quinta-feira, 23 de julho de 2009

O CETRO

Há muito tempo, quando a China não era um só país, uma de suas províncias era governada por um rei muito estimado por seu povo. Chamava-se Liang, rei da província de Liang-Ming. De seu trono de fino lavor, ele atendia incansavelmente aos súditos que o procuravam. A uns, dando sábios conselhos, a outros, aplicando a justiça salomônica (mutatis mutandis), e a todos, enfim, parcelando o imposto a pagar. Nesses múltiplos misteres, era o rei auxiliado por seu grão-ministro Hie-Na.
Abra-se um parêntese para descrever o grão-ministro. Hie-Na não chegara ao alto mandarinato assim por acaso. Em criança, fora companheiro de folguedos de Liang. Depois, graças aos anos em que viveu na Índia, havia reunido uma enorme bagagem de truques engenhosos (considerados por Liang como genéricos dos milagres). E foi por conta desse acervo que Hie-Na chegou a grão-ministro. Cansado já estava o Filho do Céu de ser acusado de milagres em vão prometidos. De modo que, ao fazer de Hie-Na um dignitário, este é que se encarregaria da mistificação. E feche-se a descrição do grão-ministro com outro parêntese.
Em seus aparecimentos públicos o rei não se apartava do cetro, o símbolo de seu poder. Era um cetro que remontava ao fundador de sua dinastia e quem o empunhasse detinha o poder temporal. Somente quando a morte lhe fechasse os olhos é que de suas mãos deveria o bastão real sair. Para as mãos do príncipe herdeiro, evidentemente. E assim a sua dinastia continuaria a varar os séculos. Sucede, porém, que certa noite o rei Liang teve um sonho mau. Assim considerado porque viu ele, naquele sonho, o cetro na mão do rei de uma província vizinha.
Aquele soba! No resto da noite, o rei não conseguiu mais dormir. E, mal o dia amanheceu, ele fez vir à sua presença o seu fiel grão-ministro, de cuja boca tantos conselhos sábios já tinham brotado. Pois bem, germinou mais este (da boca) do grão. O rei, sugeriu ele, deveria partir o cetro em dois para governar apenas com a metade. Quanto à outra metade, guardaria ele, grão-ministro, em local que usurpador nenhum pudesse alcançar. Uma espécie de proteção contra aquele tipo de gente que bota as unhas de fora quando um rei se acha velho e desdentado.
E o rei passou a reinar com meio cetro à vista de todos, mas sabendo todos da existência da outra metade em local patrulhado por dragão. Até que ele teve outro sonho mau. Como na vez anterior, pela manhã ele chamou o grão-ministro aos aposentos reais. E este tornou a sugerir que partisse o meio cetro em dois novos pedaços. O rei Liang reinaria, daí para frente, com um quarto do bastão e ele, grão-ministro, se encarregaria da guarda dos três quartos restantes. Um tamanho mais que suficiente, Vossa Majestade, para o povo saber quem está a governá-lo.
E o tempo foi passando... com o rei outras vezes visitado por seu pesadelo. Até restar em sua mão, muitas partições após, somente uma pequena lasca do cetro. Enquanto isso, colecionava o grão-ministro os pedaços do cetro realmente dito, num local que nem o dragão mais sabia. E já se riam muitos súditos. De início, às escondidas, mas depois, em plena cara real. Que Liang interpretava como sendo risos dirigidos ao bobo da corte. Por suas mal sucedidas tentativas de tirar música soprando num pedaço da flauta de bambu.
Ah!, a história essa roda mendaz... Um dia, ao voltar de uma caçada, o rei teve uma baita surpresa. Ele encontrou o grão-ministro refestelando-se em seu trono de fino lavor e... empunhando o seu cetro. É que Hie-Na, aproveitando-se da ausência do rei, passara da idéia longamente astuciada à ação. E colara à resina os vários fragmentos do cetro em seu poder, de modo a refazê-lo completamente. Ou quase... mas com uma diferença que ninguém notava. Então, disseram todos: Viva Hie-Na, o fundador da nova dinastia!
Ao rei destituído (para quem a roda mendaz girou para trás) restou o caminho do exílio e olhe lá.
Moral da história
Se queres conhecer o vilão, põe-lhe uma vara na mão. Ou um cetro.

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