domingo, 13 de abril de 2008

MEMÓRIAS DE CUBAS...

Tinha eu quatorze ou quinze anos de idade quando atendi pela primeira vez ao chamamento do álcool. Enturmado com alguns amigos do meu bairro, numa daquelas tardes que as responsabilidades não trazem mais. Um despretensioso ponto de venda de utensílios domésticos - cujo dono se acumpliciou conosco na armação - serviu de palco ao acontecimento em questão. Pelo fato de que lá não se vendeu, naquela tarde memorável, panela, jarro, moringa ou cinzeiro (feito tudo de barro). Ocupando-se apenas o estabelecimento - com o dono em seu novo papel de barman - a receber um grupo de cinco rapazes que andavam a fim de uma "malinação".
No interior do modestíssimo estabelecimento, com a porta fechada a tramela para que outros não adentrassem, lá estávamos nós. Sentados em bancos improvisados (caixotes), a provar do mel proibido. Em particular, eu temia a quem aparecesse de intrujão para depois sair me dedurando (ao pai, ao mestre-escola, ao juiz de menores etc). E, partilhando o temor com a rapaziada, eu também receava uma outra coisa. Por conta de algumas doses acima da conta, perder as tais estribeiras.
Ninguém da turma apresentava uma idéia exata de quando o álcool "pegava". E ficávamos olhando, uns para os outros, em busca dos sinais denunciadores. Rir à toa, dizer um disparate, engrolar a fala, por aí...
O fato é que bebericávamos com todo o cuidado. Cheios de línguas. Antevendo inclusive que, ao fim daquela reunião secreta, cada um tinha de chegar a sua casa com o poder pátrio sobre as próprias pernas. Por isso, nada de "chorar" muito à hora de pôr o rum no copo. E, como precaução extra, diluir bastante a dose colocada em Coca Cola, gelo e suco de limão.
Pois é, dá para notar em que eu fui me escorar para o primeiro porre de minha vida. No espírito da cuba-libre.
E, como tudo mais no Brasil, aquela bacante reunião terminou em samba.
Depois, em oportunidades outras de minha existência, fui sendo paulatinamente apresentado no vasto círculo das bebidas. Cerveja, Gin, Vodca, Cachaça, Vermute, Uísque (o cachorro engarrafado, segundo Vinicius, por ser o maior amigo do homem), Martini... A propósito, por uns tempos andei seco por um Martini idem. E houve ainda o caso do Vinho que me perguntou se eu estava a sofrer de amnésia alcoólica. Mas que, em seguida, não se negou a me socorrer a memória.
- Na sacristia, lembra?
- Ah...
Agora dois dedos de prosa sobre a cachaça. Pelos terríficos efeitos em minha economia (palavra aqui usada com o significado de organismo animal ou vegetal em plenitude de suas funções), ontem como atualmente, não me entra. A não ser muito bem disfarçada de caipirinha, coquetel, leite-de-onça... Ao contrário da cerveja, cujos domínios espumantes muito já tenho frequentado e que, por isso, sobre ela o meu comentário é este: aprovo-a com louvor. Ainda que procure beber dela cada vez menos, pedindo ao garçom que não deixe juntar muitos cascos em minha mesa. Afinal, o público merece respeito.
E como já sofri com as carraspanas! Da cefaléia, o carro-chefe deste tipo de suplício, ao afamado gosto de cabo de guarda-chuva na boca, passando pela sensação de ter matéria ígnea no estômago, que chega mesmo - suprema humilhação! - a me transformar em vulcão de banheiro. Hoje, porém, isso não acontece mais comigo. Depois que, numa atitude de volta à origem, aderi de copo e alma ao rum-doce-rum, o qual vem me proporcionando um day after absolutamente normal. E, sem explicação científica para o fato, dado que o fenômeno não se repete em outras pessoas que experimentam a rústica beberagem.
Bem, dizer que aderi de copo e alma não passa de um trocadilho. E também de um exagero. Apesar de que busco, nessa muralha chamada vida (Huxley falou), aqui e acolá abrir umas portas da percepção. Com todo o cuidado, porém, para não virar o alcoólatra da Regra de Jânio da Murphologia.
Mas... o que diz esta importante regra?

Isto: "Alcoólatra é o sujeito que bebe mais do que o seu médico."

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