Um que destoava era São Jorge. No mister de aporrinhar o dragão, o santo inglês morava no local de trabalho. Na Lua, dindinha Lua. Desanuviado por convicção, o santo pelejador ainda mora lá. Fosse nefelibata, a sua inseparável lança teria virado um para-raios. Mas, raios! Por que santo (afora São Jorge), depois de uma existência terrena agoniada, escolhe ir morar numa nuvem a um pulo daqui? E por que, cargas d'água (ô expressãozinha apropriada!), após sofrer o diabo nas mãos dos dioclecianos da vida, santo resolve ir morar numa nuvem a um tiro de canhão daqui? Quando há os anéis de Saturno...
Eram perguntas da mente infantil jamais respondidas. E viver nas nuviosas fofuras... para santo tinha lá suas vantagens. Primeiro, não havia a monotonia da paisagem; segundo... Espere aí, a monotonia da paisagem talvez seja melhor do que esse eterna-metragem sensaborão. Da Terra para santo ver. Aliás, desde as famosas estripulias do Barão Vermelho que morar nas nuvens só apresenta desvantagens. O avião supersônico, o canhão a laser, o satélite "xeretão" e agora essa mania salobra da nucleação artificial. Eta costumezinho bobo! Como era antes: dia da faxina, a santarada em mutirão, São Pedro ao comando... "Hora de esgotar, pessoal!" E a chuva benfazeja caía sobre as plantações.
Quantas vezes eu me recostei na relva para apreciar o pleomórfico espetáculo! Sopradas pelo artífice vento, as nuvens a formarem enxundiosas figuras de animais! A anta, o rinoceronte, o urso, a ovelha... Ganhava de longe a ovelha. Aliás, o lanífero animal mais parecia - ainda parece - uma nuvenzinha que baixou à Terra. E eu via no céu outros animais também feitos do algodonoso material, mas isso em pequenino. Hoje, quando penso que Magalhães Pinto vislumbrou nelas a política, estraga tudo. "A política é como a nuvem; olha-se outra vez e já mudou." Pois bem, foi depois dessa comparação que Magalhães Pinto adotou o guarda-chuva, talvez receiando alguma nuvem derramadeira. O guarda-chuva. Para proteger a careca e a casa bancária. Sub umbra alarum tuarum protege me.
Nas histórias em quadrinhos um tipo de nuvem é bastante comum. Observada do chão, ela se confunde com as demais nuvens distribuídas à sua volta. Porém, ela oculta o covil de um astucioso vilão - é uma nuvem artificial. De onde ele, através de uma avançada parafernália, espreita a Terra para cometer suas vilanias. Só que o vilão, no final, entra em trombas (d'água), sempre. Aliás, quase sempre. Não esqueçamos o guerreiro poderoso que, depois de saciado na bendita Geni, partiu incólume em seu zepelim prateado. Numa nuvem fria...
Agora, o leitor atente para estes versos:
"Abraço a Juno ou, louco, abraço aquelaNuvem de ouro ilusória e vagabunda?!...Minha ventura, ó céus, é tão profunda,Tão larga e tanto que eu duvido dela!"
Pertencem ao soneto "Íxion", de Raimundo Corrêa. Reza a lenda que Íxion, rei dos lápitas, fora admitido no convívio de Júpiter e de sua esposa, a deusa Juno. Ultrapassando os limites da conveniência, Íxion fica perdidamente apaixonado pela deusa. Avisado da corte desrespeitosa do rei dos lápitas, e também para pô-lo à prova, Júpiter produz uma nuvem dourada, com a forma de Juno, e a coloca junto dele. O louco apaixonado corre a abraçá-la, mas o ciumento Júpiter, com o seu poder divino, o precipita no inferno aos cuidados das Fúrias. Na mansão dos mortos, o pobre Íxion é amarrado com serpentes a uma roda de fogo, a qual nuca cessa de girar, girar, girar...
Moral da história
Quando a nuvem é dourada o melhor é deixá-la passar. Em branca nuvem mesmo.
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