Um fato intrigante, e que não livra a cara de sociedade alguma, é a enorme quantidade de maridos que somem de casa para sempre. Outro, é que os sumiços quase todos apresentam um ponto em comum. Os maridos saíram de casa pretextando comprar fósforos. Em minhas lucubrações, não afasto a possibilidade de que uns poucos estejam a zanzar por aí, cumprindo um percurso de algum Plano Cruzado roteirizado por Kafka.
A maioria, contudo, encontra-se em algum local bem distante do ponto de desaparecimento. Numa região, geralmente soalheira, onde ninguém os conhece. Digo mais: onde ninguém os julga, já que no presente estão a viver com novas caras-metades. Os especialistas atribuem essas peripécias à andropausa (nesta síndrome, mulher nova, bonita & carinhosa é elixir da juventude). E os franceses, ao dêmon de midi, o diabo que se insinua na alma do homem cinqüentão, com o fito de promover as chamadas uniões entre o Outono e a Primavera.
Existindo ou não o diabretes, o desertor conjugal só veio a surgir, a meu ver, após aparecer a caixa de fósforos. Antes, havia a poligamia, o sadomasoquismo, a inversão, o fetichismo, o bestialismo e mais um monte de práticas sexuais com nomes em latim. Mas marido fujão, não. Surgiu, como eu já disse, com o advento da caixa de fósforos. A seguir, inflamando um coração entediado aqui, outro acolá, a utilitária caixinha deu no que deu: transformou-se num dos clichês da época atual. Um fado que não vislumbro para o isqueiro descartável, por exemplo.
Longe de mim a pretensão de ser um experto em mitologia grega. Mas bem que a caixa de fósforos se parece com a caixa de Pandora. (Epimeteu, o primeiro homem, detinha uma caixa que encerrava todos os bens e todos os males. Até que Pandora, a primeira mulher, tomada por uma curiosidade que só vendo, em dia de bode-preto resolve abri-la. E espalha todos os bens e todos os males por esse mundo de meu Zeus. Mas, reza a lenda, que no fundo da caixa ficou a esperança.) Tudo muito encaixado, não é?! Se Jung baixasse neste parágrafo, com certeza ele exclamaria: "Mein Gott, onde eu estava que não descobri este arquétipo?!"
Atenta ao fenômeno, a sociedade psicanalítica "Freud é Amor" exaustivamente o tem estudado. A ponto de fissurar várias de sua melhores caixas cranianas. Todavia, valeu pela conclusão a que chegou: "O indivíduo que abandona o lar assim procede por se considerar, a si próprio, um palito riscado. Ou seja, um sujeito sem valor. Daí, como ponto de partida da viagem que o leva ao Xangri-lá, o recorrer a uma caixa de fósforos COM PALITOS NOVOS. Sem ela, pois, não há o rito de passagem. Mas é bom não esquecer as passagens de primeira."
Conferindo esses foros aos fósforos, a "Freud é Amor" ficou de novo prestigiosa. Pois: fim daquele demoroso revertério que se iniciara por ocasião do episódio Melanie Klein (revoltada com a bolinação, Melanie se apartara da "Freud é Amor" levando justamente o seio bom). Era a colenda sociedade outra vez se fazendo de depositária do fogo prometéico. Para, não sem razão, incendiar os canaviais da psicanálise. Findo o rescaldo, um crítico da "Freud é Amor" era um penitente. Um deles, inclusive, chegou a sugerir numa cápsula do tempo fosse colocado o memorável pronunciamento. Junto com os palitinhos utilizados na fase deliberativa.
Na cápsula do tempo, eu também colocaria a opinião de Antonomásio, um amigo. "O marido fujão é alguém que se acha a fim de perder a cabeça." Como os fósforos.
domingo, 6 de janeiro de 2008
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