terça-feira, 15 de janeiro de 2008

BRANCA DAS NEVES

Era uma vez uma moça de coração bom (frise-se isto) que se chamava Branca das Neves. Órfã de pai, mãe e ama-seca, ela vivia na companhia de uma senhora de estranhos poderes. Má Drástica, a que tinha os cabelos pretos como a asa do corvo. E que planejava, sem que Branca soubesse, arrancar-lhe o coração para substituí-lo por um "Jarvik-7". Para tanto, a senhora Má contava com um grande trunfo: a faca de ponta do terrível Gargamel.
Mas Gargamel era um boquirroto. Num porre de hidromel, ali por volta da "ônzima" caneca, ele foi, bateu com a língua nos dentes (embora não tivesse estes). A inconfidência de Gargamel, feito ondulação de trigal, propagou-se por todo o reino e todos tomaram conhecimento do plano da senhora Má. Branca das Neves também soube, mas ficou sem acreditar. Foi preciso que pessoas chegadas lhe mostrassem a guia de importação do "Jarvik-7", logo após surrupiá-la de Má Drástica.
A moça Branca ficou apavorada. Se a idéia de vir a ter um coração novo, de plástico mais alumínio, já a inquietava, imagine a de viver atrelada a um trepidante compressor... Era de tremer nas bases. Defendendo o recôndito, passou a usar um califom reforçado em seus passeios na floresta. Com isso, o dia "D" que chegasse.
Numa tarde sépia de outono, Gargamel levou Branca das Neves a um passeio na floresta. Tinha a ordem da senhora Má para arrancar o coração de Branca, mesmo sem anestesia local. Era o dia "D". Então, mata adentro, os dois caminharam durante muito tempo. Chegando a uma clareira, Gargamel consultou o seu relógio "Seiko-No-Iê" a ver se já era a hora "H". Era. Mas nisso, Branca das Neves levou Gargamel a um passeio no talão de cheques. E por 3$800 teve a vida poupada. A bem dizer, o "Jarvik-7" era só uma encenação de Má Drástica. Depois de sacado o coração, Branca não teria direito a reposição nenhuma.
De poder do cheque, o velho garga teve outro rasgo de generosidade. Levou Branca das Neves para a proteção dos 7 Dwarfs.
Vivendo no coração da floresta, os 7 Dwarfs ganhavam a vida raspando as paredes de uma velha mina abandonada, onde o fisco de Má Drástica não os alcançava. O grupo participava da chamada economia subterrânea do reino. Pois bem, os 7 Dwarfs quando Gargamel os procurou, para que protegessem Branca, foram todos concordes. Afinal, o veio da pirita (ouro dos tolos) já chegava ao fim, a moça pagava uma boa taxa de homizio etc. Dava até para mudar de ramo.
Com os 7 Dwarfs, Branca das Neves viveu dias e (ah!) noites felizes.
Mas, um dia, numa consulta de rotina ao "Jiló-500" (misto de computador e penteadeira), a senhora Má descobriu que Branca estava viva. Viva e chutando! Furiosa, chamou Gargamel à presença, passou-lhe uma descompostura total, e ordenou-lhe que fizesse o serviço de fato. Ou do contrário... (Nisso lhe mostrou o "Jarvik-7" que, coincidência ou não, bateu mais forte quando viu Gargamel.) O velho Garga não era mais besta. Já não havia sacado, por insuficiência de fundos, o cheque de Branca, mas o coração dela haveria-de... E foi à luta. Mas antes, para dobrar o poder ofensivo, aliou-se ao superterrível Gargabelha, que ao invés de mel comia abelhas.
Avisada sobre a aproximação dos facínoras, Branca vestiu os 7 Dwarfs de samurais e disse-lhes que cumprissem o mátrio dever. Antes, porém, fê-los passar um dia inteiro assistindo a um filme do A. Kurosawa. Não deu certo. Sem tirar nem atirar, os 7 Dwarfs fizeram que nem o capitão Astiz nas Malvinas. E assinaram a rendição incondicional. Pois era a oportunidade de ouro de se livrar de um matriarcado que já estava cansando.
Quando o fim de Branca parecia inevitável, surpresa geral. Gargabelha e Branca descobriram, à primeira vista, que haviam sido feitos um para o outro. E juntaram trapos e chicote para uma saudável relação sadomasoquista. Quanto ao pobre Gargamel, posto a escanteio pela evolução dos fatos, também não teve sorte madrasta. Foi cercado pelos 7 Dwarfs, com estes alegremente cirandando e cantando:

Gargamel, ô Gargamel
O teu lugar tá garantido
Lá no céu.

E Gargamel caiu no pagode. Afinal a festa era também para ele.
E todos dançaram a mais não poder na noite luarenta. Por isso, não deram tento a uma figura sinistra que, do alto de um carvalho, a todos espiava. Um corvo que tinha as asas pretas como o cabelo da Má Drástica. E que só dizia: Never more... Never more...

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