sexta-feira, 16 de maio de 2008

A BOMBA

Isto aqui é Drummond: "A bomba / não sabe quando, onde e porque vai explodir, mas preliba o instante inefável." É, prelibar pode. Mas que nunca dêem à bomba as coordenadas da explosão, acrescento eu. Que ela continue sendo a mesma besta de sempre, sem saber quando, onde e porquê. Mas, para tanto, é preciso não bestar o bicho-homem. Nunca apertar o botão do disparo. Só músculos, a bomba é capaz de não deixar uma xicrinha sobre pires nesta loja de louças chamada Terra.
Melhor ainda é que ela vá à Lua, assovie... mas não volte. O leitor não queira assistir na Terra a um espetáculo (bomba!), que lhe pode custar muito. As meninges assadas. E não bastassem a dor, a morte, os danos materiais, a metuenda, a ferotriste é capaz de muito estrago mais. A subversão da onomatopéia, por exemplo. Os sobreviventes da catástrofe atômica ver-se-ão afligidos, no após-bomba, pela total desorganização da onomatopéia. E isto não promete ser pouca coisa, senão ouçamos:
Por afetado no maquinismo do tempo, o relógio nos acordará a desoras com um persuasivo cocoricó. E se ainda houver galos e quintais, os primeiros subirão aos alambrados dos segundos, e tilintarão anunciando o Sol. Mas que Sol, meu Deus? Se a Terra toda estará num tenebroso inverno nuclear, com as chuvas caindo por todas as partes. Sim, as chuvas caindo fazendo frufru, para a alegria das rãs que estarão zunindo nos charcos. Pobres batráquios, não vãos ignorar as terríveis serpes ribombantes, seus inimigos naturais.
O que a bomba avariou mais? A fonte de emissão do som, o meio elástico de propagação ou o humano ouvido? Esta pergunta mugirá no ar, leitor. E, por não achar a resposta exata, um professor de Acústica afofado do juízo (pela bomba) se suicidará. Pensará na faca, seu medonho chuá, mas depois usará o revólver. Que, obviamente, fará tititi. A Semiologia Médica mudará um bocado. Porque os corações trinarão, os brônquios farão ruge-ruge, os intestinos... rataplã.
É... a bomba não tem aplomb. Basta dizer que a maléfica privilegiará os fanhos, fazendo-os subir do atual estamento que é péssimo. O rádio, a televisão, o leilão oficial pagarão qualquer preço para ter um fanho. Toda voz roufenha será premiada. Dinheiro, prestígio, limusine e o fon-fon das multidões. E o Fernando Bicudo (o que restar dele) promoverá no Teatro Municipal uma ópera só com fanhos. A Ópera Trava-Línguas.
Ah, teremos que reprogramar os ouvidos! Para o cataprus de alguém que nos chama, o clique de algo que cai na água, o zás-trás da sirene da fábrica, o psiu de um objeto que despenca, o tibungo da máquina fotográfica, o cricri do sino da matriz... E Santé! Para o murmúrio das taças que se entrechocam à nossa saúde. Já no elevador, o desbragado soltador de pum perderá para sempre o anonimato de que antes gozava. Porque, na nova ordem onomatopaica, vai cainhar feito o cão cujo rabo é pisado.
Na confusão geral do após-bomba, o bate-estaca ganhará um suave ronronar. O condicionador de ar fará baticum. E assim por diante. No final, feitas as contas (sonométricas), a poluição sonora não haverá baixado um mísero decibel. Numa prova de que o bicho-homem, antes e depois da bomba, foi e também será o mesmo martelão (quer dizer, o sujeito que só aprende à força de muito repetir). Ou, talvez, nem isso.
E quem (sobre)viver, ouvirá. À noite, o grilo preencher a tão falada insônia coletiva com o seu intérmino gluglu. Dormiremos com um ziguezague desses?

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