sábado, 2 de fevereiro de 2013

CARTA A UM COMPANHEIRO COQUEIRO

(INTÉRPRETE: P. GURGEL)
Antes de mais nada, agradeço a meu intérprete o fato de conseguir chegar ao lugar em que estou, antes dos bulldozers, serras mecânicas, helicópteros e seus manejadores. Não deve ter sido tarefa fácil. Mas, ao contar-me o que ocorre contigo, caro colega, a notícia já era do meu (nosso) conhecimento: os humanos (ironia!) desconhecem que nós, vegetais, somos abrigo, repouso e ninho de pássaros, e eles, ciosos disso e sinceros em sua gratidão, são nossos amigos e correio. Poderia ter pedido a eles que te transmitissem esta carta; contudo, por querer tornar público meu pensamento e gratificar tão esforçado intérprete, preferi que fosse ele o portador desta missiva.
Grato, companheiro, pela solidariedade. Estão nos dizimando aos hectares, sem que os centros de decisão da nação nada ou muito pouco façam em nosso socorro. Aproveitam-se de nossa natural dificuldade, ou melhor, impossibilidade de deslocamento e matam-nos vilmente. Sinto um pouco tua dor solitária, mas nossa dor é maior: vemos nosso vizinho ser golpeado, serrado, derrubado, desfolhado, vemos sua agonia ao ser laçado e conduzido às serrarias, sabedores que seremos os próximos, e que nossos restos serão usados para camas, guarda-roupas, lenha para fogueiras. Nem sequer nossas raízes poderão repousar em paz: os tratores virão inapelavelmente e as arrancarão férrea e insensivelmente.
Dizes que morrer não dói. Concordo(amos). Mas é intensamente doloroso o tempo que decorre entre a sentença e a execução. Não pela expectativa da execução, mas pelo que ocorre neste período. Nossa dor não começa ao vermos os tratores, mas pelos baques surdos de nossos companheiros desabando com uma sonoridade típica de nossa nobre estatura; tua dor se situa nessa ridícula discussão entre "coqueirófilos" e "coqueirófobos". É como o título de uma peça teatral a que meu intérprete assistiu: "Seria cômico se não fosse trágico".
Mas não deves ficar tão preocupado conosco não, companheiro. Só se sente a falta de uma coisa depois que esta coisa está perdida. Deixemos que os humanos se iludam à vontade, mesmo às custas de nossa vida. Porque, depois, eles sentirão nossa falta, quando a vida deles estiver no fim.
Um abraço de um baobá amazônico.

P.S. Agradeço ao baobá a confiança que me dedicou. Espero que os pássaros te digam isso, caso ele não tenha sido já assassinado.

Intérprete: Hugo Barros da Costa (médico)

Nenhum comentário: