UM CONTO REVISITADO
ERA UMA VEZ um rei muito vaidoso de nome Nando. Certa manhã, nessas manhãs cheias de luz, ele recebeu a visita de dois alfaiates que, após as devidas apresentações, lhe prometeram fazer um novo traje real. "Como nunca se tinha visto antes", enfatizaram. Precisariam apenas de um local no palácio, tempo suficiente e, claro, algum financiamento. E, para que a empreitada não sofresse dificuldades que a pusessem no rol das obras de Santa Engrácia, por conta disso, é que o rei baixou uma resolução. Em se tratando da feitura do traje real, que Mizélia, a ministra da Fazenda, não observasse limite nos gastos.
Instalados no palácio real, os dois alfaiates - em verdade, dois espertalhões - passaram ao exercício de uma grande trapaça. Simulando que estavam a trabalhar, com agulhas e linhas imaginárias, longas horas eles ficavam a coser um tecido idem. E, quem entrasse no recinto, não podia ignorar que havia ali uma obra-prima em andamento. Porque, assim, estaria a passar um recibo de estúpido. Os dois espertalhões, antes de qualquer coisa, haviam divulgado o seguinte: o traje real, em sua beleza jamais vista, não se revelaria aos olhos daquele que fosse curto da inteligência.
Muitos meses após, e com muito dinheiro já embolsado, os dois velhacos deram por terminada a obra. A tempo de o rei Nando poder usá-la na Descida da Rampa, a festa máxima do reinado. Quando o povo, em sua melhor roupa, apinhava-se nas ruas para saudá-lo (e ver também as autoridades que não estavam sendo "fritadas"). A Claudio, secretário do rei, é que coube receber e dar a derradeira palavra sobre o traje real. Com Claudio da Capetinga, como era do feitio, aproveitando a oportunidade para fazer em cima dos dois falsos alfaiates uma caprichada rasgação de seda. Embora nem deste nem de qualquer outro material fosse feito o traje.
Levado o traje à sala de paramentação, a surpresa de Nando. "Roera o rato a roupa do rei?" - eis a frase com que ele intimamente se perguntou. Sim, porque não estava vendo nada daquilo que lhe era mostrado como traje. Ultimamente, é verdade, vinha a sua inteligência despencando... junto com a popularidade. Mas, daí a admitir que ele, um poço de sabedoria, houvesse de todo secado... Ah, não, ainda existia espaço para muita corda. Como a que lhe deu o secretário, com a clara intenção de lhe tirar dos titubeios. Ao citar, com a ênfase que a ocasião requeria, que "o essencial é invisível para os olhos".
Com alguma dificuldade, para não confundir a ceroula com o manto, rei Nando vestiu-se.
Fazia um frio medonho naquele dia. De modo especial para Nando, que só não tiritava ainda mais por se encontrar cercado de áulicos, seguranças e convidados. Dentre estes, uma dupla sertaneja que, por qualquer dá cá aquele chapéu de palha, punha-se a cantar o "Entre capas e pejos", a trilha musical do reinado. Ora, com tanto aparato assim, a Nando restava não ser um "pouca roupa" no plano psicológico. Desconforto térmico à parte, ele tinha de dar início à Descida da Rampa. Para ir ao encontro de sua gente que, já sufocada pelo cotidiano, apertava-se também nas ruas para vê-lo.
O cortejo pôs-se em andamento. A expectativa geral era de que, ao fim do desfile, Nando subisse no palanque da praça para a fala real. Um discurso "pró-lixo" que, invariavelmente, começava com um "maranis e marajás" e o resto era besteirol puro.
Nisso, o que aconteceu foi ouvir-se um "oh" coletivo - o povo tomado de espanto! Seria verdade, verdade o que todos estavam a ver? O rei pelado, pelado como se estivesse a gravar uma externa de filme pornô...
Havia crianças presentes, muitas. Mas os adultos, a se indignarem com a situação, preferiram manter um silêncio respeitoso. Com o espírito de que "quem já viu não estranha, quem nunca viu não sabe o que é". E porque, na presença de um rei, é preciso de prudência, prudência e prudência (para não cometer algum crime de lesa-majestade). Pois bem, mas eu estava a falar de que se fazia um silêncio respeitoso no meio do poviléu. So que esse silêncio, instantes após, aconteceu de ser inapelavelmente quebrado por um "pentelhinho". (Ô nome apropriado para a criança desta história!)
Um "pentelhinho" que, não querendo ser conivente com a farsa em seu quesito evolução, todo gasguita berrou:
- Mãe, o rei tem aquilo roxo!
No que escutou, rei Nando inicialmente se espantou com a exatidão do comentário. Adiante, já refeito do impacto sentido, e por achar que até granjearia respeito com a divulgação, ele se apropriou da expressão escutada. E, em sua peroração à massa, declarou ter realmente "aquilo roxo". Pouco atinando que tudo não passava de um simples arroxeamento pelo frio nos "anexos da estrovenga", eis toda a verdade.
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