quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

SOL, PRAIA... AÇÃO

Ir à praia é uma das formas de combater a solidão. Há uma impressão – errônea! – de que é o contrário, quando se observa o comportamento dos primeiros banhistas da manhã. Cada um, tacitamente, demarca uma espécie de lote de terreno particular. Entretanto, com o passar das horas, ninguém se constrange de ver o lotezinho repartido com mais e mais banhistas que vão afluindo. Até que, por volta do meio-dia, cada qual cuida de um minifúndio que só dá para plantar o próprio traseiro. Essa falta de espaço, longe de incomodar, é motivo de regozijo geral pois, onde há pessoas apinhadas, há condições favoráveis para o atamento de novas amizades. E todos blefam a solidão: tal é a confraria balneária.
Gurgelzim, assim que entendeu esse fenômeno psicossocial, vestiu um calção de banho e foi à prática. Chegou cedo – ainda com pouca gente por lá – à Praia dos Diários. Atraído por um biquíni amarelo com cadarços nas laterais, procurou se posicionar bem naquela manhã praiana. Querendo ser discreto, mas não ignorado, foi quedar perto da moça do biquíni, numa pontinha da esteira dela. Uma aproximação entre desconhecidos costuma requerer certo timing, menos para Gurgelzim que sabe ser, como ninguém, agradável. Capaz de soltar as amarras de qualquer pessoa, empregando tão somente o papo espirituoso e, além disso, originalíssimo.
1ª ação
“Já nos conhecemos de algum lugar?”
“Não”, respondeu a de biquíni.
“Acho que sim... de uma fila do INAMPS.”
“Nunca estive doente.”
“Nem eu”, troçou (com cedilha) o de calção, enquanto apertava a barriga para dissipar uma cólica de momento.
Como a beldade fizesse a menção de ir a um mergulho, Gurgelzim ofereceu-se para ir junto. Mas, ante um pedido dela, aquiesceu ficar no local tomando de conta de uma escova de cabelos. Demorou só uma hora.  
2ª ação
Gurgelzim falou sobre violência urbana, bebê de proveta, caça à baleia, plenilúnio, Triângulo das Bermudas, Cachoeira de Paulo Afonso e outras cascatas. Foi notado o interesse dela quando a “conversa” descambou para pneumotórax espontâneo, pois, na ocasião, ela disse “Hum...” e foi para um novo mergulho. Gurgelzim continuou sentado, apreciando uma pesca de arrastão. À distância... porque tinha de cuidar da escova de cabelos. (Ah! A Natureza sempre tão pródiga, enchendo a rede dos pescadores de latas de cerveja, copos de plástico e frascos de bronzeador...) Demorou só duas horas. 
3ª ação
Gurgelzim falou sobre cultivo de samambaias, metrô do Rio, Guerra dos Mascates, ritos de cremação, Ionesco, Besta do Apocalipse e outras coisas bestas. Ela participou vivamente do “interlóquio”, à maneira própria, coçando o nariz descascado pelo sol da praia. Justamente quando Gurgelzim contava uma anedota bem picante (fonte: revista Família Cristã), ela o interrompeu com a notícia de que ia mudar de ponto na praia. “Por causa dos raios solares, como eles estão incidindo aqui”, explicou. Pegou seus pertences, a escova de cabelos inclusive, e despediu-se com um beijo a apenas 15 cm (quinze centímetros) do rosto de Gurgelzim. Afastou-se, lindona, em seu biquíni amarelo que combinava com os sapatos altos da mesma cor.
Ação Final
Uma garota de conversa tão aberta, amistosa, não é de se esquecer facilmente. E Gurgelzim, um sentimental, ficou (re)mexido. Princípio de paixão? Talvez. O fato é que, desde então, Gurgelzim tem sentido uma dor no peito que nem com emplastro Sabiá passa. Se, ao menos, para um pouco de fetichismo, houvesse retido alguma lembrancinha dela... A escova de cabelos? Que nada! Ele ficou apenas com um número de telefone, que “num” ajuda, pois anda eternamente fora do gancho. Feito alguém.

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