sexta-feira, 2 de abril de 2010

CARTA AO JÔ - 2

Prezado Jô:
Permita-me tomar um pouco do seu tempo para discorrer sobre um vizinho. Ele é o paradigma de um chato. Avalie você que não se pode, nem por cordialidade, cumprimentá-lo com um "oi, tudo bem?", pois sabe o que acontece? Ele não entende isso como uma saudação, faz parar o incauto e daí para frente... tome conversa aborrecida! Durante a qual, tintim por tintim, ele se põe a descrever os últimos fatos de que teve conhecimento, sobremodo os desagradáveis. Quando podia ter respondido com um "tudo bem" e seguido caminho.
Ele adora frases-feitas, lugares-comuns, é porco-chauvinista e tem mau hálito. Não consegue conversar sem, a todo instante, cutucar o interlocutor como se estivesse a lhe oferecer um pato. Enquanto repete, incessantemente, o bordão "tá me entendendo?". Pois saiba você que, numa dessas vezes, eu tive de reagir. "Ora, eu entendo Kierkegaard, o governo paralelo do Lula e a Lei do Inquilinato, por que não hei de entendê-lo?" Mas, nem assim, Jô, larga ele o detestável estilo, já que "mancômetro" é algo que não tem. Nem cortador de grama, o qual, se ele me toma emprestado, devolve depois quebrado.
O certo é que não vou aturá-lo mais nas festas que faço em minha chácara. E, para barrá-lo na pretensão de entrar sem convite, na próxima vou pôr leão-de-chácara na entrada. Sabe como é, Jô, o sujeito a fazer da minha festa um grande rega-bofe, a falar bem do governo, a contar piada cabeluda na presença de minha irmã que pensa em ser freira... Aí, quando alguém começa a contar outra, que talvez melhore o nível, ele vai, interrompe com um "ah, essa é velha!". E, assim, prossegue até a festa terminar... com ele promovido de chato a bêbado chato!
Diz-se que o universo se acha em expansão, o que pode ser para mim um princípio de esperança. O de que ele fique um pouco mais afastado do microcosmo que habito. Mas... como isso pode levar milhões de anos, o mais prático mesmo é eu me mudar de bairro, cidade ou país (na ordem inversa de preferência). E, se possível, o quanto antes, Jô! Pois o vizinho, para reciclar a sua já imensa chatice, acaba de aderir à cientologia.

Publicado em 20/11/91 no Diário do Nordeste

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