Não ignoremos que a noção do "eu" não se restringe aos limites da pele. Duas a três décadas atrás, Edward Hall desenvolveu uma área de estudo, a proxêmica (criando inclusive este termo a partir do latim proximus), para definir a "ciência que estuda a estrutura inconsciente do microespaço humano". Em outras palavras, tudo o que se coloca entre o "eu" e o "outro".
Através da proxêmica, aprendemos que, entre dois adultos norte-americanos, a distância conveniente para que eles mantenham uma conversa é de cerca de 70 centímetros (que pode ser ampliada se o interlocutor tiver mau hálito). Isto porque os norte-americanos, em grande parte, pertencem a uma cultura de não-contato resultante de uma herança puritana. Já os latinos gostam de bater papo a uma distância menor, face a face. Daí porque são bem aceitas, no Brasil, as entrevistas no estilo "Cara a Cara", como aquelas que a Gabi faz na televisão.
Os russos, os árabes e os judeus são outras grupos étnicos que gostam da aproximação. São culturas táteis, por assim dizer.
E há particularidades interessantes relacionadas ao sexo: a aglomeração torna o homem combativo e a mulher amistosa; assim, numa sala pequena e apertada, um júri feminino tenderá a ser mais tolerante.
A proxêmica também nos ensina que existe uma escala de distâncias, a qual estabelece a distância apropriada a cada tipo de relacionamento. A distância que é adequada para fazer sexo, para conversar, para discursar etc. Por conseguinte, uma moça não deve dar o "sim" (ainda que a tentação seja grande) para quem a pede em casamento a uma distância de... 4 metros. Pois essa é uma distância pública, apropriada apenas para os discursos.
Desviar o olhar, dar as costas, inquietar-se, recuar e até mesmo avaliar se há necessidade de atacar são condutas observáveis frente a uma invasão da "bolha" individual. É por saber medir qual a distância crítica que o domador controla o leão (ou a leoa).
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O oftalmologista Nelson Cunha talvez não se lembre do fato. Estávamos no centro de Fortaleza: ele, eu e Ozildo, um colega de turma na Faculdade de Medicina. Quando Nelson me avisou de que ia fazer uma brincadeira com o colega. Imagino que Nelson já fizera isso antes (para ter tanta certeza do resultado que ia obter). Como era a peça: Nelson, enquanto papeava com Ozildo, faria umas incursões no microespaço dele. Fez a primeira. Sentindo a "bolha" invadida, Ozildo recuou. Nelson tornou a crescer para cima dele. Ozildo recuou ainda mais. Quando deu por encerrada a brincadeira, Nelson tinha conduzido o colega por um quarteirão inteiro - em marcha à ré!
Como um grande germanófilo que era, Ozildo tinha assimilado até essa característica do povo que tanto admirava.
Resposta do Nelson:
"Lembro me sim dessa "característica " do Ozildo. Há também aqueles que durante uma conversa vão marcando os tópicos do assunto com leves toques no interlocutor (vendedores de patos). Há em Monlevade uma senhora, dona de cartório, que perde instantaneamente o ritmo do discurso se voce se livrar dos seus toques. Faço com ela o que fazia com o Ozildo, mas em direção contrária. Afasto-me muito discretamente para além do alcance do seu braço. Ela instintivamente avança na minha direção. Assim seguimos para seu desespero e o gozo da minha alma de moleque."
O grifo é meu. PG
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