sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

QUARTO DE EMPREGADA

Uma das obsessões da construção civil tem sido o barateamento das unidades habitacionais que constrói. Evidentemente, isso tem limites. Um apartamento cuja sala é ém "I" - e não em "L", como inicialmente se previa - acaba afastando os prováveis compradores. Um acabamento anunciado como de primeira e que não o é, também. Experiências revolucionárias com a utilização de novos materiais como, por exemplo, fazer as paredes de papier mâché (papel amassado), então nem fala. Antes de tudo, o adquirente de um imóvel é um sujeito bem conservador.
E a política de minimização de custos das construtoras acaba sobrando para uma dependência: o quarto da empregada. Que têm sempre dimensões liliputianas por maiores que sejam as do apartamento. Descrevendo um deles, Rubem Braga disse: "Um quartinho tão minúsculo onde uma pessoa não pode respirar com muita força que esgota completamente o ar." Embora tal nível de consciência não o impedisse de transformar o quarto de empregada no despejo do apartamento. Na oportunidade em que Braga recebeu uns fardos pouco desejáveis, que "não podiam ficar na saleta do cronista".
Ao comprador de um apartamento Millôr Fernandes dá a seguinte orientação no item armários embutidos: "Conte o número e o tamanho dos armários embutidos. Mas conte com cuidado porque, muitas vezes, você pensa que está diante de um armário embutido e está diante do quarto de empregada." Ora, imaginam os senhores construtores que a empregada doméstica, feito aspargo em lata, dorme em pé? E que, nas paredes do quarto, assim que ela estiver instalada, não vai a mesma afixar pôsteres de Michael Jackson, Xuxa Meneghel e Paulo Ricardo? O tipo do detalhe que deixa o compartimento ainda mais exíguo.
E o quarto em questão continua num processo de encolhimento que faz lembrar a anã branca (a qual, por sua vez, faz lembrar Adelaide, a anã paraguaia).
Quarto de empregada é assunto que eu falo com conhecimento de causa. Em 1972, eu morei num quarto-e-sala do edifício Corumbá, em Copacabana. Republicanamente, com colegas médicos recém-formados, e todos "duros". O quarto-e-sala ficava ali no Posto 2, próximo ao afamado Beco da Fome (do qual eu não pretendo fazer aqui nenhum comercial). Um dia, porém, quando a vida em república já cansava, recebi o convite para ir morar num local mais família. O convite veio de minha irmã Marta e de seu marido João Cunha(do), que estavam fixando residência na Glória.
Então, ai de ti Copacabana! Peguei meus teréns e fui morar na rua Benjamin Constant, onde a vez primeira cheguei com o coração ofegante (devido à ladeira, meu irmão).
No pequeno apartamento da Glória, coube-me o quarto da empregada. Tão pequeno, ele, que uma vez aberta a cama de campanha não sobrava espaço para alojar outro pertence. Quando, por exemplo, queria pensar, eu precisava pegar o elevador de serviço (tinha a permissão), atravessar o saguão do prédio, e descer a rua no rumo das obras do metrô do Rio. A razão inclusive por que me tornei um peripatético.
Uma gozada coincidência. Um dia, por razões de serviço, eu fui transferido da rua Benjamim Constant para a cidade de... Benjamim Constant, no Amazonas (ora, vá gostar de positivismo assim). Pois bem, com essa repetição dos nomes, o Exército quase não me deu a ajuda de custo para a transferência.
Nem por isso, naquele quarto, eu passava maus quartos de hora. Minto, eles aconteciam. Apenas quando a cama de campanha estava armada e não era a hora de dormir. Mas eu era feliz e... sabia. Só não sabia era... como tinha conseguido sair do quarto o valente pedreiro que o construiu? o eletricista? o pintor, hein, hein, hein?

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