sexta-feira, 7 de agosto de 2009

UM DEUS DORMIU LÁ EM CASA

No existir monótono do ser humano, e tornado ainda infeliz pelos projetos não realizados, tudo seria bem mais venturoso se súbito um deus aparecesse. Eu não falo de um deus bíblico, muito poderoso, mas de um deus em carne e osso, não preocupado com a espiritualidade. Apenas capaz de transformar algum sonho em realidade, porque instrumentalizado se achasse para isso. Embora coubesse também ao eleito: abrir a porta, recebê-lo cordialmente (não se desleixando nos detalhes de cada situação) e indicar-lhe o quarto de dormir.
Eis a experiência - inesquecível - vivida por quatro eleitos.

Beto, 23, aficionado por automóveis - "A vida toda eu quis ter um carro, mas cadê a grana para isso? Sou franco. Por diversas vezes, cheguei a pensar em puxar um, sair rodando por aí... Mas, seria uma fria, meu irmão. Chega a polícia, me engaveta e, o que é pior, daí para frente sou um cara marcado. Por isso, meu consolo era imaginar que um dia a coisa ia mudar. E como foi que mudou. No dia em que eu estava folheando a 'Quatro Rodas', me babando todo de um Comodoro 88 com opcionais. Entrou um cara meio parrudo, cabelo curtinho, em minha casa. Todo sujo de graxa, me pediu água para beber e lavar as mãos. Dei-lhe água para uma e outra coisa, e disse-lhe também que sentasse um pouco. O homem era cegonheiro, desses sujeitos que transportam veículos das fábricas para as revendedoras. Na porta tava lá o 'caminhãozinho' que não me deixava mentir. Parara por causa de prego. Como eu sempre guardo em casa uma pinga da boa, indo com o jeitão dele ofereci-lhe uma dose... no capricho. O homem ficou doido. Me disse que nunca havia provado cachaça igual. Aí, mandei ver outra, outra e outra. E ficamos amigos. Pelas tantas, sabendo da minha fissura ele me ofereceu a chave de um Monza, para que eu desse umas voltinhas. Saí no carro, né? E ele ficou em casa bebendo da 'branquinha'. E cada dia eu saía num carro diferente, que o gente boa me facilitava. Desde que não faltasse a 'maldita'. Enquanto ele lá mamava, eu rodava com a minha gata. Oito dias, oito carros, até que a polícia apareceu para estragar... a mando dos patrões dele. Mas não peguei cana, né? Não havia roubado nada. Pois é, deus dormiu lá em casa um... não, oito dias, mas para ver que nem ele é perfeito. Eu tinha que pagar o combustível que botava nos carros."
Tony, 45, bicheiro - "Em verdade, foi uma deusa que dormiu lá em casa. Eu me achava num astral mais baixo que poleiro de pato... Tinha levado o fora duma 'mina', numa circunstância que não interessa contar agora, quando a deusa apareceu. Na graça de uma loura - de cinema, meus queridos - que bateu à minha porta. Perguntando por uma pessoa que eu nem conhecia, e depois pedindo para usar o telefone. Ligou várias vezes, porém, do outro lado ninguém atendia. Aí, entre uma ligação e outra, eu puxei conversa. Depois, preparei-lhe um drinque que ela bebeu. E, como o programa dela havia mixado, topou o meu convite para sair na noite. Fizemos um circuito de bar, restaurante e danceteria, nessa ordem. Ao fim da noite, como pessoas civilizadas, fomos pra cama. Perdi a conta do número de minhas cavalgadas até que o dia amanhecesse. Foi safadeza, daquelas que o garoto aqui via nas revistinhas do Zéfiro... a loura topava. Só houve um senão, já no fim. Quando, apesar do imenso prazer que eu tivera, me dei conta do seguinte fato. Não havia visto, nem uma vez só, sombra de orgasmo em seu rosto, corpo... Era grilo com relação a mim? Dela quis uma explicação, meus queridos. E ela, que já estava de saída, foi, me atirou esta: 'Acaso você é Édipo?'" (*)
Juvenal, 56, leitor inveterado - "Bem, eu sou agnóstico. Mas um dia deus dormiu lá em casa. Na pessoa de um vendedor de enciclopédia que bateu à minha porta, com a proposta de vender uma coleção por um plano especial. Não tem ninguém mais bibliomaníaco que eu, mas, ultimamente, eu vinha me privando do hábito. Sem dinheiro para comprar livros e, por vezes, até o jornal. Os tempos bicudos... Aí, eu disse ao vendedor que desculpe mas não dá... Ele até não insistiu muito. E desabafou que fizera uma rota enorme, achava-se naquele momento longe de casa... Já era noite, e eu entendi aquela conversa mole como um pedido de hospedagem. Então, mandei que ele arriasse os livros num canto da sala, e mostrei-lhe o quarto onde ele podia descansar o corpo afadigado. E, noite adentro, enquanto ele ressonava, fiz meu serviço esperto na enciclopédia. Bendita a hora em que fiz meu curso de leitura dinâmica! De modo que, quando o homem despertou pela manhã, eu já estava no verbete 'zwinglianismo'. Depois disso, voltei à realidade só que mais instruído."
Lucas, 38, ufólogo - "Tenho lido tudo sobre o assunto, participado de inúmeros congressos... A ufologia é uma ciência e os ufos são naves espaciais que transportam seres alienígenas, acredito nisso. No tempo de que disponho, chova ou faça sol, armado de luneta posto-me no terraço de minha casa a perscrutar o céu. Certa vez, no terraço... eu ia até me recolher mais cedo, não estava com o aspecto de que ia aparecer algum ufo... Pois bem, mas surgiu algo que me encheu a vista. Não, eu não tinha bebido nem estava tomado de uma ilusão. No descampado, ao fundo da residência, vi que pousava um disco voador. E dele, minutos após, vi que descia um ser indiscutivelmente extraterrestre. Verde, presumíveis dois metros, a cabeça desproporcional ao corpo e com anteninhas, olhos bovinos, os braços finos, longos, com os dedos rentes ao chão... Caminhava arqueado. Um ufólogo tem de estar preparado para o grande momento, recebi o estranho com naturalidade. E graças ao tradutor de línguas - ele estava equipado de um - foi possível a comunicação verbal, de lá para cá e vice-versa. De maneira que, a noite toda, trocamos informações sobre coisas e fatos da Terra e de Cloros, o planeta dele. Clima, fauna, flora, sistemas de governo, esportes, religiões, Plano Cruzado, de tudo um pouco. Fui interlocutor desse deus, porém não o deixei dormir. E não relaxei em meu papel nem quando amanhecia, com ela já a partir... Porque aproveitei para lhe fazer minha última pergunta, uma curiosidade que eu tinha... Perguntei-lhe: 'Como é que vocês transam sexo, lá?' E ele me respondeu: 'Assim, ao mesmo tempo em que os seus dedos agilmente sacolejavam os lóbulos das minhas orelhas.' Por sinal, fizera isso comigo muitas vezes durante a noite. Antes de ele partir, imaginei fotos, vídeo e tal, mas o habitante de Cloros me proibiu de fazer tais registros. Entretanto, eu tenho como provar esse contato de, digamos, quarto grau. Peço apenas que aguardem nove meses, talvez menos. Que a futura mamãe aqui vai deslumbrar o mundo, ora se vai..."

