sábado, 26 de janeiro de 2013

LUCIDEZ, J. NATURA

Senhor Redator:
Não fui surpreendido pela carta do senhor Oswaldo Evandro Carneiro Martins fazendo comentários, ora ácidos, ora alcalinos, sobre dois textos ("J. Natura, o Ecólogo" e "Lucidez, Coqueirófilos!") de minha autoria, recentemente publicados nesta "Seção de Cartas". Pela forma "reptícia" (prefiro dizer assim) com que trabalhei os textos, considerei, desde o início, a possibilidade de ferir os brios de um ou outro ecologista de raciocínio apressado. Foi um risco calculado.
No caso deste cidadão, Oswaldo Evandro Carneiro Martins, o qual se coloca em oposição a mim, assim o faz de forma bastante pessoal. A começar pela frivolice de dissecar meu nome (CPF também não serve?), numa tentativa de estabelecer relações cabalísticas com os meus escritos. Será que este senhor ainda não "eurecou" que o nome de alguém é sempre colocado, à revelia, pelos pais do dito cujo, sejam eles autocratas ou não? Dando o troco à sua moeda azinhavrada, eu também declaro não ter gostado do seu nome. Poderia ser mais altissonante, do tipo verso alexandrino perfeito. Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac fica como sugestão.
Estranho. Achei tão estranho o senhor Evandro Carneiro Martins Oswaldo interromper a rega de suas samambaias-choronas de plástico para escrever linhas e mais linhas a meu respeito, numa espécie de oposição hepática. Viram-no, empunhando as bandeiras do ibope fácil (ecologia, homeopatia, socialismo), certíssimo de que eu trago as mãos vazias? Tudo ilusão de óptica, senhor Carneiro Martins Oswaldo Evandro, pois minhas bandeiras não diferem tanto das suas assim quanto pensa. Considero apenas que cada questão pode vir multifacetada, daí advindo todo um espectro de posicionamentos. Nem tudo está naquele raciocínio primário de CIA versus KGB, para o qual o senhor tenta (debalde) me conduzir. Consulte o baiano Jorge Mautner ("Panfletos da Nova Era") que ele sabe das coisas.
Meus dois textos (des)apreciados por sua crítica-salada, na verdade, merecem considerações apartadas. Assim, "J. Natura", cronologicamente o primeiro tem texto e intertexto. Se o texto alinha (com exagero, reconheço, pois exagerar é uma forma de humor), parágrafo a parágrafo, situações ecológicas vivenciadas por J. Natura, um romântico que descamba para o quixotesco, o intertexto o reconduz, em sentido contrário, para o romântico, tornando-o um personagem até simpático. Agora, o que o faz pensar que eu não tenho carinho por ele? Cervantes, por acaso, repudiou o Cavaleiro da Triste Figura, sua criação
Quanto à sua crítica de que desconheço a realidade ecológica (inferida do desempenho do personagem J. Natura), respondo que criador e criatura podem até ser cotejados mas não são, necessariamente, um ente só. Tartufo não foi Moliére, Falstaff não foi Shakespeare e Macunaíma não foi Mário de Andrade. Mais ainda: pode se permitir, ao que se escreve no terreno ficcional, certas licenças, humorísticas inclusive. Mesmo que, tomado de espanto, o senhor dê, inadvertidamente, uma mordida em sua língua morta de "ignorantia non est argumentum".
Outra coisa que o senhor entendeu-fez-que-não: eu busco, através das ironias, um efeito paradoxal no público ledor. Assim agiu Augusto Boal em "Mulheres de Atenas" (música de Chico Buarque) quando disse; "Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas". Na verdade, objetivou ele criar no público uma reação contra a passividade. Qualquer pessoa medianamente intelectualizada captou a anti-mensagem. Repare que eu falei medianamente intelectualizada, uma vez que a anti-mensagem está no não-explícito, constituindo isso uma limitação do método.
Já no "Lucidez, Coqueirófilos!" o fato tem conotação realística. Melhor "brechável", só que o buraco da fechadura está mais em cima: nem tudo consegue ser enquadrado, a porretadas de Maniqueu, no simplismo do seu modelo opressor versus oprimido, com o poder judiciário a serviço do primeiro. por isso, vou ao além-litígio, ao que interessa: o coqueiro condenado, com o qual me identifico (ninguém se identifica com o que não estima). Sou árvore humanizada (no bom sentido) disposta ao martírio desde que, com ele, ressaltem-se dois traços caracterológicos, a meu ver reprováveis, dos humanos. Aliás, esqueci-me do terceiro: o mau humor (a cada dia descubro adeptos). Falar nisso, humor, na concepção freudiana, é o triunfo do "eu". Tanto ao nível de emissor quanto de receptor, acrescento. Apenas os definitivamente derrotados têm inadequação de humor. Espetam-se com tudo.
Portanto, abra as venezianas mentais, senhor Martins Oswaldo Evandro Carneiro. O que há de anti-ecológico em um parágrafo como este? A me transformar numa árvore-símbolo (para a catarse dos complexos de culpa humanos) prefiro a morte. Espírito vegetal, irei vaguear junto aos bilhões de outros iguais a mim na Amazônia. Na Amazônia que ninguém liga, pois todos, ou quase todos, estão preocupados com suas ecologias de fundo de quintal (reprise). É, pelo menos, uma conclamação à Grande Ecologia. É o sair da ecologia de fundo de quintal (repito) que se sustenta apenas de histrionismo e emocionalismo.
Viva a grande ecologia!
(7 de agosto de 1981)

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