quinta-feira, 29 de julho de 2010

LABORES LABORATORIAIS - 2

A Questão Andrômaco
Quando cursávamos medicina, éramos brindados pelos laboratórios farmacêuticos com amostras grátis de seus produtos. Andavam já de olho, os laboratórios de antanho então, nos receituários dos futuros doutores. Uns, é verdade, nos davam meros prospectos, reservando suas amostras para os médicos, principalmente os que possuíam boas clientelas. Mas, assim procedendo, ficavam jurados de entrar numa lista negra em fase de elaboração, a exercer seus efeitos após a formatura da turma. Outros laboratórios, porém, mais generosos, nos enchiam as maletas de amostras, com isso demonstrando que acreditavam em nosso porvir.
Havia um laboratório, o Andrômaco, que não punha qualquer restrição aos acadêmicos de medicina. Nem ao primeiranista, o qual fazia jus a uma amostra grátis por assédio feito. O segundanista recebia duas amostras, o terceiranista, três, e assim por diante. Até chegar ao acadêmico do sexto ano, o quase doutor, que ganhava exatamente seis amostras. Ainda que essa generosidade do Andrômaco gerasse da parte dos próprios estudantes certas maledicências. Como a de comentar que existia, no referido laboratório, um enorme tacho com xarope. No qual, ao pressentir que os acadêmicos estavam por chegar, o pessoal do laboratório logo adicionava alguma porção de água.
Em nossos primeiros anos na Faculdade de Medicina, considerávamos que uma de nossas missões era providenciar remédios gratuitos para os (nem sempre) necessitados. Até reservávamos um dia da semana para fazer a busca ativa. Sim, porque não nos satisfaziam os encontros casuais com os propagandistas de remédios. Diante das crescentes listas em nossas mãos das solicitações feitas por amigos e parentes para que obtivéssemos antibióticos, vermífugos, expectorantes, vitaminas e colírios. E tínhamos de mostrar prestígio conseguindo essas amostras.
Para tanto, verdadeiras hordas de acadêmicos espalhavam-se periodicamente pelas ruas centrais de Fortaleza. Já que o exercício solitário da busca ativa era, por todos, considerado contraproducente. Além de ser bem menos animado, claro. De modo que cumpríamos um autêntico programa de índio, e não sendo de hoje que suspeitávamos disso. Mas... compensava se, ao fim da jornada, tínhamos os cobiçados remédios com que atendíamos os parentes e amigos. E estes, como prova de gratidão, faziam novos pedidos. Ad nauseam.
Um dia cansamos dessa desgastante labuta. Mas, para não deixarmos desassistidos os que ainda nos procuravam com seus pedidos, mudamos a sistemática. E trocamos as nossas cansativas visitas aos laboratórios por grandiloquentes bilhetes endereçados a seus gerentes. Levados esses bilhetes pelos próprios interessados, e nos quais havia sempre o indefectível fecho: "antecipadamente agradecemos". Um santo remédio! Que, desde então, nos livrou do tão ingente esforço que vínhamos praticando.

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