sexta-feira, 29 de maio de 2009

GATO, TIJOLO & FAMÍLIA

Certa vez, atinou Monteiro Lobato com a grande quantidade de conceitos e definições que existiam para o humor. Uns pretensiosos, outros científicos, ao fim das contas, muitos. O que lembrava a superabundância de remédios para a tosse, com a mesma limitação de que nenhum realmente servia. Para Lobato, a tosse e o humor apresentavam circunstâncias causadoras vagamente compreendidas. Daí o duplo fracasso: dos xaropes "peitoraes" (para quem se fiava nos reclamos) e dos conceitos, definições e que tais sobre o humor.
No que se refere à tosse, registra-se, porém, a nítida melhora do quadro. A partir do muito que se tem investigado sobre as causações dela. E, assim, a medicina já mostra, nos últimos tempos, apreciáveis avanços no sentido de debelar o incômodo sintoma. Máxime, quando consegue curar a doença que ocasiona a tosse. Quem já teve, por exemplo, uma bronquite na qual o rir é substituído pelo tossir, é que sabe valorizar essa conquista da medicina. E pensar, ilustre passageiro, que tudo começou com o Rhum Creosotado...
Mas, voltemos ao escritor paulista. Inconformado com a existência de uma definição - realmente satisfatória - para a questão do humor, que fez ele? Formulou uma, inteiramente pessoal, valendo-se do chamado método peripatético. Trocando em miúdos, aliás, porque estava sem eles, Lobato dispensou o ônibus habitual. E pôs-se a andar, andar, andar... enquanto matutava. Assim foi que, ao cabo de 6.201 passos, chegou a esta genial (porque simples) noção. "Humor é a maneira imprevisível, certa e filosófica de ver as coisas." Repare que cada adjetivo qualificador custou 2.067 passos, o rendimento do método.
Ele, melhor que Taine, Bergson e Freud, autores de ensaios clássicos sobre o assunto, foi quem solveu o problema conceitual do humor. E fê-lo numa linguagem clara, objetiva e derradeira, dando quinau nos espíritos sedentários (adeptos já naquela época do vale-transporte). Acredito mesmo que a concepção lobateana para o humor possa ser ilustrada por uma velhíssima anedota. Aquela sobre a diferença entre o gato, o tijolo e a família, cuja resposta consiste em atirar os dois primeiros numa parede. Pois "o que miar será o gato".
Embora pareça "jequíssima" a piada, ela contém os três princípios fundamentais de Lobato. Senão, vejamos:
É imprevisível. No pressuposto de que o leitor não soubesse a resposta, como procederia então? Inicialmente, no terreno do previsível, tentando identificar nos seres em questão a diferença. Aliás, as diferenças já que são muitas - o que também só faz complicar. O gato pertence ao reino animal, o tijolo, ao reino mineral. O gato recebe o nome científico de Felis cattus domesticus, já o tijolo tem o nome oriundo do espanhol tejuelo. Ou, ainda: este é fabricado pelo homem, enquanto aquele é o resultado do esforço gemebundo da espécie na noite dos tempos (apud Darwin). Etc. Ao fim da discussão, só o humor oferecerá a resposta imprevisível, isto é, a que não guardará qualquer associação lógica com a pergunta.
É certa. Fosse a resposta "o que voar será o gato", não haveria anedota alguma. Uma piada incide no exagero, na hipérbole, mas nunca na mentira. Ela não é assunto para um gato-de-botas. Em sendo uma maneira certa de ver, a piada pode ser comprovada na prática inclusive. No caso vertente: jogando o gato e o tijolo na parede, mas o que, convenhamos, não fica bem. Que eu saiba, não estou a falar para um fedelho em traje marinheiro, mal-comportado e com a ideia fixa de impingir maus-tratos a um bichano. Quer dizer, fazer dele gato, sapato e tamborim. O Lobato tá certo.
É filosófica. Pelo conselho pragmático que dá, ao mesmo tempo em que ajuda o aconselhado a compreender a realidade que o cerca. É o tipo do conhecimento que um dia poupará o leitor do vexame de comprar gato por tijolo. Gato (à exceção do importado que fala meow) é dado grátis na unidade, tijolo é vendido no milheiro. E que também poupará o leitor da atribuição de comer gato por lebre. Gato... Epa! Receio haver descambado para uma filosofice que não leva a nada. Puro engatinhar mental. Além do mais, cansei.
Quanto à família, vai muito bem, graças a Deus.

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