quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

GURGELZIM E A ARTE DO DESENCONTRO

Cês se recordam de Gurgelzim, o desventurado, que, tempos atrás, se entreteve com uma beldade na Praia dos Diários?
Jogando uma onda fria na memória de todos, lembro que houve um flerte – unilateral, é verdade – mas não de todo encerrado, pois ficou para o nosso herói trapalhão um número de telefone do mais alto significado: o do telefone dela.
A ligação mil vezes tentada, mil vezes não conseguida. Nosso herói bufo, horas a fio, enrodilhado em outro fio, o do telefone, numa patética busca da voz amada.
Pessoas cariteiras (caridosas+palpiteiras) chamaram-lhe a atenção. Talvez houvesse algum engano na ordem dos números. Então, Gurgelzim, novamente horas a fio (de alta tensão), combinando e recombinando os números ao telefone. Também nada.
Pensou contratar um detetive particular: fez; planejou consultar uma cartomante: também fez. Mas, esses profissionais pareciam trabalhar em sentidos opostos, pois enquanto o detetive seguia uma pista que ia dar na filha de um açougueiro na Serrinha, a cartomante decifrava nas cartas a viúva de um pescador no Mucuripe. No final, não era carne nem era peixe.
Nessa altura, Gurgelzim era a própria imagem da desolação. De vestes em “desaseda”, barba de doze-horas-sem-fazer, já andava para lá de “píssico”. E passou a ter insônia. Uma insônia rebelde a todo medicamento, colírio de Dienpax inclusive.
Gurgelzim tinha querenças: um espelhinho com o escudo do Flamengo de muita utilidade para o pentear-se e uma esparramada samambaia de plástico que oxigenava seu quarto-e-sala de solteiro. Pois bem, as coisas andavam tão às canhas que o primeiro, como que prenunciando sete anos de azar, havia se quebrado e a segunda fazia um tempão que não levava água.
Pessoas palpidosas (palpiteiras+caridosas), temendo que sua vida estivesse por um triz (ou por um trim), aconselharam-no a ler Khalil Gibran, Lobsang Rampa e outros bálsamos para o espírito. Valeram, pois o nosso herói truão saiu depressinha de uma depressão, daquelas que levam o ser humano ao coquetel Jim Jones (fanta+cianureto).
Além de sair do pântano do baixo astral puxando-se pelos próprios cabelos, Gurgelzim, de forças retemperadas, mudou de mentalidade no plano sentimental. Entendeu que, se não deveria renunciar a tudo feito um “janinho” qualquer, também não deveria se obstinar por causa de uma quimera. Cabeça desaquecida, fosse o que os orixás quisessem.
Não é que deu quase certo. Fez o acaso com que eles, numa rua estórica, se cruzassem. Ela, num vistoso vestido amarelo, a passar esplendorosa quase roçando nele, na direita dele. Numa ocasião em que Gurgelzim" olhava com fixidez para a esquerda, por causa de um maldito torcicolo.

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