sexta-feira, 17 de julho de 2009

A ENTREVISTA DO BOI

A propósito de uma festa popular que, uma vez ao ano, acontece em 22 localidades do litoral catarinense, motivei-me a entrevistar o seu principal personagem, o boi. A Semana Santa já havia transcorrido e, nessa altura do calendário religioso, não mais ia ser fácil achar o propalado personagem. Pelo fato de ele já se encontrar reduzido a um montão de ossos. Então, apelei para uns amigos do Pantanal, um bairro de Florianópolis onde há um "repeteco" da farra do boi. Mais: fazem isto todo fim de semana. E eles, prestimosos, puseram o boi na linha (telefônica, graças a Deus).
Dou nome ao boi: Tatá. Dele ainda arranquei (epa!) outros dados individuais: idade (5 anos, mas não publique isto); raça (guzerá, melhor que anote bovina); religião (budismo mitigado); e passatempo (todos, menos este). Em seguida, a entrevista.

- Já estando escolhido para ser a figura central de uma festa popular, como você se sente?
- Encurralado. Antes me botassem numa tourada ou numa das vaquejadas que vocês fazem aí no Nordeste. Assim, eu não teria uma morte tão humilhante.
- Sente-se, então, como um peru no Natal?
- Sim, guardadas as proporções.
- E... não existe uma maneira de escapar da tortura e da morte que os farristas lhe reservam?
- Só existe uma, bem amaneirada. Transformar-me em boi voador.
- É, mas asinha o prenderiam. Com base numa lei que “manda prender esse boi, seja esse boi o que for”.
- Chicanice.
- Bem, na qualidade de animal totêmico, segundo a antropologia...
- Ora, vão eles amolar... o bode que tem muito mais retorno.
- Porém, há uma corrente de intelectuais que defende a farra. Partindo do princípio de que ela é uma tradição.
- Tudo bem, se eu estivesse no bumba-meu-boi. Mas avise antes... esses zoófobos senhores de que me aguarda o martírio.
- E as autoridades locais nunca tomam uma providência?
- Ah, só têm empurrado o problema com a barriga... verde, aliás. Na ingênua esperança de que os farristas, com o passar dos tempos, abrandem a violência.
- Há rumores de que governador Pedro Ivo acha-se disposto a pegar o boi pelos chifres...
- Epa! Até ele?!
- Quero dizer, o seu governador está a fim de enfrentar o problema para resolvê-lo de uma vez por todas. Nem que tenha de usar a polícia. Que você acha, então?
- Aplaudo-o. Agora, que ele vá conseguir pôr um paradeiro na farra, no aspecto bárbaro da farra, eu não acredito. Brigam policiais e farristas, o evento fica mais animado, mas no fim saio eu esquartejado.
- E... quanto à recente intervenção do Gabeira, do Partido Verde...
- De verde entendo eu que sou ruminante.
- Concordo. Mas o Gabeira disse que a farra é para acontecer mesmo e sem a interferência da polícia.
- Ele, um escritor de tutano, falou isso realmente?
- Não falou só por farra, pois ele se encontrava num palanque.
- “Peraí”. O Gabeira não é aquele que já comeu “carne do boi”?
- Hum... hum...
- Tá explicado agora. Porque o macho vem crepusculando tanto.
- OK, mas agora é tarde para boi... cotá-lo. Ele foi aplaudidíssimo pelos farristas que até lhe prometeram uma farra do boi sem violência.
- Para já?
- Não exatamente. Assim que todos estiverem conscientes de que a violência contra o animal...
- Ora, até lá morre o Gabeira ou o boi. Como não me chamo Ápis nem moro no Egito...
- Já sei. Você acha que morre primeiro.
- Adivinhão. Agora conta outra para eu dormir

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