sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

VIAGENS

"Viajas até mesmo ao redor de tua inacreditável imobilidade." - Emílio Moura

Uma coisa o presidente Sarney conseguiu. Em se tratando de viagens presidenciais ao exterior, estabelecer um número sem precedente na história da República. E, ao mesmo tempo, ainda sem haver concluído o mandato presidencial, já deixar uma marca desafiadora para o porvir. Se bem que o futuro, esse eterno pregador de peças, para a desdita dos brasileiros, possa estar nos reservando o seguinte. Outro presidente que nem Sarney, igualmente viajeiro. E, a mais, desfrutando de uma continuidade no poder à la Stroessner (por isso, batam na madeira três vezes).
E o nosso presidente só não vai mais longe porque lhe podaram o mandato. Assim é que, encontrando-se no último ano de governo, ele tem de contentar-se com mais três viagens. E se definir se ainda faz mais duas... Mas é claro que as fará. Ou o pessoal efetivo da comitiva ("tudo pelo elevador social") pedirá a interdição do presidente, alegando alguma insanidade mental. Sarney enjeitando ir ao "exté", onde pode asssumir o papel de que tanto gosta (estadista latino-americano), pode ser tudo... menos Sarney. Dado que não se entende um homem afastado de sua joie de vivre.
No entanto, é possível que cada viagem funcione como uma espécie de fuga. Acossado pelos inúmeros problemas do país, o presidente aqui e acolá opte por dar uma fugida. Não no sentido meramente alegórico, mas fuga mesmo de corpo presente (ou será de corpo ausente?). O assunto está ficando abstruso, não é? Mas vou retomá-lo, dizendo que Sarney um dia escafede-se de vez (pela fronteira, usando a senha "estagflação"). De sorte a evitar o tratamento de choque que Platão preconizava para os poetas da República. Da República de Platão, bem entendido.
Governar este país não é um passeio, como em princípio se pensou. Se vai, Sarney também volta, para que o cargo não seja decretado vago. Pois, por espinhoso que pareça, já tem um monte de aventureiros, querendo lançar a mão... É só ver a corrida maluca dos presidenciáveis ao poder. Alguns deles, inclusive, já foram à Europa para receber o cobiçado polimento. De social-democrata que, dizem, é bom para a candidatura (na do Marronzinho eu pago para ver...). Mas, como até o momento em que escrevo estas linhas, não se gastou nisso dinheiro do contribuinte, então tudo bem.
Não há, porém, como justificar tanta gente a acompanhar o presidente Sarney em cada viagem. Há apenas como explicar. Partindo-se da noção de que é uma fraqueza humana se gostar de boca-livre, e de que coisa outra não é uma viagem dessas. Entretanto, gente em excesso nessas comitivas só contribui para criar a imagem de um país perdulário (de endividado não é segredo). Além, é claro, de trazer na bagagem alguns novos problemas para o presidente. Remember o episódio dos micros da viagem aos Estados Unidos.
De fora da esbórnia, o povão já descobriu que existe uma "melô do Sarney". Ei-la: "Se diverte e já não pensa em mim". Também pudera, não tem direito a participar da lambança oficial. Só político, ministro, empresário, a parentela... mas o povo mesmo, nunca! Afinal, o que entende o povo dos altos negócios que são acertados lá fora? Ora, que fique ele cá submetido à experiência do último pacote econômico (o primeiro heterodoxo a gente não esquece...).
Pois é, vamos e venhamos que o presidente esteja a se desincumbir lá fora de um ror de assuntos importantes. Só que, oh! ror... ainda não se sabe, desse tour de force, qual é o retorno em prol do país. A dívida externa, por exemplo, não diminuiu um tiquinho sequer. Ao contrário, só cresce... e parece mais inexpugnável do que a Fortaleza da Solidão. E isto para não falar de todos aqueles comezinhos problemas (enfadonho enumerá-los) que estão "pelaí" comendo solto. Sob uma inflação anual de mil por cento... à sombra.
O duro é olhar no mapa-múndi e constatar o muito que o presidente ainda tem por fazer. Barbados, Liechtenstein, Nepal, Ilhas Seychelles... ainda não foram visitados. E não é para menos. Diante do pouco tempo que lhe resta na Presidência, é tarefa hercúlea para um homem só (força de expressão, já que não se leva em conta todo o pessoal). Talvez fosse o caso de botar na jogada, nisso que é uma atividade indo e voltando, o seu atual substituto. (1) Há comemorativos recentes que atestam ser ele do ramo. (2) E depois, quem sabe, também botar na jogada o vice do vice, o...

(1) O vice-presidente Paes de Andrade.
(2) A viagem do vice a Mombaça - CE.
Sábado, 05/08/89

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