Bem, antes de tudo, fico na dúvida acerca da quantidade exata dos pares de sapatos que aquela senhora na atualidade possui. Estima-se que sejam mais de cinco mil pares. Agora, dizer exatamente de quantos se compõe o acervo acaba não passando tudo de um chute (ora, bolas). E dos mais desajeitados porque, ao que parece, não há chuteiras no lote da viúva. Só sapatos finos, adquiridos com parte dos cinco bilhões de dólares com que se calçou o marido, o ditador Ferdinand, ao tempo em que esteve no poder.
Como era a fórmula: enquanto Dona Imelda fazia da vida sapato, Dom Ferdinand, mais abrangente em sua atuação, ia fazendo gato e sapato. Com o povo e o erário das Filipinas.
Mas, as sugestões. A primeira é jogar tudo no vulcão Pinatubo para exorcizar o mal que a ditadura Marcos causou ao povo filipino. Entretanto, resisto a essa ideia: que culpa tem o vulcão? Além de que o Pinatubo, cujo temperamento é reconhecidamente explosivo, não ia engolir a coisa quieto. Na primeira oportunidade, o vulcão devolveria a carga de sapatos ao meio-ambiente. Disso resultando que o arquipélago ficaria qual um imenso panetone - com os sapatos de Imelda fazendo as vezes de frutas cristalizadas!
A sugestão de distribuí-los com a população carente é demagógica. Derrapa na "pododiversidade" e lá poucas mulheres calçam o número de Dona Imelda. Uma dublê de pés dela e meia dúzia de "sociolatas", não mais que isso, seriam as pessoas contempladas pela medida.
Por isso, a ideia mais plausível é criar o Museu do Sapato. Mas sem essa de contar com os sapatos da defunta! Não precisa morrer a viúva Marcos para que a República das Filipinas tome tombe todos os seus sapatos. Aliás, todos... menos um par de pantufas que lhe seria deixado para fazer sapateado no xadrez. Encarregar-se-ia o Estado de os desempoeirar, lustrar e desodorizar... E de botar meia-sola quando bastante andado estivesse o exemplar. Após o que, alertando os curiosos para que não fossem além dos sapatos, seriam estes colocados em exposição no museu.
Com esta destinação proposta para os sapatos, creio haver cortado o nó górdio de seus cadarços.
Data da publicação no Jornal do Leitor: 22/05/94
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