domingo, 3 de maio de 2009

SALVE A INFLAÇÃO BRASILEIRA!

"Em casa que tem inflação 
todos brigam e ninguém tem razão." 
Provérbio modificado

A verdade é que tratamos mal a inflação. No pressuposto de que ela é a causa de todos os nossos males, inclusive os que vivem malocados, e lhe descemos a ripa sem contemplação. A inflação enquanto bode expiatório. Enquanto isso, na escolha do atual sumo bode da expiação, os brasileiros estamos de novo sendo incompetentes. Em não reparando na grossa blindagem dele. E quanto mais lanhamos o bode, mais ele come das nossa hortaliças. A ponto de nos esquecermos até da velha saúva de guerra. A saúva, quem diria...
Volta e meia, os economistas trancafiam a inflação num secreto porão do Planalto. E tome pancada, choque, pau-de-arara, leito de Procusto (ou será de pró-custo?) ao som de umas horríveis lambadas do Pará. Finda a sessão, em que estado pensam vocês se achar a inflação? Estropiada, com um dígito a menos? Caindo pelas tablitas? Nada disso. Ela se encontra tinindo nos cascos, se como a houvessem tratado a pó do guaraná (legítimo). Numa palavra, rejuvenescida. Em condições de enfrentar o senhor ministro da Fazenda e do Brinquedo.
O senhor ministro da Fazenda e do Brinquedo, que já tem caçado muito urso no invernadouro, tem lá sua estratégia. Põe a inflação a hibernar. Mas, é bom que se recapitule aqui a fisiologia de um ser que hiberna. Primeiro, ele come feito um danado para estocar gordura. Segundo, hiberna. Terceiro, ele desperta com uma fome descomunal. Fome ortodoxa, saiam da frente (se isto for possível). E, o que é pior, pega o país bem no rigor da entressafra.
O exemplo da Bolívia. Santa Rita da Cochabamba, como eles estão! Mastigando coca a mil, estão desentocando uma inflação de 24 mil... por cento! Não é à-toa que o país irmão é hoje considerado um celeiro de técnicos na luta antiinflação. Ora, um que outro bem que poderia prestar socorro ao Brasil. Mas, por motivo de segurança nacional (da Bolívia), nenhum deles pode ser liberado. Um só boliviano que largue o cabo-de-guerra, a inflação recupera terreno e ganha o jogo.
Em geral o assalariado e a inflação são inimigos naturais. Por isso, é comum o primeiro reclamar:
- Diacho, você me deixou nu com a mão no bolso.
E o segundo ripostar:
- Que bom! Você ainda tem um bolso...
Vai daí, arma-se uma tremenda confusão que termina com o assalariado... nu com a mão no bolso. Ad infinitum.
E também existe uma teoria de que a inflação brasileira está só fazendo musculação, criando marra. Para ir lá fora dar um pau na dívida externa. Se isto se confirmar, meu Deus, a inflação entrará para o panteão dos heróis nacionais. Terá efígie numa cédula de muitos zeros à direita, mas que pouca alegria dará ao portador. E aprendam isto: que uma inflação não abandona nunca seus mais caros princípios.
Por essa e outras é que a inflação deve ser bem tratada pelos brasileiros. Acarinhada inclusive. Só assim ela não vai chamar a hiperinflação, a mãezinha dela.

Originalmente publicado em 1986 no "DN - Cultura" e no "Jornal da AMB".

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