Bem diferente do congênere da Transilvânia, na década de 30 vivido no cinema por Bela Lugosi, o vampiro nordestino não é de estirpe nobre. Quando muito, teve um tio-avô pelo lado paterno que, havendo travado escaramuças com a Coluna Prestes, em pagamento recebeu na época a honraria de coronel. E também não é um ser de hábitos noturnos que, com fidelidade, possa ser enquadrado na estética dark. Pois ele age tão-somente à luz do dia, mesmo porque não conta com uma criadagem expedita que cuide de seus outros interesses.
Gibão de couro, blusa e calça de mescla, chinela de rabicho - eis em que se resume a indumentária do bicho. E na hora do transformismo não vira morcego, não. Ele se transforma numa libélula, em tudo indistinguível da popular lava-bunda que adeja sobre as poças d'água na caatinga. Mas é preciso ficar explicitado que não é uma libélula deslumbrada. Nessas horas em que há muito drácula "crepusculando" por aí, esquecido de que no passado todo vampiro era macho-chô. Haja vista, a exemplo desta contrafação, o bissexualismo do drácula de "A Hora do Espanto".
No cinema nacional, parece que só o José Dumont tem o seu physique du role. Mas, ainda assim, precisando de alguns retoques para a caracterização. O vampiro do Semi-Árido, por exemplo, tem os caninos assustadores (que nem os do colega da Transilvânia) mas não tem os dentes centrais. Daí o apelido que, na primeira vez que escancarou a boca, o vulgo de imediato lhe pespegou: 1001. Contudo, ser um deficiente odontológico não faz dele uma reles sanguessuga. Ao contrário, escora como poucos da categoria um mocotó alheio.
Agora, como fica o sugado depois de uma sessão vampiresca é coisa que o banco de sangue nem de longe consegue. Embora, ultimamente, esteja cada vez mais difícil a nosso vampiro encontrar uma vítima adequada. Minguado como se encontra o hematócrito do matuto (inclusive o do matuto que habita uma dessas "ilhas de prosperidade"). E, quanto ao vampiro já ter sido visto a fuçar bacias de chouriço, eu digo que procede a história. A tanto obriga a sobre-humana necessidade que ele tem de sobreviver.
Então, já se prevê uma adaptação para o vampiro do Semi-Árido: ele passará a chupar linfa. Sem abandonar o mocotó, claro.
Idiossincrasias à parte, o vampiro nordestino é antes de tudo um forte. Surpreende por ser dificílimo de combater. Alho é fichinha, cruz nem pensar (pois no plano religioso é sincretista, funde Deus e o Diabo na Terra do Sol). Não se deixa atrair por absorventes íntimos usados. E, com uma acha ponteaguda cravada no coração, ainda assim ele sobrevive. Como também sobrevive aos "aposentos" recebidos com atraso com o carnê do Funrural.
A grande atribulação do vampiro nordestino vem da parte de seus concorrentes alados. Quando a noite cai no sertão e ele, em sua rede preta, cai... no sono. Aí, é ele incontinenti cercado por esquadrões de muriçocas, percevejos e barbeiros. Havendo ainda a participação de um livre-sugador, o morcego hematófago, o qual pode ter tudo menos senso corporativista.
domingo, 27 de abril de 2008
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