segunda-feira, 30 de junho de 2008

A NOVA LITERATURA BRASILEIRA 1984

Obra viabilizada pelo sistema de cooperativa da Shogun Arte no ano de 1984. Constou de 2 volumes reunindo contos, crônicas e poemas de muitos autores do Brasil.
Participei do segundo volume da coletânea com a crônica INVENTANDO COISAS...

O invento, qualquer invento, é um produto do ócio: sustento isto. Mas, se querem que eu assine embaixo, dêem-me ao menos uma caneta de tinta mágica. Daquelas cuja tinta, ao ser colocada num papiro, volatiliza-se minutos após.
Estou me protegendo, lógico. Quem, como eu, possui um mínimo de responsabilidade sobre os ombros (a lição que aprendi com o mitológico Atlas), não deve jamais sustentar alguma coisa e, ao mesmo tempo, assinar. Porque aí o céu desaba.
R. Taton, com seu "Reason and Chance in Scientific Discovery", vem agora em meu socorro. "A invenção não aparece durante os períodos de trabalho assíduo, mas durante os intervalos de descanso e relaxamento." A tal "Síndrome do Eureka".
Trocando em miúdos: a invenção não aconteceria enquanto o cérebro estivesse trabalhando feito um mata-mouros e, sim, quando ele fizesse uma pausa para o cafezinho. A favor desta teoria o modo como foi inventado o forno a microondas.
Mas... deixemos mister Taton em seu mister e continuemos no ócio, aliás, falando sobre o ócio. Quem nunca inventou algo é porque está no bê-a-bá do ócio. Por favor, não chamei ninguém de beócio, apenas disse que, em não sendo um inventor, estaria longe do zênite da ociosidade.
Cientista, pesquisador, tecnologista, que nome se dê ao inventor, ele é sempre alguém que vai fundo na ociosidade. Para o exercício da vagabundagem criadora, antes de tudo, ele se liberta do jugo do tempo. Ou vocês acham que o relógio do ponto teria sido inventado, se o seu criador fosse alguém preocupado com as horas?
Mas o diabo é que o relógio do ponto foi inventado e, a partir daí, como ficou difícil a gente sair à francesa do trabalho! E, para verem vocês o que é a natureza desumana, o produto do ócio de um relojoeiro-inventor em mãos patronais virou um grande negócio, vale dizer, uma negação do ócio.
Se há inventos para nos atazanar, outros existem para a nossa maior comodidade; separar o joio do trigo importaria uma longa discussão, caso por caso. De qualquer modo, no panorama atual, uma hipotética exclusão deles tornaria a sociedade moderna simplesmente impensável. Desinventar a roda, por exemplo, acabaria com a Era do Gurgel em que vivemos.
Felizmente, aqui repito, felizmente, desinventor de roda nunca tem vida suficiente para levar adiante o famigerado "Projeto Pé-Dois"; morre antes, atropelado. Ei, não estou falando mal dos praticantes de jogging. Eles conhecem a hora e o lugar.
A tal roda como surgiu? Conta-se que das mãos (e dos cérebros) de Og e Ug, dois cientistas das cavernas que, partindo de uma roda-protótipo de quatro lados, percorreram caminhos opostos. Og, optando pela diminuição dos lados e, com isso, obtendo uma roda de três lados, cuja grande vantagem era dar um solavanco a menos por giro, mas aí estacionou. Já Ug, pensando de modo contrário, foi progressivamente aumentando os lados da roda protótipo, até chegar a uma roda de centenas de lados com os contornos arredondados. Na prova decisiva de descer a ribanceira, ganhou a roda de Ug - com a diferença de uma ribanceira sobre a roda de Og. Ug só não pôde comemorar devidamente o feito porque, ao dar o pulo da vitória, foi infeliz e bateu com a cabeça justo no porrete de Og.
Há outros momentos burlescos na história das grandes invenções. Michael Faraday, o genial físico, certa feita mostrava à rainha Vitória I um artefato magnético que ele recém criara, quando Sua Majestade, a Rainha da Grã-Bretanha e da Irlanda, a Imperatriz das Índias não sabendo ficar calada, perguntou: "Para que serve a gerigonça?" Ora, Faraday tinha a consciência da importância de seu rebento no mundo do porvir e devolveu a inquirição: "Senhora, para que servem os bebês?" A rainha saiu tão agastada do episódio, conta-se, que só conseguiu gerir a loura Albion durante 64 anos. Ficou conhecida como Vitória I, a Breve.
Quando Faraday morreu um rapazote norte-americano, de vinte anos, maravilhava o mundo com sua inventividade. Thomas Alva Edison, o inventor da lâmpada incandescente, do fonógrafo para cães e do vibrador (este último tinha um porém, só funcionava na mão de Parkinson). Ao todo, Edison inventou 1.001 engenhocas, o que quase levou à estafa o staff do departamento de Patentes.
Agora, uma colocação derradeira. É possível o invento se voltar contra o inventor? É. Tenho conhecimento disto em pelo menos dois casos: o da guilhotina que decepou a cabeça de Joseph Guillotin, seu imortal inventor, e o do bumerangue.

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