(*) No blog EntreMentes este item foi publicado com uma nova versão:
Tony, 45, bicheiro - "Em verdade, foi uma deusa que dormiu lá em casa. Eu me achava num astral mais baixo que poleiro de pato... Tinha levado o fora duma 'mina', numa circunstância que não interessa contar agora, quando a deusa apareceu. Na graça de uma loura - de fechar o comércio 24 horas, meus queridos - que bateu à minha porta. Perguntando por uma pessoa que eu nem conhecia, e depois pedindo para usar o telefone. Ligou várias vezes, porém, do outro lado ninguém atendia. Aí, entre uma ligação e outra, eu puxei conversa. Depois, preparei-lhe um drinque que ela bebeu. E, como o programa dela havia mixado, topou o meu convite para sair na noite. Fizemos um circuito de bar, restaurante e danceteria, nessa ordem. Ao fim da noite, como pessoas civilizadas, fomos pra cama. Entorpecido pelo álcool, caí em sono profundo até por volta de meio-dia. E, ao despertar, constatei que a deusa, talvez decepcionada pelo meu apagão, tinha ido embora. No espelho do banheiro, havia deixado escrito a batom um número: 1985. Uma charada que, de imediato, eu não decifrei. Mas um bicheiro experiente como eu devia ter entendido o aviso e mandado 'cotar' o malfadado número. Que foi a milhar do tigre que deu, naquele dia, e me quebrou a banca."

Nenhum comentário: