O médico, poeta e humorista Paulo Gurgel é também ficcionista nas horas vagas. E horas vagas para ele é o tempo disponível entre a profissão, a poesia e o violão. Que me desculpem a rima. Mas o ritmo poético e o acorde acordam nesse homem o humor, que o pratica com grande sobriedade e agudo senso crítico. Sensível à beleza artística, é um expert da criatividade.
Vez por outra, nos mostra nos suplementos literários a dimensão de seu talento inventivo numa simples crônica ou estória engraçada. Diríamos, mas propriamente, de fino humor, onde a ironia desponta aguda, ferina, insinuante, inusitada. É este o poeta que temos agora em mãos, participante de duas antologias, a primeira datada de 1981, VERDEVERSOS, e a segunda com o título ENCONTRAM-SE, do ano em curso.
A publicação dos livros mencionados é da responsabilidade do Centro Médico Cearense, e na primeira antologia nada menos de dez figurantes são encontrados. Na segunda, a lista estica para quatorze. E isto prova que, se a coisa pega, vamos longe. Médicos escrevendo poesia? - ora direis os tolos! E nós respondemos que é o que de melhor pode acontecer nos dias de hoje. Há os males do corpo e os da alma. Os nossos médicos-poetas cuidam dos dois. E em nosso meio já temos cultores das musas de alto nível, de nome nacional, como Airton Monte e Caetano Ximenes Aragão, para citar apenas dois do VERDEVERSOS, sem contar com Pedro Henrique Saraiva Leão, que saiu do movimento concreto do Ceará, lançado em 1957, e que não está incluído entre aqueles poetas.
Mas, o que vem a ser a poesia de Paulo Gurgel? O humor estaria ausente? Não. E até isto se nota em sua minibiografia. Vejamos: "Detesto ser levado a sério; o contrário, também." Em outra passagem o temos assim: "Amante dos livros, dois deles marcariam-lhe profundamente a juventude: 'Os Lusíadas', de Homero, e 'Ilíada", de Camões." (O grifo é nosso, mas a afirmação é dele.) "Abriram-lhe tanto a visão que fez um exame de vista sem que o oculista lhe dilatasse a pupila."
Isso são trechos esparsos de sua minibiografia (que não é tão mínima assim). O humor também invade a prosa desse cartunista da palavra e da imagem poética, que nos deu apenas o espaço do quarto minguante para redigir estas palavras: "Quero só quatro linhas para botar num livro". E aí estão mais que "quatro palavras" que, contudo, não dão ainda para fazer um juízo crítico de seus trabalhos inseridos nas publicações já referidas. Mas não podemos fechar esta nota sem antes dar ao público uma demonstração de sua criatividade poética:
"Que anjos são essesQue se nutrem da celestial ambrósiaMas que não diligenciamQuando mastigo cogumelos venenosos?"
Humor cáustico, mas humor, também aqui se vê. E só ele, entre nós, o faz com tanta autenticidade assim. Vamos à frente, poeta; não há retorno para nada. O que está morto está perdido. Às bruxas o passado e o louro dos herois.
José Alcides Pinto fez essa apreciação em 1983, a respeito do trabalho literário de Paulo Gurgel, entregando a este uma cópia para a publicação, o que só acontece agora.
PECULIAR APRECIAÇÃO DO LIVRO "SOBRE TODAS AS COISAS" EDITADO PELA SOBRAMES - CEARÁ
Chegou-me às mãos, por gentileza de Geraldo Bezerra (45), o livro SOBRE TODAS AS COISAS - EDIÇÃO CONJUNTA - SOBRAMES/CE (1). Então, eu li Celina Pinheiro(5), Francisco Medeiros(37), Helvécio Feitosa(67), Luiz Alberto(99), Marigélbio Lucena(119), Hamilton Monteiro(55), Emanuel Carvalho(27), João Wilson(91), Luiz Moura(107), Dalgimar Meneses(17), Ícaro Meton(83) e Paulo Gurgel(129).
Foi então que, dando asas à imaginação, eu, fugindo do QUOTIDIANO(101), agarrei um COMPANHEIRO(102) e dizendo É PRECISO VIVER(52), fomos ver o NOTURNO DA CIDADE GRANDE(60). Antes de relatar esta CRÔNICA DA NOITE(93), digo: - nós, TORCEDORES DE FUTEBOL(125), separados do CARTOLA DO FUTEBOL(127), fomos ver MEU TIME DE FUTEBOL(126) que estava EM CARTAZ(135) elevado. MEU CORAÇÃO I(85), sem REFLEXÃO(103), sentiu o jogo CUMBUCO(55).
Deixei-o lá, saí, só, procurando BILACA(40), com a INQUIETUDE(63) e o INDISCIPLINADO(113) e ADMIRÁVEL MUNDO LOUCO...(91) cheio de MUTAÇÕES(48). Então, HOMO FALLUS ERECTUS(42), apertei o SEGUNDO(131) MEU CORAÇÃO II(86) cheio de DESEJO(85) e FEITIÇARIA(64). Era uma TARDE ABSURDA(62), véspera de CARNAVAL(105) e o CARNAVALESCO(14) em TEMPO REDESCOBERTO(65) aguardava o DESENLACE(12), sim, UM ESTRANHO ENTERRO(71), CICATRIZ(117) de O INFORTÚNIO DE JUCA(75), vítima de O MAL-DO-ZECA(79). Era como um NATAL VENDIDO(95) e eu, sentindo INSÔNIA(59) e cheiro de DERROTA(28), lembrando os REFLEXOS DO NEGRO(30), onde SER OU NÃO SER... HONESTO(5) era MAGRA FANTASIA(32), propus á ROSA(49), sim, a VOCÊ(58): - SEJAMOS NÓS(44).
Realizamos então A PRIMEIRA FUGA(17): era O DIA DE SÂO SARUÊ(83) e deixamos "O SERTÃO EM POLVOROSA(67). PERDÃO... ERA UMA VEZ UM PAJEÚ(84). Mas MARIA CLARA(103), a BRANCA DAS NEVES(137), aproveitando AS COROAS DE APOLO(133), disse-me: escreve a ELEGIA EM VIDA A JOSÉ DE AGUIAR RAMOS,VAMOS CONSTRUIR O HOSPITAL DO CÂNCER(119), pois CADA MOMENTO, A VIDA(46) é AMOR NA CONCEPÇÃO DO POETA(37).
Eu, com FEBRE(33), compus este CANTO ENIGMÁTICO(105), autêntica SÚPLICA DE NATAL(61), endereçando A VOCÊ, MEU FILHO, MINHAS ESPERANÇAS(97) pois, APESAR DE TUDO(34), NINGUÉM SE LEMBROU DE TI...(53), mas AINDA PRESTA O TEU AMOR(45).
Rumei então para NOVA IORQUE(31) onde daria a AULA DE 14 DE MAIO DE 1975(21) sobre O QUE PODE HAVER DE COMUM ENTRE: INVERSÃO UTERINA TOTAL, O REDEMOINHO MARÍTIMO DE MAELSTROM E A MANOBRA DE GUAXINIM(122) e soltei THE ATOMIS BOMB(43) e TAU SALOMONIS(25) com as MEMóRIAS DE UM ATESTADO MÉDICO(107).
Com A MARCHA DO TEMPO(50), olhando OS OLHOS DA MULHER AMADA(99), UMA SEMANA MAIS TARDE(43), entre REFLEXÕES(35), à hora d'O JANTAR(9), uma CONCEPÇÃO(38): - SER POETA(29), é UMA ESTÓRIA DE EMERGÊNCIA(89) NO UMBRAL DO ANÍSIO(27), cresce como BOLA DE NEVE(51) da INFÂNCIA(87), após a BALADA DO POETA SEM NOME(100), dedicada à MÃE(10).
Em ANTÍTESE(104), após o EXAME PRÉ-NUPCIAL(11) e consultar RELÓGIOS(7), resolvi escrever UM POEMA PRA VOCÊ(96). Era a VISITA DA POESIA(56): - O CURIOSO CURIÓ(116) desprendeu uma FORTUITA LÁGRIMA(39), sequei-a com FÓSFOROS(129).
Texto escrito no Rio, em 11 de abril de 1988, por Tito de Abreu Fialho, então presidente da SOBRAMES - Nacional, e enviado ao Ceará para os participantes do citado livro.
LANÇAMENTO DA ANTOLOGIA "EFEITOS COLATERAIS"
Minhas senhoras; meus senhores; meus colegas.
O caro, preclaro, e raro colega Luiz Gonzaga de Moura Júnior, presidente desta entidade médico-literária, solicitou-me apresentar a vocês os demais colegas presentes nesta antologia. Mormente para cumprir um protocolo, eis que são todos conhecidos e apreciados.
Permitam-me - contudo - de início nomear outros, os quais nesta crestomatia não figuram: Francisco de Castro / AfrânioPeixoto / Oswaldo Cruz / Miguel Couto / Clementino Fraga, pai e filho / Fernando Magalhães / Maurício de Medeiros / Aloysio de Castro / Deolindo Couto / Peregrino Junior / Carlos Chagas Filho / Pedro Nava / Ivo Pitanguy / o nosso Airton Monte, todos figuras de truz da Medicina e da Literatura brasileiras.
Como são, igualmente - quiçá com a mesma proficiência - os colegas hoje e agora reunidos nesta coletânea, a demonstrar, mais uma vez, que "letra de médico" não é tão ilegível, como apregoam alguns: (...)
PAULO GURGEL, verdeversejando desde 1981, terça com a mesma destreza a crônica, o humor, e o conto, de maneira fluida, condensando-se ao sabor do ar expirado por seus temas prediletos. Pneumologista de escol, não padece daquela dispneia intelectual, tão encontradiça, a qual nem os médicos conseguem tratar.
Discurso proferido por Pedro Henrique Saraiva Leão (um dos participantes da antologia), em 14 de dezembro de 1990, na noite de lançamento do livro "Efeitos Colaterais".
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