sexta-feira, 7 de março de 2008

O AZAR DE BALTASAR

Acostumado a deitar a mão nas gangues de pichadores da cidade, o inspetor Pierre G. desta vez havia conseguido capturar "algo" novo. Novo, por não constar da lista dos contraventores que ele conhecia, bem entendido. Pois, a julgar pelos sinais denunciadores da idade, tratava-se de alguém avançado em anos. Olhando-lhe o semblante, a barba branca, a veste talar, as rústicas sandálias, Pierre G. admitiu também que ele, o detido para averigüações, tinha o aspecto messiânico. Em nada lembrando fisicamente os contumazes praticantes da grafitagem, muitos deles ainda na menoridade.
No interrogatório não respondera a nenhuma das perguntas. Mesmo assim, pego com uma lata de spray na mão - a arma provável do crime - havia fortes indícios de ser ele o pichador que vinha sendo procurado. Como o responsável pelos transtornos acontecidos no banquete de Baltasar, o manda-chuva da cidade. E a polícia técnica, nesse momento examinando o material apreendido, encarregar-se-ia de fazer a confirmação. Entrementes, o danado do velho bem que podia facilitar as coisas confessando a autoria. Mas qual! Permaneceu em silêncio durante todo o interrogatório, para a irritação do inspetor que não via a hora de ter o caso solucionado. É nisso que dá conceder ao preso o direito de... ficar calado.
Ainda decidido a interpelar o velho um pouco mais, o inspetor Pierre G. entrou na cela. Encontrando-o deitado no "colchão de molas de cimento", o ar de nenhum interesse com o que se passava ao redor. Mudou de idéia. E, lembrando-se das pressões que vinha recebendo para resolver o caso, a própria carreira em jogo, o inspetor sentiu-se enervado. Lá ia pode penetrar o pensamento do velho arredio!... Entretanto, se fora ele o causador da marotice, não restava então dúvida de que se tratava de um peixe graúdo da grafitagem. Quem conhece a mansão de Baltasar sabe da sua impenetrabilidade a estranhos. Muro alto com arame farpado, vigilância armada, alarmes eletrônicos, cães e gansos... Contudo, o velho... sim, devia ter sido ele, conseguira entrar, escrever na parede do salão de festa uma mensagem críptica (que causara grande apreeensão em Baltasar). E, em seguida, retirar-se sem ser visto.
É difícil entender o que se passa na cabeça de um grafiteiro. O sujeito perde as noites de sono, arriscando a própria pele nesse... digamos, alpinismo dos pobres, que é escalar muros, prédios e monumentos. Aí, sob a debilóide alegação de que está fazendo um protesto anti-burguês, grafita umas garatujas insondáveis e de mau gosto. Sem falar, naturalmente, do que ele ainda se priva para poder adquirir o seu insumo básico, a lata de spray. Ao fim de tudo, para não passar de um ególatra, um rebelde sem causa, um reles poluidor urbano. E que, por isso, além da "cialipo" (polícia, em gíria de grafiteiro) no encalço, tem merecidamente a repulsa da comunidade.
Nesse refletir, enquanto contemplava o provecto senhor em seu mutismo, mas do qual poderia sair para lançar um anátema (Pierre G. pensou em tal hipótese), aconteceu de o inspetor chegar à seguinte conclusão: daquele mato não ia sair coelho. O coelho, aqui entendido, como a revelação do motivo que levara o velho a grafitar na parede de Baltasar. A despeito do grande risco corrido... ou será que ele, em nenhum momento, sabia disso? Outro ponto importante, já que o detido não colaborava: qual era mesmo o significado daquelas estranhas palavras que tiraram Baltasar da serenidade?
Então, por achar que elas soariam de modo agradável, o inspetor Pierre G., à saída da cela, passou a pronunciá-las:
- Mane, Tecel, Fares.

*****


Transcorreu algum tempo para o inspetor Pierre G. decifrar o enigma. Já Baltasar se encontrava reduzido a uma pessoa sem importância, por quebra em seus negócios e mudanças no jogo político. E o velho, após uma misteriosa evasão, com o paradeiro ignorado e com tudo levando a crer que não mais tornara à pichação. No entanto, o significado tão procurado daquela enigmática mensagem estivera, o tempo todo, em lugar alcançável (Livro de Daniel, capítulo 5, versículos 25 - 28).

2 comentários:

MARTHA THORMAN VON MADERS disse...

pela segunda fez ,visito seu blog, é ótimo, seus textos prender o eleitor.Também acredito que folhas em branco nos chamam...chamam.meu blog é marthacorreaonline.blogspot.com

Paulo Gurgel disse...

Prezada Martha, olá.
Só agora localizei casualmente um
comentário que você fez no Preblog. Obrigado por suas palavras.
Esta postagem é bem um exemplo do nível de excelência que você mantém em seus vários sites.
Visite também um outro blog meu, o EntreMentes.
blogdopg.blogspot.com
Paulo Gurgel