sábado, 9 de março de 2013

PIRAJÁ

O mundo dos insetos fascinava Pirajá, ninguém sabia desde quando. Uns arriscavam que o começo de tudo tinha sido na fazenda Mangagá, a herdade de um tio-avô já meio gagá de Pirajá. Menino malino, ele costumava botar mel de cana nos apiários com o objetivo de antecipar a aposentadoria das abelhas. Isso quando não estava consertando a embreagem dos sapos para que estes não andassem aos trancos.
Passado pelas mãos transformistas de Pirajá, um bufonídeo era outro. Ganhava andadura suave, mas inseto que é bom não pegava mais.
Vê-se aqui a solércia de Pirajá: os sapos viam-se obrigados a ir para o brejo.
Mesmo na fazenda, o menino traçava (epa!) livros a mão cheia. Sobre insetos. E aprendia quão úteis eram eles (os insetos). Às vezes, maravilhado, interrompia a leitura para perguntar, em voz alta, a um interlocutor imaginário: "Quem poliniza as flores, assegurando a formação dos frutos? Quem dá o mel, a laca, o carmim, a seda? Quem, hein?". Interlocutor imaginário, pois ali, no quarto, só estava ele. Ele e, perdão, as baratinhas da cômoda.
Uma vez, o rapazote Pirajá se viu no centro de uma discussão. Estava no barbeiro, quando o fígaro fez um comentário desabonador sobre os barbeiros. Pirajá não concordou. E travaram uma áspera discussão à base de "os barbeiros são uma praga, não fale mal de seus colegas, eu estou falando do barbeiro inseto, inseto é a mãe". Como Pirajá venceu: Colocou o profissional na cadeira e, com "o último argumento dos reis", raspou a barba do barbeiro que, por sinal, era imberbe. Com a navalha e o queixo do rival na mão, também pudera!
Homem feito, Pirajá abraçou a entomologia. Acertou na mosca, vale dizer, em matéria de seguir o seu desatino. Mas, como formiga que corta folha longe de casa, Pirajá resolveu palmilhar o continente africano, onde, por oito longos anos, observou atentamente as termiteiras gigantes. Daí o apoucamento do juízo e a moléstia a ser descrita no parágrafo seguinte.
Dos tempos d'África, além das meninges assadas pelo sol do Kalahari, Pirajá ganhou uma insônia crônica. Consequência de picadas da mosca est-est. Ora, ser distinguido pelo ferrão dessa mosca, como se sabe, é ficar incapaz de pregar os olhos, mesmo apelando para o colírio de Dienpax.
Aí, para enfrentar a barra das noites mal-dormidas, Pirajá dava solitários passeios, equipado de uma lanterna, à maneira de Diógenes. "Procuro uma mariposa", dizia ele a quem o inquirisse. Em vão procurava. Mariposa quer é distância de Insetilux, a lâmpada que fulmina os insetos. Mas... quem não comete seus equívocos?
Como são belas as nuvens de... gafanhotos, Pirajá pensava assim. Mas eram um espetáculo raro. Como também era raro aparecer um circo de pulgas na cidade. (Devem estar percebendo que eu estou a falar de Pirajá no item entretenimentos.) Então, sucedia a pressão de Joaninha, sua namorada, para que fossem a um cineminha pulgueiro.
Um dia, partiu para uma expedição em busca da centopeia centro-europeia. Se a encontrou ninguém sabe, porém todos sabem que ele não foi mais encontrado. E uma efeméride assinala esse fato.
Esta foi a vida, paixão e morte de Pirajá. Para sempre seja louva-deus.

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