
(Nesse afã, talvez te ajude Morfeu.)
Pois, se aqui te quedas, eu não apreço
Um reles tostão por tua garganta,
Já que te acham o próprio Asmodeu.
Foi publicado no Jornal da Associação Médica Brasileira (JAMB nº. 1157), de fevereiro de 1987. É uma paródia do soneto AOS QUE SONHAM, de Raul de Leoni (a seguir).
AOS QUE SONHAM
Não se pode sonhar impunemente
Um grande sonho pelo mundo afora,
Porque o veneno humano não demora
Em corrompê-lo na íntima semente.
Olhando no alto a árvore excelente
Que os frutos de ouro esplêndidos enflora
O Sonhador não vê, e até ignora
A cilada rasteira da serpente.
Queres sonhar? Defende-te em segredo
E lembra, a cada instante e a cada dia
O que sempre acontece e aconteceu:
Prometeu e o abutre no rochedo,
O Calvário do Filho de Maria
E a cicuta que Sócrates bebeu!
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